Na Europa, o 'novo normal' ap�s auge do coronav�rus j� come�ou, mas � t�mido
Brasileiros que vivem no velho continente relatam as agruras do auge da pandemia e indicam, em meio � lenta retomada, que conterr�neos ainda t�m muito o que enfrentar
postado em 05/07/2020 04:00 / atualizado em 06/07/2020 15:36
O professor Marcus Vin�cius Pereira de Souza, de 47, vice-campe�o mundial de jiu-j�tsu, d� aula a crian�as e espera reabertura de academias: "Achamos que fosse durar 15 dias"
(foto: Alain Dhom�/Divulga��o
)
Avignon/Fran�a – Confinement na Fran�a, confinamento na Espanha, isolamento em Portugal, lockdown na Irlanda. Para fazer face ao perigo e ao desconhecido que batia � porta, a Europa, primeiro foco ocidental do coronav�rus, fechou fronteiras e trancou em casa sua popula��o. Sem meias palavras, cada pa�s deixou de lado recomenda��es e adotou em seu pr�prio idioma ordens e regras diretas para impedir cidad�os de ganharem as ruas. Durante pouco mais de 60 dias, ficar em casa n�o foi ato volunt�rio, mas �nica op��o diante das milhares de v�timas, entre mortos e pacientes que lutavam pela vida em UTIs lotadas.
Em teletrabalho, podendo sair apenas para o indispens�vel ou sendo obrigados a ir �s ruas s� para garantir o essencial, vivendo em pequenos espa�os e impedidos de visitar amigos e familiares, brasileiros contam suas rotinas durante o per�odo mais duro da pandemia no Velho Continente e como incertezas marcam os dias de uma abertura ainda t�mida, no chamado “novo normal”. Ainda assim, est�o em uma fase mais avan�ada do enfrentamento � pandemia que seus conterr�neos na terra natal.
Era fim de fevereiro quando o publicit�rio Luis Felipe Rubi�o, de 34 anos, em f�rias na Eslov�nia com o marido e os cunhados rec�m-chegados de Belo Horizonte, recebeu not�cias do avan�o do coronav�rus na Espanha, onde vive h� tr�s anos e meio. Os voos origin�rios da It�lia, o epicentro da doen�a no continente europeu na ocasi�o, acabavam de ser bloqueados. Come�ava ali a saga do retorno a Madri, uma vez que o grupo devia cruzar a fronteira com a It�lia para devolver o carro alugado e pegar o voo de volta para casa. O jeito foi embarcar para Londres, de onde seguiram para a capital espanhola no dia em que se decretou o estado de alarme e o confinamento.
Logo no primeiro dia, os quatro sa�ram para fazer supermercado e foram parados pela pol�cia. “S� podia sair acompanhada a pessoa que tem essa necessidade. N�o fomos multados, pois era o in�cio, mas percebi ali a gravidade da situa��o. Todas as regras tinham de ser respeitadas”, relata o publicit�rio.
Os cunhados tiveram sorte: embarcaram dois dias depois para BH, em meio � sequ�ncia de cancelamentos de voos para o Brasil. “Uma semana depois, come�amos a sentir os sintomas: falta de olfato e paladar, dor de cabe�a, mas nada muito grave, nem febre alta”, conta. “O governo deu muito apoio, tinha telefone direto em que profissionais de sa�de explicavam o que fazer e pediam para n�o ir ao hospital se n�o fosse grave. Foi um desespero um pouco maior, mas 20 dias depois voltaram o paladar e olfato.”
A Espanha adotou um dos isolamentos mais duros da Europa. Ao contr�rio da Fran�a, por exemplo, onde as pessoas foram autorizadas a sair durante uma hora por dia a um raio de at� um quil�metro do domic�lio para “esticar as pernas” (desde que individualmente e sem aglomera��o), em territ�rio espanhol, tinha-se permiss�o apenas para ir ao supermercado, farm�cia ou dar uma volta com animais de companhia. Situa��o que foi complicada para a fam�lia da moderadora de conte�dos Katja Polisseni Gra�a, de 47, tamb�m de BH e h� quase cinco anos em Barcelona. Ela e o marido, em teletrabalho, tiveram de se desdobrar para acompanhar o filho Davi, de 10, na escola em domic�lio e fazer novos arranjos durante 70 dias. “O apartamento n�o � enorme, mas tem um balc�o onde bate sol e a sala � grande. Liberei o corredor para jogar bola, o videogame durante a semana, incentivei a brincar bastante com a cachorrinha e ele viu muito filme e leu muitos livros em espanhol e catal�o”, diz.
