No mesmo dia em que o governo enfrentava protestos nas ruas de Beirute, uma explos�o deixou dezenas de mortos e milhares de feridos na capital, agravando ainda mais a tens�o em um pa�s que vive dura recess�o econ�mica desde o ano passado. Com a infla��o corroendo os sal�rios, a desvaloriza��o da libra libanesa (moeda local) e a pandemia de covid-19 agravando a pobreza, a estimativa � que o PIB caia 12% este ano.
Na avalia��o do cientista pol�tico Hussein Kalout, pesquisador da Universidade Harvard, a explos�o agrava a tens�o pol�tica, porque ocorre em um momento de questionamento das lideran�as e �s v�speras do veredicto do assassinato do ex-premi� Rafic Hariri. A seguir, trechos da entrevista.
Ap�s a explos�o, surgiu a desconfian�a de que pudesse ser um atentado dado o hist�rico de viol�ncia do pa�s. Por que essa conex�o?
O L�bano tem uma hist�ria tr�gica. Diversas autoridades importantes foram assassinadas nas �ltimas d�cadas, com viol�ncia, bombas, explosivos. J� houve atentados contra ex-presidentes, primeiros-ministros, lideran�as do Ex�rcito. Ent�o, toda vez que ocorre uma explos�o de grande magnitude, a tend�ncia � inferir que � um atentado contra algu�m importante ou que est� relacionado a algum objetivo.
A explos�o ocorreu nas v�speras do veredicto do ex-primeiro-ministro Rafic Hariri, ele mesmo assassinado em um atentado. H� alguma rela��o?
Acredito que n�o h� nexo causal de uma coisa com a outra. A decis�o do tribunal se arrasta h� quase uma d�cada e todo mundo sabe qual vai ser. Estranho seria se quem foi acusado durante dez anos for inocentado. Tudo indica que foi acidental o motivo da explos�o.
O L�bano viveu um dia de protestos em Beirute. Qual o contexto desses atos contra o governo?
O pa�s est� quebrado economicamente. Declarou fal�ncia e n�o tem como pagar as d�vidas com as institui��es financeiras internacionais. Isso tamb�m � parte das restri��es econ�mico-financeiras impostas ao pa�s, que aprofundaram a crise, elevando ainda mais a taxa de desemprego, que j� era alta. H� impacto nas cadeias de suprimento, o L�bano � um pa�s que importa praticamente tudo, tem poucos recursos. Ent�o, s�o muitas as limita��es. O novo governo tenta fazer um ajuste econ�mico, mas por mais que seja feito, implica em reforma do Estado, reforma tribut�ria, corte de sal�rios. Isso n�o � suficiente se o bloqueio econ�mico e o estrangulamento financeiro seguirem em curso.
Que consequ�ncias imediatas essa explos�o pode trazer?
O local do acidente, o porto de Beirute, � um ponto importante. � de onde muitos produtos que entram e saem do pa�s s�o escoados. Em uma situa��o em que o L�bano est� imerso em uma grav�ssima crise, ter um porto daquela import�ncia inoperante tende a agravar os contornos da crise e elevar a tens�o pol�tica.
H� perspectiva de mudan�a no curto e m�dio prazos?
O governo tem muito pouco tempo (come�ou em janeiro). N�o d� para tirar um pa�s imerso endemicamente na corrup��o assim. A classe pol�tica esteve envolvida nos mais variados crimes de car�ter financeiro. N�o tem como solucionar todo esse funcionamento da din�mica institucional que est� carcomido pela corrup��o. � muito dif�cil em um governo de pouco tempo encontrar solu��es. E � preciso lembrar que boa parte dos pol�ticos permanece em posi��es de for�a no poder.
Como est�o as investiga��es contra os pol�ticos acusados de corrup��o?
O Judici�rio do L�bano n�o � independente, n�o h� uma efetiva separa��o dos poderes. O Poder Judici�rio obedece � din�mica de ser fracionado em grupos partid�rios vinculados a determinadas lideran�as. Ele n�o prima pela transpar�ncia. N�o h� um caso de corrup��o em qualquer tribunal em qualquer inst�ncia que esteja investigando e operando para condenar quem ao longo de d�cadas destruiu a economia por meio do desvio de recursos p�blicos.
Que peso voc� atribui �s manifesta��es ocorridas nesta semana contra o governo. Elas podem provocar mudan�as?
N�o consigo enxergar no momento mudan�as efetivas como resultado dessas manifesta��es. Primeiro, as demandas s�o as mais variadas. Alguns querem mudan�a no formato do processo eleitoral, outros querem a exclus�o da classe pol�tica inteira, o seu banimento nas pr�ximas elei��es. � dif�cil harmonizar esses pedidos e anular as for�as pol�ticas existentes, pois elas t�m uma base popular importante, uma representatividade e um reconhecimento. Como efetuar reformas sem elas? Antes da covid-19, a cidade viveu manifesta��es durante quase um m�s e, mesmo assim, isso n�o alterou o sistema pol�tico. Cortaram um privil�gio aqui e outro ali, mas n�o � isso que vai restaurar a economia do pa�s.
No in�cio tamb�m se falou que essa explos�o pudesse estar ligada ao Hezbollah, que negou. Qual o peso desse grupo hoje na pol�tica libanesa?
� uma for�a pol�tica como todas as outras, tem uma expressividade grande dentro do pa�s e n�o tem como tangenciar. Toda vez que voc� tenta excluir um grupo representativo, imobiliza o sistema pol�tico. O pr�prio governo hoje tenta alterar, fazer mudan�as efetivas em v�rios sentidos e n�o consegue. H� for�as pol�ticas, algumas que n�o est�o no governo, que n�o querem transforma��es. A chave � achar um ponto de equil�brio para trazer todas as frentes a um ponto comum.
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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