
Era batata. A cada lan�amento de um novo ator no papel de James Bond, a imprensa corria para dizer que nunca haveria um 007 como Sean Connery. Cinco atores o sucederam na fun��o de interpretar no cinema o mais charmoso e mordaz dos agentes secretos brit�nicos, mas todos (George Lazenby, Roger Moore, Timothy Dalton e Pierce Brosnan), � exce��o de Daniel Craig, n�o fizeram muito al�m do c�lebre personagem de Ian Fleming.
Sean Connery foi maior do que a criatura. Lamentada em todo o mundo, a morte do ator, aos 90 anos, foi anunciada ontem (31) pela BBC e confirmada pela fam�lia. Ele morreu enquanto dormia, em sua casa nas Bahamas.
Primeiro dos 007, personagem que interpretou em seis filmes de 1962 a 1971 (houve um s�timo, de 1983, produ��o menor que n�o integra a franquia original), o ator teve carreira relevante e prol�fica depois de James Bond.
Connery j� havia sa�do de cena h� tempos. Em 2005, anunciou sua aposentadoria das telas. Seu �ltimo filme, A liga extraordin�ria, fracasso de cr�tica e p�blico, foi lan�ado dois anos antes. Mesmo sem filmar h� tanto tempo, seu nome continuou relevante. Em agosto, o ator foi eleito o melhor int�rprete de James Bond em uma pesquisa da tradicional publica��o brit�nica Radio Times. Mais de 14 mil pessoas votaram e Connery obteve 56% dos votos.

ACASO
Nascido em 25 de agosto de 1930 em Edimburgo, Esc�cia, em uma fam�lia pobre da classe trabalhadora, Thomas Sean Connery chegou ao cinema quase por acaso. Aos 16 anos, abandonou a escola para servir � Marinha. Tinha, na �poca, tr�s paix�es: futebol, boxe e mulheres.
Como todo bom marinheiro, fez tatuagens, duas no antebra�o direito. Uma traz um esquilo e um p�ssaro com a inscri��o “Mam�e e Papai”; a outra, com um cora��o e uma faca cravada, diz: “Esc�cia para sempre”. Fam�lia e Esc�cia, foram, desde ent�o, duas prioridades.
Uma �lcera levou Connery para a vida civil. Para sobreviver, fez de tudo um pouco: foi professor de nata��o, polidor de caix�es, entregador de carv�o, pedreiro, motorista e guarda-costas. Dedicou-se ao fisiculturismo e conseguiu o terceiro lugar no Mister Universo 1950, em Londres.
Tinha 27 anos quando come�ou a carreira de ator, primeiramente na TV brit�nica. A grande chance, em 1962, com o primeiro filme de James Bond, O sat�nico Dr. No, foi conseguida gra�as a alguma insol�ncia.
sem teste
“Eles me aceitam como sou ou me esquecem”, afirmou, ao se negar a fazer teste para o espi�o. Levou 6 mil libras de cach� para viver na tela o personagem que dirigia a toda um Aston Martin, seduzia as mulheres e s� bebia dry martini, “batido, n�o mexido”.
“� imposs�vel ter vivido os anos 1960 e n�o ter lamentado, em certos momentos da vida, n�o ser Sean Connery”, escreveu Christopher Bray em Sean Connery: The measure of a man (A medida de um homem, 2010). “Um �cone secular que n�o participa de filmes, mas os filmes nascem em torno da ideia �nica de sua presen�a”, afirmou.
Em 1983, quando interpretou pela �ltima vez o papel, em 007 – Nunca mais outra vez, o ator afirmou: “Ao contr�rio do que algumas pessoas pensam, sempre gostei de Bond, embora �s vezes o achasse desagrad�vel”.
Naquele momento, Connery j� havia trabalhado com grandes cineastas – Alfred Hitchcock, Sidney Lumet, John Huston –, mas somente a partir dos anos 1980 ele tornou astro internacional, embora a cr�tica lhe conferisse essa reputa��o antes. Dois filmes de 1986 – Highlander: O guerreiro imortal e O nome da rosa – foram, em boa parte, respons�veis por sua popularidade.
