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A imagem da santa venerada pelos argentinos que pode ser de origem brasileira

Estudiosos discutem a teoria de que as imagens das padroeiras Nossa Senhora Aparecida e a da Nossa Senhora de Luj�n seriam do mesmo autor


11/10/2020 15:52 - atualizado 11/10/2020 22:57

Imagem de Nossa Senhora de Lujan foi encomendada por fazendeiro que morava na argentina(foto: José Luís Lira)
Imagem de Nossa Senhora de Lujan foi encomendada por fazendeiro que morava na argentina (foto: Jos� Lu�s Lira)

Quando visitou o Brasil, em julho de 2013, na primeira viagem internacional de seu pontificado, papa Francisco afirmou que a velha rivalidade com os "hermanos" havia sido resolvida. "J� est� totalmente superada, porque negociamos bem: o papa � argentino e Deus � brasileiro", afirmou ele, bem-humorado.

Se Francisco incluiu a Catedral Bas�lica Santu�rio Nacional de Aparecida, no Vale do Para�ba, em seu roteiro naquela viagem, � prov�vel que tenha lhe ocorrido que celebrar a padroeira do Brasil tamb�m era uma maneira de se referir indiretamente � padroeira de sua terra natal, a Virgem de Luj�n — ou Nossa Senhora de Luj�n. Isso porque uma teoria j� bastante aceita entre religiosos e estudiosos de arte sacra faz crer que ambas as imagens s�o irm�s: feitas na mesma �poca e com o mesmo tipo de mat�ria-prima, h� ind�cios que seriam obras do mesmo artista — no caso o monge beneditino Agostinho de Jesus (1600-1661).

"O barro de que foram feitas as duas imagens e as m�os que as confeccionaram s�o as mesmas. Por isso podemos dizer que Nossa Senhora de Luj�n e Nossa Senhora Aparecida s�o brasileiras", afirma � BBC News Brasil o pesquisador Jos� Lu�s Lira, fundador da Academia Brasileira de Hagiologia.


Nossa Senhora Aparecida é a santa padroeira do Brasil(foto: Domínio Público)
Nossa Senhora Aparecida � a santa padroeira do Brasil (foto: Dom�nio P�blico)

As imagens sacras em quest�o s�o as pe�as originais de Nossa Senhora da Concei��o — a representa��o de Maria, m�e de Cristo, gr�vida de Cristo — que inspiraram a devo��o popular nos dois pa�ses. No caso brasileiro, a Nossa Senhora negra encontrada pelos pescadores no rio Para�ba do Sul em 1717 e que hoje segue atraindo milh�es de cat�licos ao santu�rio erguido em sua honra na cidade de Aparecida. J� a vers�o argentina chegou � regi�o de Luj�n em 1630 — e por causa dela ali foi erguido e re�ne fi�is no Santu�rio e Bas�lica Nossa Senhora de Luj�n.

No livro Ela � Minha M�e! - Encontros do Papa Francisco com Maria, o padre Alexandre Awi Mello, secret�rio do Dicast�rio para os Leigos, Fam�lia e Vida — �rg�o do Vaticano —, conta um pouco dessa hist�ria. "Ambos os povos est�o unidos tamb�m no cora��o e na imagem de Maria Imaculada. E uni�o, de fato, � o que come�ou a acontecer em torno da pequena imagem de Luj�n", escreve ele.

"Diga-se de passagem que, sendo brasileiro, ao escutar sobre a imagem de Nossa Senhora de Luj�n, eu n�o pude deixar de associ�-la � de Nossa Senhora Aparecida. Ambas representam a Imaculada Concei��o, t�m praticamente o mesmo tamanho e foram confeccionadas na mesma regi�o e com o mesmo material", afirma, no livro. "Alguns estudos t�m procurado demonstrar o 'parentesco' das duas imagens que captaram a devo��o mariana de milh�es de fi�is, vizinhos e irmanados por obra da Provid�ncia at� mesmo em suas padroeiras nacionais. � mais uma confirma��o de que Maria une os povos."

Em conversa com a reportagem, por e-mail, Mello demonstra cautela. "Daquilo que entendi nas pesquisas que fiz naquela ocasi�o [para a produ��o do livro], n�o h� um consenso entre os especialistas, mas � poss�vel que ambas imagens tenham sido feitas na mesma regi�o", diz o padre. "Feitas no Brasil, visto que a imagem de Luj�n, segundo os relatos, foi enviada do Brasil para a Argentina." O secret�rio do Vaticano conta que na resid�ncia de Francisco h� uma imagem da Virgem de Luj�n e "nos jardins vaticanos est�o presentes as duas imagens, junto a v�rias outras de diferentes regi�es do mundo".

