O presidente Jair Bolsonaro resumiu detalhadamente o quanto a pol�tica dominou o debate sobre o uso do medicamento para a mal�ria contra o novo coronav�rus: "Quem for de direita toma cloroquina".
Bolsonaro fez a observa��o na ter�a-feira, um dia antes de seu governo recomendar o uso generalizado de cloroquina e um derivado menos t�xico, a hidroxicloroquina, para tratar doentes com a COVID-19 mesmo em casos leves, apesar de estudos questionarem sua seguran�a e efic�cia contra o novo coronav�rus.
O "Trump dos Tr�picos", como Bolsonaro j� foi chamado, compartilha o entusiasmo de seu colega americano pelos dois medicamentos, bem como sua tend�ncia em desconsiderar as evid�ncias cient�ficas que os contradizem.
Com base em estudos preliminares na China e na Fran�a - e, aparentemente, na esperan�a por algo al�m das restri��es que afetam gravemente a economia - ambos, Trump e Bolsonaro, t�m defendido a cloroquina e a hidroxicloroquina como potenciais medicamentos contra a COVID-19, apesar da insist�ncia dos cientistas de que mais testes s�o necess�rios.
Trump chegou a revelar na segunda-feira que toma diariamente hidroxicloroquina como medida preventiva.
Mas nem mesmo ele foi capaz de fazer o que Bolsonaro fez: com que as autoridades nacionais de sa�de ampliem o uso recomendado dos medicamentos, de testes cl�nicos e casos graves para toda a popula��o infectada, no in�cio dos sintomas.
"Ainda n�o existe comprova��o cient�fica, mas (a cloroquina) est� sendo monitorada e usada no Brasil e no mundo", tuitou Bolsonaro nesta quarta-feira.
"Contudo, estamos em Guerra: 'Pior do que ser derrotado � a vergonha de n�o ter lutado', acrescentou.
"Deus aben�oe o Brasil".
- Efeitos colaterais incluem 'morte' -
Com Trump buscando a reelei��o em novembro e Bolsonaro isolado por sua resposta minimalista � pandemia, o debate sobre a cloroquina se tornou intensamente pol�tico.
A declara��o completa de Bolsonaro sobre o assunto na noite de ter�a-feira foi: "Quem for de direita toma cloroquina, de esquerda toma Tuba�na", uma express�o usada em alus�o a refrigerantes baratos.
O ex-ministro da Sa�de do Brasil, Nelson Teich, renunciou na semana passada depois de menos de um m�s no cargo, depois de discordar da insist�ncia de Bolsonaro em expandir o uso da cloroquina contra a COVID-19.
Analistas pol�ticos previram que Bolsonaro, agora com seu terceiro ministro da pandemia, buscaria um substituto flex�vel disposto a ignorar a falta de evid�ncias cient�ficas sobre a cloroquina.
De fato, depois que o ministro interino Eduardo Pazuello aprovou as novas diretrizes de tratamento, Bolsonaro disse que planeja mant�-lo no cargo "por muito tempo".
As novas diretrizes recomendam que os m�dicos do sistema p�blico de sa�de prescrevam cloroquina ou hidroxicloroquina desde o in�cio dos sintomas de COVID-19, juntamente com o antibi�tico azitromicina.
Os pacientes dever�o assinar um documento reconhecendo que foram informados sobre poss�veis efeitos colaterais, incluindo disfun��o card�aca e hep�tica, danos � retina "e at� morte".
Assim, a decis�o final sobre o uso dos medicamentos fica para os m�dicos e seus pacientes.
O Minist�rio da Sa�de reconheceu que "ainda n�o h� meta-an�lises de ensaios cl�nicos multic�ntricos, controlados, cegos e randomizados que comprovem o beneficio inequ�voco dessas medica��es para o tratamento da COVID-19".
No entanto, afirmou que o governo tem a responsabilidade de emitir diretrizes usando as informa��es atualmente dispon�veis.
"N�s estamos falando de uma guerra onde precisamos disponibilizar o direito que � clamado pelos brasileiros a receber uma medica��o que em v�rios estudos cl�nicos tem mostrado evid�ncias, embora tenhamos estudos ainda escassos no mundo inteiro", disse Mayra Pinheiro, Secret�ria de Gest�o do Trabalho e da Educa��o na Sa�de, durante coletiva em Bras�lia.
- Aumento dos casos -
A cloroquina e a hidroxicloroquina, um derivado menos t�xico, al�m de usadas contra a mal�ria h� s�culos, tamb�m tratam algumas doen�as autoimunes, incluindo o l�pus. Ambas s�o formas sint�ticas de quinino, provenientes da cinchona.
Mas sua efic�cia no tratamento da COVID-19 � outro assunto.
"A cloroquina mostrou claramente que n�o tem o seu papel, que � o tratamento, aquilo que mais n�s objetiv�vamos em rela��o ao coronav�rus. Muito pelo contr�rio: ela deixa um legado de efeitos colaterais", disse Jean Gorinchteyn, infectologista do Instituto Em�lio Ribas e do Hospital Albert Einstein Hospital, em S�o Paulo.
Eme tamb�m demonstrou preocupa��o com a ilus�o de que o tratamento pudesse levar as pessoas a se sentirem menos inclinadas a observarem medidas de isolamento.
"Quando voc� diz que tem rem�dio, as pessoas acabam se despreocupando, e acham que poder sair para trabalhar. Quanto mais o v�rus circula, mas o v�rus tamb�m o faz", completou.
H� uma preocupa��o de que seu uso generalizado contra o coronav�rus gere escassez para outros pacientes.
Muitas farm�cias no Brasil dizem que j� est�o sem os dois medicamentos.
"Antes da pandemia, vend�amos no m�ximo uma caixa por m�s. No final de mar�o a demanda come�ou a aumentar e depois n�o recebemos mais o produto", disse um farmac�utico do Rio de Janeiro � AFP.
Bolsonaro comparou o novo coronav�rus a uma "gripezinha" e condenou a "histeria" ao seu redor, argumentando que as restri��es impostas pelas autoridades estaduais e locais v�o desencadear uma crise econ�mica com mais mortes e sofrimento do que o pr�prio v�rus.
Em meio � resposta desarticulada de seu governo, o Brasil emergiu como o mais recente foco da pandemia de coronav�rus.
O pa�s registrou mais de 270.000 casos e quase 18.000 mortes at� agora, e o aumento de infec��es n�o deve atingir o pico at� junho.
Especialistas dizem que devido � subnotifica��o, os n�meros reais s�o provavelmente muito maiores.