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Estado de Minas GERAL

Papa fortalece grupos LGBT na Igreja, diz coordenadora do movimento gay cat�lico

A opini�o � de Cris Serra, coordenadora da Rede Nacional de Grupos Cat�licos LGBT e do Diversidade Cat�lica


26/10/2020 21:00 - atualizado 26/10/2020 21:50

O Papa Francisco (foto: Alberto PIZZOLI / AFP )
O Papa Francisco (foto: Alberto PIZZOLI / AFP )
A defesa dos direitos civis de uni�o dos gays, feita pelo papa Francisco, fortalece o trabalho interno nas igrejas de grupos LGBT negligenciados pela hierarquia cat�lica. A opini�o � de Cris Serra, coordenadora da Rede Nacional de Grupos Cat�licos LGBT e do Diversidade Cat�lica, o mais antigo deles, fundado em 2007, no Rio. Psic�loga e doutoranda em Sa�de Coletiva na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), ela afirma que considera o papa um "moderado" em quest�es morais, mas avalia que ele tra�ou um pontificado que dificilmente poder� se alinhar novamente com discursos "moralistas" e "antig�nero", por causa do embate com o ultraconservadorismo cat�lico.

"� a primeira vez que escuto da autoridade m�xima da Igreja que a gente tem fam�lia. Isso � uma grande coisa", disse Cris, ao comentar a declara��o do papa no document�rio "Francesco". "Tem gente que segue Cristo e faz arminha com a m�o", afirmou ela, sem mencionar o nome do presidente Jair Bolsonaro.

Voc� tamb�m se surpreendeu com as palavras do papa Francisco?

N�o � uma mudan�a doutrin�ria da Igreja. Acontece no contexto de outros gestos do papa Francisco, acenos simp�ticos �s pessoas LGBT. Mas s�o palavras vindas de um papa, reproduzidas no mundo inteiro, isso tem um impacto. O fato de o papa falar em homossexuais e fam�lia tem impacto, no contexto em que certos grupos globalmente se apropriam dessa palavra, como os "defensores da fam�lia", para fazer certa guerra ideol�gica, usando a linguagem do cristianismo como instrumento. Ainda mais vindo desse papa, que, quando era presidente da Confer�ncia Episcopal da Argentina, moveu uma guerra violenta contra o projeto de uni�o civil. A�, o que originalmente era um projeto de uni�o civil virou de casamento igualit�rio e assim foi aprovado. Foi uma derrota fragorosa da Igreja argentina encabe�ada pelo atual papa. Esta pessoa, com esta hist�ria, defender a ideia de que as pessoas LGBT t�m direito � uni�o civil tamb�m � bastante forte.

O que muda?

O que ele falou fortalece certas vozes e correntes na Igreja. Nossa esperan�a � fortalecer o trabalho das pessoas nessa perspectiva de valoriza��o da diversidade como algo que enriquece, n�o s� tolerar. Que talvez possa mudar o olhar para a presen�a das pessoas LGBT. E tamb�m os direitos humanos e o combate � viol�ncia estrutural contra os grupos mais vulner�veis. Eu comecei no Diversidade Cat�lica em 2007. At� 2013, quando Francisco assumiu, eu trabalhei debaixo do Ratzinger. Quando Francisco chega falando numa Igreja de portas abertas, em respeito, di�logo com o diferente, que a Igreja n�o pode ser transformar numa alf�ndega moral, mas no abra�o pastoral, no acolhimento a todos. Foi muito interessante observar como explodiu naquela �poca uma demanda por discuss�o, debate, conversa debate, informa��o b�sica sobre LGBT dentro da igreja. Padres, freiras e leigos queriam falar sobre isso. N�o se falava sobre isso. A conversa que ele teve com um gay chileno, a frase "Quem sou eu para julgar?", o lava-p�s de uma travesti na Quinta-feira Santa, receber grupos LGBTs para conversar... Isso cria um certo ambiente, n�o d� para negar. � a mesma coisa que mudan�a na doutrina? N�o �. Ele poderia mudar a doutrina sozinho? N�o, n�o pode. Esse papa gostaria de mudar a doutrina? N�o sei. Ele � controverso, de vez em quando fala umas coisas anti-ideologia de g�nero, adere a esse discurso da cruzada moral contra a ideologia de g�nero. Essa express�o, ali�s, � uma inven��o cat�lica, surge em ambientes conservadores cat�licos norte-americanos na d�cada de 1990 para deslegitimar os estudos de g�nero e movimentos feministas e LGBT.