Medo da volta � liberdade
A reabertura, feita em quatro fases desde o in�cio de maio, ainda causa apreens�o. “Meu filho n�o queria sair no in�cio, dizia n�o querer passar coronav�rus para os adultos”, afirma. Katja continuar� trabalhando em casa at� outubro. A empresa, com 1 mil funcion�rios, preferiu manter trabalhadores em casa para evitar circula��o de pessoas nas �reas comuns, como corredores e banheiros.
“Minha empresa agiu muito antes do governo. Quando come�ou o caos na It�lia, os italianos que estavam de f�rias n�o puderam voltar. A empresa foi acusada de preconceito, mas depois todo mundo deu raz�o. P�s quem era asm�tico no home office como piloto e iam come�ar com os pais quando veio o estado de alarme”, lembra.
Expectativa
Para o professor de artes marciais Marcus Vin�cius Pereira de Souza, o Frank, de 47, vice-campe�o mundial de jiu-j�tsu, o confinamento representou um retrocesso em v�rios aspectos. O carioca mora em Avignon com a mulher e dois filhos h� cerca de um ano, mas se confinou com a fam�lia numa casa de campo dos tios da esposa nas proximidades. “Moramos num apartamento que n�o � pequeno, mas n�o dava para ficar com os meninos l�. Fomos para um local com um campo grande, muito verde e uma fal�sia onde pod�amos passear. S� o acesso ao rio estava interditado”, diz.
A fam�lia saiu de casa com uma muda de roupas, laptop e modem de internet debaixo dos bra�os. “N�o acredit�vamos. Pensamos que duraria 15 dias. Tivemos que comprar roupas no mercado mais pr�ximo”, lembra. “Para mim, foi um retrocesso na l�ngua, pois fal�vamos muito portugu�s, e no trabalho, pois tudo parou. Tenho que refazer todo o movimento que fiz quando cheguei”, diz. No ver�o do ano passado, apesar de as academias estarem de f�rias, ele conseguiu trabalhos no Festival de Teatro de Avignon, o maior do mundo, que re�ne 700 mil visitantes, cancelado em 2020.
Marcos d� atualmente aula particular para crian�as e aguarda a reabertura progressiva das academias. As primeiras informa��es, que ainda dependem do aval da prefeitura, d�o conta de que ser�o permitidas oito pessoas em tatame de nove metros quadrados por dupla. O treino ser� com m�scara e n�o ser� permitido revezamento entre duplas. Depois, a tend�ncia � que a �rea seja reduzida a seis metros quadrados e poder�o se revezar at� quatro pessoas. “Em Avignon, a escola de artes marciais reabre, mas o mesmo n�o ocorrer� em outras cidades do entorno. S� em setembro teremos a retomada das aulas.”
A Cidade Luz perdeu o brilho
Deserto no Museu do Louvre, em Paris: com acesso a v�rios monumentos fechados e menos gente nas ruas, a polui��o diminuiu enquanto o medo pairava no ar (foto: THOMAS SAMSON/AFP
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Uma Paris sem turista, com Torre Eiffel, Museu do Louvre e tantos outros monumentos fechados. O ar ficou mais puro, segundo as medi��es das autoridades locais. O transporte p�blico foi reservado a trabalhadores essenciais, quem ia ao m�dico e alguns outros casos especiais. Champs �lys�es sem carros. “Foi interessante, in�dito e melanc�lico ver Paris deserta e silenciosa. Uma cidade que � habitualmente cheia e agitada. Mas, para mim, a ficha da dimens�o do confinamento s� caiu h� 10 dias, quando a cidade voltou a funcionar de forma mais plena”, afirma o belo-horizontino Rodrigo Lavalle, de 48 anos, do blog Conex�o Paris, especializado nessa cidade e na Fran�a.
