
As demonstra��es de racismo e a trucul�ncia policial nos Estados Unidos (EUA) indignam o professor universit�rio de literatura e l�ngua portuguesa Ronaldo Fortes Ribeiro, de 41 anos, de fam�lia mineira, nascido na cidade de Minneapolis, no estado de Minnesota, e residente na Filad�lfia h� 10 anos. Num relato emocionado, Jay, como � conhecido pelos amigos, faz um paralelo entre sua vida cheia de oportunidades e a de George Floyd, cinco anos mais velho, negro, e assassinado por um policial branco, em Minneapolis.
Os dias t�m sido muito tensos, diz Ronaldo, que, no s�bado, ao lado da mulher, a norte-americana Rachel, participou de manifesta��o contra a viol�ncia que se irradia pelo pa�s. Mas, � noite, a paz virou guerra nas ruas, com inc�ndios, destrui��o, vandalismo: "Os carros em chamas, as bombas de efeito moral, as lojas saqueadas e os inc�ndios por todos os lados me pareceram excessivos e criminosos. Bateram na minha porta. Incendiaram os restaurantes na esquina. Quebraram a loja da minha colega. Fiquei com medo. Fiquei com raiva. Rachel, Linda e eu nos escondemos no quarto com duas facas. Nunca tive armas. Sou contra as armas. Fiquei indignado".
Formado em odontologia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e comunica��o social (jornalismo) na PUC Minas, Ronaldo fez mestrado em literatura na Universidade de Winsconsin e n�o se esquece das ra�zes mineiras, nem deixa de lado os grandes autores nacionais.
“S�bado (30) foi um dia ao mesmo tempo belo e tr�gico na Filad�lfia, cidade grande e cosmopolita distante duas horas de Nova Iorque. Belo pela demonstra��o de solidariedade ap�s a morte de George Floyd. Tr�gico por uma demonstra��o pac�fica ter se transformado em vandalismo, saques a lojas, queima de carros e viol�ncia.
Moro na Filad�lfia h� quase 10 anos. Por uma coincid�ncia do destino, nasci na cidade onde George Floyd morreu, a bel�ssima e rica Minneapolis, de arquitetura moderna, lindos lagos e um inverno rigoros�ssimo, com temperaturas que chegam a menos 30 graus.
Param por a� as semelhan�as entre mim e Floyd. Meu pai (Jos� Leonardo Ribeiro) foi um economista e pesquisador bem-sucedido. Por ter sido um tremendo nerd, papai recebeu uma bolsa da organiza��o Fulbright, no fim dos anos 1970, para estudar no exterior. Partiram papai nerd, mam�e, e meu irm�o Heleno, criancinha ainda, n�o sabendo que ia parar na cidade de Floyd.
Alguns anos mais tarde, sem ter WhatsApp ou internet, mam�e escreveu uma carta para a vov� dando as boas novas que a fam�lia tinha acabado de ter um baby boy. Ao contr�rio do negro Floyd, nasci branquelo e num ber�o de ouro cheio de amor, livros e possibilidades.
Os anos se passaram, papai decidiu voltar ao Brasil para ser diretor de uma empresa de pesquisa (Empresa de Pesquisa Agropecu�ria de Minas Gerais/Epamig), mam�e foi dar aulas, discutir ideias e nos encher de amor. Meu irm�o deixou para tr�s o halloween, a neve, a banda de rock Kiss, e foi falar portugu�s com sotaque na escola nova.
Eu deixei a minha cidade natal e fui ser brasileiro na Belo Horizonte do Clube da Esquina, do clube de esportes Mackenzie, e mais tarde da boemia e dos bares. Quando papai nerd tomou 'um trem pras estrelas', mam�e precisou ainda mais da ajuda da Sueli, nossa bab�. Depois vieram outras Suelis, que cuidaram do irm�o, de mim e mais tarde da pr�pria mam�e. Mas esse tempo todo, a cidade de Floyd nunca me saiu da cabe�a.
Depois de muitos carnavais, o esp�rito aventureiro e uma bolsa de estudos me levaram para perto da Minneapolis da minha inf�ncia. Me enfiei nos livros, e quando finalmente entendi a beleza de Machado de Assis, que tinha me aporrinhado no segundo grau durante a prepara��o para o vestibular, fui ensinar literatura brasileira e portugu�s na Universidade da Filad�lfia. E aqui estou at� hoje, com a esposa Rachel e a cadela chamada Linda, uma golden retriever
Nunca conheci Floyd. Mas quando soube da sua morte brutal, resolvi participar da manifesta��o, porque pensei n�o s� no Floyd mas tamb�m na minha inf�ncia e na Sueli. Pensei em tudo que recebi do meu pai, da mam�e idealista e amorosa, do irm�o cuidadoso, e de como tudo isso n�o fez parte da realidade da Sueli. E nem da realidade do Floyd. E nem da realidade das outras Suelis que vieram depois. E nem da realidade da Mariley, uma mulher inteligente, trabalhadora e bem-humorada, apesar de todos os pesares.
E foi assim que sa� para participar da manifesta��o num dia belo. Come�ou claro, sol a pino, brisa gostosa. Depois de um inverno longo, a Filad�lfia estava florida, as pessoas de shorts e sand�lias, o esp�rito amistoso. E de repente a indigna��o dos Floyds e das Suelis veio � tona, se transformando em ira e viol�ncia desmedida. Quando j� era noite, os carros em chamas, as bombas de efeito moral, as lojas saqueadas, e os inc�ndios por todos os lados me pareceram excessivos e criminosos. Bateram na minha porta. Incendiaram os restaurantes na esquina. Quebraram a loja da minha colega. Fiquei com medo. E fiquei sem saber o que pensar."