Dizem que ele � conservador moralmente.

Eu n�o diria que ele � conservador, nem progressista. Em termos morais, diria no m�ximo que � um moderado. Ele criou uma contradi��o que n�o sei como ele vai contornar. Ele d� �nfase � quest�o pastoral, em vez de discutir uma coisa abstrata, descolada da vida das pessoas, ele enfatiza o encontro e o acolhimento das pessoas. Fica dif�cil ser moralista assim. Fica dif�cil sustentar certo conservadorismo se voc� diz acolher as pessoas do jeito que elas s�o. Fico curiosa se vai ser poss�vel para Francisco, nesse contexto de tens�o crescente, continuar a aderir ao discurso antig�nero, porque fortalecer a esse discurso � fortalecer a extrema direita, essa quest�o � um dos eixos da extrema direita. Isso aconteceu um pouco no come�o do pontificado dele.

Pode ser parte de uma estrat�gia pol�tica na C�ria, para que os conservadores n�o joguem contra ele?

Ele tem batido muito de frente, de forma corajosa, preciso reconhecer, com os conservadores. J� sofreu acusa��o de heresia na carta ap�s o S�nodo da Fam�lia, quando falou na necessidade de acolher os casados em segunda uni�o, fala das pessoas LGBT. Foi formalmente questionado duas vezes por cardeais. A guerra que ele enfrenta no conservadorismo cat�lico norte-americano � brutal. Steve Bannon, o amigo de Trump e Bolsonaro, j� declarou que o inimigo n�mero um dele � o papa Francisco. A posi��o do papa naturalmente se polariza com a deles. Esse filme parece ser um grande mapeamento das causas dele contra a extrema direita, como a ecologia, a sustentabilidade, os imigrantes, do colapso do sistema financeiro, da covid-19. Esse movimento ultraconservador usa uma linguagem crist� para falar em nome do ocidente, da civiliza��o crist�, e vem o papa e fala "isso n�o � cristianismo". Os caras ficam possessos, porque desmoraliza. Eles odeiam o papa.

Voc�s est�o satisfeitos ou esperavam mais do papa?

Temos muito trabalho pela frente. A gente vive numa sociedade cis-heteronormativa, bin�ria, LGBTf�bica. A Igreja faz parte dessa sociedade e, �s vezes, parece que concentra for�as que levam esse ordenamento ainda mais a s�rio. Eles fazem muito barulho. Existe muito silenciamento das pessoas que pensam diferente e trabalham por um mundo e por uma Igreja diferente. Esse n�o � o meu cristianismo. Falo em geral, como crist�o progressista, crist�o LGBT, feministas crist�s, e n�o s� no catolicismo. Tem gente que segue Cristo e faz arminha com a m�o e tem gente que segue um Cristo que foi preso pol�tico torturado, perif�rico, que n�o era branco e nem mesmo de olho azul. A gente n�o est� satisfeita. Foi muito importante uma figura de autoridade olhada por tanta gente que nem toma conhecimento de nossa exist�ncia dizer isso e sai na manchete de todos os jornais do mundo todo , n�o num document�rio obscuro que ningu�m ia ficar sabendo. Minha m�e mandou a foto do jornal, dizendo "Voc� j� deve estar sabendo disso, mas que grande vit�ria".

Esperam mudan�a na doutrina?

Obviamente, mudan�as na doutrina s�o importantes, mas a pol�tica global da Igreja � extremamente complexa. Tenho um amigo padre que diz costuma dizer: ‘Ningu�m manda nessa baga�a’. As pessoas acham que o papa pode passar uma canetada e resolver as coisas. N�o � assim que funciona. Tanto que a gente tem visto o n�vel de resist�ncia e de ataques no catolicismo que esse papa sofre. Segmentos ultraconservadores dizem que ele nem papa �, afinal de contas tem outro papa vivo. O Ratzinger corresponde a um certo conjunto de valores, e o Francisco. S�o projetos de Igreja diferentes. A Igreja n�o � s� o papa, o cardeal o bispo, o leigo, a vovozinha que vai � missa, o garoto que participa do grupo de juventude. � uma multid�o de vozes.

