Depois de anunciar nesta ter�a-feira (11) que desenvolveu a "primeira" vacina contra o COVID-19, batizada de Sputnik V, a R�ssia pretende se posicionar na vanguarda dessa corrida planet�ria com importantes repercuss�es financeiras. � preciso, por�m, cuidado com os efeitos do an�ncio e a possibilidade de decep��o.
- Quantas vacinas h� no mundo?
Em sua �ltima atualiza��o, em 31 de julho, a OMS listou 26 "vacinas candidatas" no mundo que estavam passando por testes cl�nicos (em humanos), em compara��o com 11 em meados de junho. A maioria desses estudos est� na fase 1 - destinada principalmente a avaliar a seguran�a do produto - ou na fase 2 - onde sua efic�cia � testada.
Apenas cinco est�o na fase 3, a mais avan�ada, em que a efic�cia � verificada em maior escala, com milhares de volunt�rios. S�o elas: a vacina que est� em desenvolvimento pelo laborat�rio alem�o BioNTech e o americano Pfizer; a que � desenvolvida pela empresa americana de biotecnologia Moderna; os dois projetos dos laborat�rios chineses Sinopharm e Sinovac; e o que � realizado pela Universidade de Oxford com a farmac�utica brit�nica AstraZeneca.
A vacina russa, desenvolvida pelo Centro de Pesquisas em Epidemiologia e Microbiologia Nikolai Gamaleya, do Minist�rio da Defesa da R�ssia, est� na fase 1, segundo dados da OMS.
No entanto, o fundo soberano russo envolvido em seu desenvolvimento garante que a fase 3 dos testes cl�nicos come�ar� nesta quarta-feira. De acordo com as autoridades m�dicas russas, professores e personalidades m�dicas come�ar�o a ser vacinados a partir de agosto, antes do in�cio da administra��o na popula��o, prevista para 1� de janeiro de 2021.
- Quais s�o as t�cnicas?
Algumas equipes est�o trabalhando em vacinas cl�ssicas que usam um v�rus inativado. Existem tamb�m as chamadas vacinas subunit�rias, baseadas em prote�nas (ant�genos) que induzem uma resposta imune, sem v�rus.
Outras ainda, conhecidas como vacinas de vetor viral, s�o mais inovadoras: usam como suporte outro v�rus, no qual se transformam e se adaptam para combater a COVID-19. � a t�cnica escolhida tanto pelos russos quanto pela Universidade de Oxford, que utilizam um adenov�rus (fam�lia de v�rus muito comuns) de chimpanz�.
Al�m disso, alguns projetos baseiam-se em vacinas de DNA ou RNA, produtos experimentais que utilizam material gen�tico modificado.
"Quanto mais candidatos e mais tipos de vacinas houver, maior ser� a probabilidade de obter alguma coisa", disse � AFP Daniel Floret, vice-presidente da Comiss�o T�cnica de Vacinas.
- Quais s�o os resultados?
O Minist�rio da Sa�de russo garante que sua vacina permite "gerar uma imunidade prolongada", de at� "dois anos". O problema � que os dados sobre os quais essas afirma��es se baseiam n�o foram divulgados.
"Esta afirma��o � prematura, pois n�o sabemos se esta vacina (ou qualquer outra) ir� proteger contra a COVID-19" ou "qual ser� a dura��o da imunidade. Na realidade, a dist�ncia das primeiras imuniza��es no homem � apenas de alguns meses/semanas", alertou a virologista francesa Marie-Paule Kieny, ex-vice-diretora geral da OMS, � AFP.
Em geral, at� agora, apenas resultados preliminares (fases 1 e 2) foram publicados. As mais recentes s�o as vacinas candidatas da Universidade de Oxford e da empresa chinesa CanSino, publicadas em 20 de julho, que mostraram que s�o bem toleradas pelos pacientes e provocam "uma forte resposta imunol�gica".