A hist�ria

O livro de Mello traz um resumo de como essa imagem de Nossa Senhora teria chegado � Argentina. Tratou-se de encomenda (e isso � considerado comprovado entre pesquisadores) de um fazendeiro portugu�s chamado Antonio Frias S�a, cuja propriedade ficava em Sumampa, hoje Prov�ncia de Santiago Del Estero. Era 1630.


Não existe consenso sobre 'irmandade' entre imagens da santa argentina (foto) e da brasileira(foto: José Luís Lira)
N�o existe consenso sobre 'irmandade' entre imagens da santa argentina (foto) e da brasileira (foto: Jos� Lu�s Lira)

"[Ele] pediu a um de seus compatriotas, que morava no Brasil, que lhe enviasse uma imagem de Nossa Senhora para colocar na capela de sua fazenda. Seu amigo lhe enviou, ent�o, duas imagens feitas na regi�o de S�o Paulo, uma da Imaculada Concei��o e outra de Maria com o menino Jesus nos bra�os. Em maio daquele ano, as imagens chegaram ao porto de Buenos Aires, foram acomodadas cada uma em uma caixa e transportadas por uma carreta rumo ao destinat�rio", relata o padre.

"Tr�s dias depois de iniciado o caminho, o comboio fez uma parada a cinco l�guas da atual cidade de Luj�n (aproximadamente 24 km), na altura de uma localidade chamada Zelaya, no atual munic�pio de Pilar, para pernoitar na Est�ncia de Rosendo de Trigueros", prossegue. "Conta a hist�ria, para alguns considerada lenda, que no dia seguinte, na hora de partir, os bois n�o conseguiam mover a carreta. Depois de v�rias tentativas frustradas, removeram um dos caixotes da carreta e os bois come�aram a andar sem dificuldade. Intrigados, descobriram que dentro do caixote estava a pequena imagem da Imaculada Concei��o, de 38 cm de altura, feita de barro cozido. O fato foi interpretado providencialmente e a imagem deixada na fazenda, dando in�cio assim ao culto daquela que viria a ser chamada de Virgem de Luj�n."

Em entrevista � BBC News Brasil, a historiadora Zenilda Cunha, membro da Associa��o dos Guias do Circuito Tur�stico Religioso e que realizou monitorias no Santu�rio de Aparecida por 13 anos, afirma que "h� uma rela��o entre as imagens" e que certamente a imagem de Luj�n "� brasileira" e ambas foram confeccionadas com o mesmo material.

"As fontes historiogr�ficas sobre a viagem da Santa argentina s�o un�nimes em dizer que � uma encomenda feita ao Brasil", confirma � reportagem o padre Rodrigo Vilela, professor da Faculdade de Teologia da Pontif�cia Universidade Cat�lica de S�o Paulo (PUC-SP).

Se a devo��o � santa argentina come�ou ainda no s�culo 17, contudo, a hoje padroeira do Brasil s� seria encontrada por pescadores nas �guas do Rio Para�ba do Sul em 1717. A hip�tese de que a imagem teria ficado submersa por d�cadas, inclusive, � uma das poss�veis explica��es para o fato de a vers�o brasileira ser mais escura do que a venerada na Argentina.

"Quem v� uma imagem percebe a semelhan�a com a outra. Isso aconteceu comigo. A grande quest�o � que uma ficou escura por passar — se contarmos a data em que a imagem de Nossa Senhora de chegou a Luj�n e a encontrada em Aparecida, daria 87 anos — d�cadas submersa e ter adquirido a tonalidade barrenta da �gua do rio Para�ba do Sul. Inicialmente o que as diferenciaria seria isso", acredita Lira.

Oficialmente, Nossa Senhora Aparecida tornou-se padroeira do Brasil em 16 de julho de 1930, por decreto do papa Pio 11 (1857-1939). J� o feriado de 12 de outubro foi institu�do bem mais tarde: a lei, sancionada pelo presidente Jo�o Figueiredo (1918-1999), � de 30 de junho de 1980.

Foi o mesmo papa Pio 11 — e no mesmo ano de 1930 — que reconheceu o patronato da Virgem de Luj�n. Durante as comemora��es dos 300 anos da chegada da imagem �s terras argentinas, ela se tornou, pela Igreja, n�o s� padroeira da Argentina — como j� era informalmente tratada — como ainda das vizinhas rep�blicas do Uruguai e do Paraguai. A santa ainda foi reconhecida oficialmente como padroeira das estradas argentinas (em 1944), da Pol�cia Federal Argentina (1946) e das ferrovias do pa�s (1948).

A autoria

As imagens n�o s�o assinadas, mas a partir de diversas an�lises realizadas hoje acredita-se que ao menos a de Nossa Senhora Aparecida seja obra do monge beneditino Agostinho de Jesus (1660-1661), considerado o primeiro escultor nascido no Brasil — segundo a Enciclop�dia Ita� Cultural, "o primeiro artista pl�stico nascido no Brasil". Carioca, ele viveu um tempo no mosteiro beneditino de Salvador. Ali teria aprendido o of�cio com um hom�nimo portugu�s, o tamb�m monge Agostinho da Piedade (1580-1661) — conforme conta, em artigo, o monge beneditino Jo�o Baptista Barbosa Neto.