Foi dado muita import�ncia a ele ter citado a palavra fam�lia.
Ele n�o fala em constituir fam�lia, mas fala de forma amb�gua. Nem em casamento, porque provocaria outra guerra, ele estaria morto, e as pessoas no Vaticano s�o boas de veneno (risos). Mas ele fala ‘As pessoas t�m uma fam�lia’. Existe essa bandeira nos ativismo LGBT "N�s somos fam�lia, n�s tamb�m temos fam�lia’. Isso n�o � gratuito. Esse papa n�o � ing�nuo, ningu�m que chega onde ele est� � bobo.

Ele � santo, mas n�o � bobo.

Definitivamente n�o. Naquela entrevista em 2013, no avi�o voltando a Jornada Mundial da Juventude no Rio, quando ele fala "Quem sou eu para julgar?". Foi a primeira vez que um papa pronunciou publicamente a palavra gay. Tem uma certa estrat�gia discursiva os documentos da Igreja de n�o reconhecer a forma como a gente se chama. No catolicismo, eles falam em "atos e tend�ncias homossexuais". Foi muito revolucion�rio o papa falar "gay" em 2013. E hoje um amigo comentava que grande novidade ele der dito isso, que temos fam�lia, em 2020.

O que o cat�lico gay comentou sobre a entrevista do papa?

As pessoas ficaram muito surpresas, de forma boa, muito contente. Foi muito positivo porque as pessoas trabalham dentro da igreja, no acolhimento, no testemunho. � um alento, n�?

Traz conforto espiritual gays em conflito pessoal ou familiar?

H� situa��es muito diferentes. Alguns de n�s aprendem a abrir linha direta com Deus e pensar ‘Deixa que com Ele eu me entendo. Se for esperar aprova��o do papa, do cardeal ou do bispo, vou morrer sentado’. Agora, tem pessoas que s�o em algum momento de nossas vidas impactadas por um discurso muito pesado, um discurso mais papista que o papa, mais pesado e condenat�rio do que a doutrina expressa no catecismo. Eu tenho um conhecido que tentou suic�dio depois de ouvir pela milho en�sima vez do padre na par�quia dele que o homossexual estava com o ‘dem�nio no corpo’. A Igreja � mais complexa do que o que est� escrito no catecismo. N�o est� escrito que ato homossexual � pecado. Imagino que para algumas pessoas seja um alento escutar da autoridade m�xima da Igreja, mais uma vez, que ‘tudo bem’, de alguma forma. � a primeira vez que escuto da autoridade m�xima da Igreja que a gente tem fam�lia. Isso � uma grande coisa.

Voc�s tem bom di�logo com a CNBB?

Muitas pessoas na CNBB sabem que a gente existe, mas vivemos um contexto complicado. A gente j� se comunicou tanto em n�vel nacional quanto local, a gente envia carta dizendo que vai fazer encontros. A gente n�o tem expectativa de quem algu�m da CNBB aparecer� para participar. A gente comunica para ningu�m dizer que estamos fazendo escondido. Mas nunca chegou a haver uma busca, a CNBB chamar a gente para conversar oficial ou extraoficialmente. Existem iniciativa locais, como a Diocese de Nova Igua�u, no Rio, que � a �nica que tem uma pastoral da Diversidade. S�o sempre iniciativas cercadas de certa tens�o. N�o sei se � jogo para a CNBB bater papo com a gente, porque surgem press�es de setores conservadores acusando o bispo de estar promovendo ideologia de g�nero. J� aconteceu, e o bispo disse depois que n�o tinha nada com isso.

Mas essas palavras do papa n�o abrem caminho para um di�logo com a CNBB?

Favorece, mas vivemos um contexto local no nosso Pa�s extremamente desfavor�vel, com a extrema direita no poder. As pessoas falam muito nos evang�licos, nos neopentecostais, mas o ultraconservadorismo cat�lico � uma for�a tremenda. Acho que quem elegeu Bolsonaro foram os cat�licos. Aquela virul�ncia na porta do hospital, da menina de 10 anos que fez o aborto, � tudo cat�lico.

Existe um pedido de voc�s para ter uma pastoral da Diversidade?

N�o. Somos atualmente 23 grupos LGBT no Brasil. Estamos trabalhando.


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