Na Cidade Luz privada de seu movimento habitual, ele experimentou mudan�as na rotina e no trabalho, mesmo que antes do confinamento ele j� passasse muito tempo em casa trabalhando. De duas a tr�s vezes por semana, sa�a parte do dia para visitar museu, exposi��o ou evento e criar conte�do para as redes sociais do blog. Com o confinamento, o trabalho passou a se concentrar na cultura e na sociedade francesas de forma geral.
“No come�o do confinamento, o medo tomou conta e eu s� sa�a de casa uma vez por semana para ir ao supermercado da esquina. � medida que o tempo foi passando, resolvi aproveitar a uma hora di�ria permitida pelo governo n�o s� para espairecer e esticar as pernas, mas tamb�m para criar conte�do para o Instagram do Conex�o Paris. A internet ajudou bastante a n�o me sentir isolado. O contato com os amigos ficou at� mais frequente nesse per�odo”, relata.
Em Lisboa desde janeiro, o pesquisador Rudney Avelino de Castro, de 33, conta que sa�a para comprar comida com m�scara e guardando a dist�ncia exigida de 2 metros entre cada pessoa. “O limite existe at� hoje. Os transportes p�blicos nunca est�o cheios e o n�mero de trens foi duplicado para que o distanciamento possa ser respeitado”, afirma. “Como cheguei em janeiro, ainda n�o estava num ritmo de trabalho e amizades, o que me permitiu n�o sentir muito o isolamento. Estava liberada a caminhada perto de casa e em feriados prolongados n�o se podia sair nem do bairro. Mas as pessoas n�o sa�am, porque estavam com medo”, conta o mineiro de Paracatu, no Noroeste do estado.
Para ele, � preciso agora construir novos sentidos. “A COVID-19 veio como uma pausa no tempo, nos planos. Acredito que o grande exerc�cio foi o da resili�ncia, do controle da ansiedade em dar novos passos. Mas, ao mesmo tempo, tivemos seguran�a com as pol�ticas adotadas pelo governo. Ficou em mim a experi�ncia de que a pandemia � um desafio que deve ser enfrentado por todos e n�o um caos sist�mico.”
Oportunidade
Na Irlanda, a reabertura total do pa�s, feita em quatro fases, come�ou na semana passada. Os deslocamentos foram permitidos a dist�ncias de dois, cinco e 29 quil�metros nas tr�s primeiras fases e, a partir da �ltima segunda-feira, o com�rcio de todos os tipos reabriu, com respeito aos limites de distanciamento social e de lota��o. Escolas permanecem sem previs�o de volta. Diante de tantas mudan�as, boa not�cia para o paulista Felipe Nunes, de 28, h� tr�s anos e meio na capital, Dublin. Em meio ao lockdown, ele conseguiu um emprego em sua �rea, como assistente financeiro.
Morando num apartamento-est�dio em Dublin, que divide com uma colega, os momentos em que precisou se manter trabalhando na ocupa��o anterior foram os mais dif�ceis, segundo Felipe. “N�s dois somos grupos de risco. Ela come�ou a fazer home office antes da primeira fase. Eu continuava trabalhando, estava me expondo e podia trazer algo comigo, na roupa e m�os”, diz. Para ele, o aux�lio financeiro do governo foi fundamental para conter o avan�o do coronav�rus.
“Foi bem generoso e r�pido. O que mais conteve a dissemina��o do v�rus foi o fato de as pessoas n�o terem necessidade de trabalhar durante algum tempo, porque eram asseguradas por essa quantia. O servi�o de sa�de da Irlanda n�o comporta sua popula��o. O governo tinha consci�ncia de que n�o conseguiria suportar grande n�mero de infectados”, afirma. Trabalho novo e tamb�m de casa nova, o assistente financeiro ainda n�o conseguiu conceber a nova normalidade: “Eu me habituei tanto �s regras do lockdown que mudei a chave. Acho estranho agora as pessoas sa�rem de casa. Tenho receio de voltar � vida normal, pois foi tudo bem complicado.”