Mas se o mestre usava terracota baiana como sua mat�ria-prima, o aprendiz, quando se mudou para um antigo convento de sua ordem que existia em Santana de Parna�ba, passou a utilizar a argila paulista. A diferen�a da mat�ria-prima foi pe�a-chave para pesquisadores contempor�neos atestarem a autoria. "Pode haver alguma diverg�ncia isolada, mas, pelas caracter�sticas, o consenso � de que o autor da imagem � frei Agostinho de Jesus", pontua o pesquisador Lira.

"Ao estudar a imagem, percebeu-se que ela era feita de barro cinza claro cozido, um barro paulista, diferente do barro da Bahia, de Pernambuco, de grandes canteiros que esculpiam em terracota naquele per�odo", afirma a historiadora Cunha. A an�lise definitiva foi realizada ap�s o maio de 1978, quando a imagem de Aparecida foi quebrada em uma tentativa de roubo — durante o restauro, o material foi amplamente estudado.

Mas e a Virgem de Luj�n? "A imagem tem todas as caracter�sticas das feitas por frei Agostinho de Jesus. Em 1630, ele vivia no Estado de S�o Paulo, com uns 30 anos de idade. As caracter�sticas das imagens feitas por ele s�o rapidamente identific�veis: forma sorridente dos l�bios, queixo encravado, flores em relevo no cabelo, porte empinado para tr�s, entre outras", enumera Lira. "Altura e peso das imagens expostas em Aparecida e Luj�n s�o praticamente iguais. Hoje fica dif�cil saber o peso exato de Nossa Senhora de Luj�n por conta da placa de bronze que a envolve, mas, a altura � praticamente a mesma de Nossa Senhora Aparecida que tem 36 cent�metros de altura e pesa 2,50 kg."

"Portanto, eu acredito que as imagens de Nossa Senhora de Luj�n e Nossa Senhora Aparecida s�o as mesmas", crava ele. "O autor, indiscutivelmente � o mesmo. O t�tulo, o mesmo, e a imagem nos unem nessa devo��o mariana. Sempre que vou � Argentina, tenho que passar em Luj�n como quando vou a S�o Paulo gosto de ir a Aparecida."


Nossa Senhora Aparecida (na foto) pode ter parentesco com imagem de santa argentina(foto: José Luiz Bernardes Ribeiro/ Creative Commons)
Nossa Senhora Aparecida (na foto) pode ter parentesco com imagem de santa argentina (foto: Jos� Luiz Bernardes Ribeiro/ Creative Commons)

Padre Vilela, por sua vez, prefere acreditar que ambas as imagens s�o oriundas de uma mesma escola, n�o necessariamente do mesmo autor. "J� foi tentado fazer essa liga��o, mas se for tomada como refer�ncia a produ��o do frei Agostinho de Jesus, a imagem argentina [considerando quando foi encontrada a vers�o de Aparecida] � cronologicamente anterior e, quanto ao estilo, mais r�stica, de acordo com especialistas em hist�ria da arte colonial", afirma. "Pelo menos uma gera��o anterior."

Pesquisador de direito can�nico, arte sacra e hist�ria da arte, padre Jos� Fernandes Lucena, que j� atuou na Argentina, defende a tese de que ambas as imagens foram feitas, no m�nimo, no mesmo ateli�. "A de Nossa Senhora Aparecida � quase certa que foi feita pelo frei Agostinho de Jesus. Pelos tra�os, a de Luj�n ou tamb�m � dele ou de algum disc�pulo. Ambas s�o de barro paulista. Se n�o foi ele, foi algum disc�pulo. Sa�ram da mesma oficina", afirma ele, � BBC News Brasil.

O hagi�logo Lira acredita que ainda levar� um tempo para que essa teoria ganhe o consenso. "A devo��o argentina se iniciou cerca de 87 anos antes e isto a faria mais antiga. Tamb�m a descoberta das semelhan�as das imagens � algo recente, digamos assim", pondera. "Lembro-me de que na transmiss�o de uma rede de televis�o da visita do papa Francisco a Aparecida, dom Darci Jos� Nicioli, ent�o bispo auxiliar de Aparecida, se dizia admirado com a informa��o de que as imagens eram as mesmas. Imaginemos os fi�is. Penso que mesmo na academia o assunto ainda seja novo. Eu comecei essas especula��es em 2012 quando iniciei meus estudos de mestrado e de doutorado naquelas terras argentinas e de logo, ao chegar a Luj�n, me senti acolhido pela padroeira de minha na��o, Nossa Senhora, a mesma Aparecida."


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