Mas "n�o sabemos se esses n�veis de imunidade podem proteger contra a infec��o (...) ou se esta vacina pode proteger os mais fr�geis das formas graves de COVID-19", afirmou Jonathan Ball, professor de virologia molecular da Universidade de Nottingham, no Reino Unido.
Um estudo brit�nico divulgado em meados de julho sugere que a imunidade baseada em anticorpos contra o coronav�rus pode desaparecer em apenas alguns meses, o que amea�a complicar o desenvolvimento de uma vacina eficaz de longo prazo.
- Cada vez mais r�pido?
Os procedimentos t�m sido acelerados de uma forma in�dita em todo o mundo, principalmente na China, onde o SARS-CoV-2 surgiu. Estados e grandes funda��es come�aram a levantar fundos internacionais. Isso permite que as empresas iniciem a fabrica��o industrial de suas vacinas enquanto trabalham na prepara��o, duas etapas normalmente distintas.
Os Estados Unidos, que trabalham sozinhos, lan�aram a opera��o "Warp Speed" (al�m da velocidade da luz) para acelerar o desenvolvimento de uma vacina destinada prioritariamente aos 300 milh�es de norte-americanos. Para isso, o governo est� comprometido com diversos projetos e investiu bilh�es de d�lares em diferentes programas.
Esta corrida desenfreada tem ares de romance de espionagem. O Reino Unido, os Estados Unidos e o Canad� acusaram os servi�os de intelig�ncia russos de estarem por tr�s de ataques hackers para roubar pesquisas sobre a vacina. Nos EUA, dois chineses foram acusados por motivos semelhantes. Tanto Moscou quanto Pequim refutaram as acusa��es.
- Problemas de seguran�a?
Ap�s o an�ncio russo, a OMS advertiu que a aprova��o de uma vacina requer procedimentos "rigorosos", incluindo o exame e avalia��o de todos os dados de seguran�a e efic�cia exigidos em ensaios cl�nicos.
"Para autorizar uma vacina contra COVID-19 � necess�rio que os testes cl�nicos forne�am evid�ncias s�lidas sobre sua seguran�a, efic�cia e qualidade", alertou tamb�m a Ag�ncia Europeia de Medicamentos.
Realizar testes cl�nicos r�pidos demais pode causar problemas em termos de seguran�a, destacou Daniel Floret. Segundo ele, "um dos pontos-chave ser� apresentar provas de que a vacina n�o vai agravar a doen�a" nas pessoas vacinadas, o que j� ocorreu com macacos "na tentativa de desenvolver vacinas contra MERS-CoV e SARS", dois outros coronav�rus.
Esse fen�meno de agravamento da doen�a foi observado em humanos na d�cada de 1960 com algumas vacinas contra a rub�ola, que foram suspensas, e contra bronquiolite infantil, que foi abandonada.
O an�ncio russo de ampla implanta��o da Sputnik V parece um pouco prematuro para muitos cientistas. "� uma decis�o irrespons�vel e imprudente. Uma vacina��o em massa com uma vacina que n�o foi bem testada � anti�tica", comentou Fran�ois Balloux, da Universidade de Londres.
Ele advertiu que qualquer problema com as campanhas de vacina��o seria "desastroso" tanto por seus efeitos na sa�de das pessoas como pela desconfian�a que geraria na vacina��o.
- Quando sair� a vacina, afinal?
Antes do an�ncio feito pela R�ssia, a Ag�ncia Europeia de Medicamentos estimava que "uma vacina contra COVID-19 pronta para ser aprovada e dispon�vel em quantidades suficientes poderia levar pelo menos at� o in�cio de 2021" a n�vel global.
Os mais otimistas, a come�ar por algumas farmac�uticas, garantem que isso ser� poss�vel a partir do outono (do hemisf�rio norte, que come�a em meados de setembro). Entretanto, isso "n�o � muito realista" para o professor Floret, que recomenda "moderar este entusiasmo" e aposta na vacina "para o primeiro trimestre de 2021", pelo menos.
"Seria uma conquista impressionante", ele disse, pois isso geralmente leva anos. No pior dos casos, uma vacina pode nunca ser alcan�ada.