O Bafta deu a ele o pr�mio de melhor ator pela adapta��o do romance de Umberto Eco. Connery recebeu seu �nico Oscar por Os intoc�veis (1987). Naquele per�odo, houve desacertos na carreira, claro, como no caso de Mais forte que o �dio (1988) e Neg�cio de fam�lia (1989). Mas foi uma bola dentro Steven Spielberg coloc�-lo como o pai de Indiana Jones no terceiro filme da franquia (Indiana Jones e a �ltima cruzada, 1989). O longa arrecadou quase meio bilh�o de d�lares.
Na d�cada de 1990, estrelou outros sucessos, como A ca�ada ao Outubro Vermelho (1990). Sean Connery era t�o popular que sua participa��o especial (sem cr�ditos) como o rei Richard em Robin Hood: O pr�ncipe dos ladr�es (1991) se tornou um dos destaques do filme, que n�o era l� grande coisa.
C�NCER
Com sal�rio de US$ 5 milh�es por produ��o, o ator fez parte tamb�m dos elencos de Highlander 2: A ressurrei��o (1991), O curandeiro da selva (1992) e Sol nascente (1993). Nesta �poca, foi diagnosticado com c�ncer na garganta. Ao se recuperar, continuou na ativa, principalmente em filmes de a��o, como A rocha (1996), no qual viveu um personagem muito calcado em sua experi�ncia como James Bond.
Quando completou sete d�cadas de vida, o poder da estrela de Connery permaneceu t�o forte que ele era constantemente solicitado e bem remunerado. Em 1999, foi escolhido “o homem mais sexy do s�culo” pela revista People. E os dias de 007 serviram de inspira��o para seu personagem em Armadilha (1999), contracenando com a muito mais jovem Catherine Zeta-Jones. A idade parecia apenas intensificar seu apelo sexual e virilidade.
Em Encontrando Forrester (2000), recebeu boa cota��o dos cr�ticos ao viver algu�m fora de sua zona de conforto. No drama, interpretou o escritor recluso que se torna mentor de um jovem jogador de basquete que tamb�m quer se dedicar � escrita.
Alguns acreditam que a luta do ator pela autonomia da Esc�cia adiou at� 2000 a concess�o de um t�tulo de nobreza pela rainha Elizabeth II. Sir Sean Connery viveu “no ex�lio” entre o Sul da Espanha, os Estados Unidos e as Bahamas – afirmou que s� retornaria � Esc�cia quando o pa�s fosse independente.

GOLFE
Nos �ltimos anos, foram poucas as apari��es p�blicas do ator, que morava principalmente em Nova York com a segunda mulher, a francesa Micheline Roquebrune, que conheceu jogando golfe. Os dois se casaram em 1975.
“Como ela n�o falava ingl�s e eu n�o falava franc�s, havia poucas chances de termos discuss�es est�pidas. Por isso nos casamos t�o rapidamente”, explicou o ator, que tamb�m foi casado com a atriz australiana Diane Cilento, com quem teve seu �nico filho, o ator Jason Connery. (Com ag�ncias)
O eterno 007
» O sat�nico Dr. No (1962)
» Moscou contra 007 (1963)
» 007 contra Goldfinger (1964)
» 007 contra a chantagem at�mica (1965)
» Com 007 s� se vive duas vezes (1967)
» 007 – Os diamantes s�o eternos (1971)
» 007 – Nunca mais outra vez* (1983)
* A refilmagem de 007 contra a chantagem at�mica n�o � considerada uma produ��o da franquia original
MUITO AL�M DE 007
» Assassinato no Expresso do Oriente (1974)
Dire��o: Sidney Lumet. Juntos, Connery e o cineasta norte-americano realizaram cinco filmes. Nessa adapta��o do romance de Agatha Christie recheada de estrelas (Ingrid Bergman, Lauren Bacall, Vanessa Redgrave e Albert Finney), Connery interpretou o coronel Arbuthnot, militar brit�nico que vinha da �ndia para um per�odo de licen�a em casa.
» O homem que queria ser rei (1975)
Dire��o: John Huston. Um duelo de gigantes. Sir Sean Connery e sir Michael Caine interpretam soldados brit�nicos confundidos com deuses em um lugar perdido do Himalaia. Enquanto o personagem de Caine cai na real, o de Connery � tomado pela sede de poder e passa a viver uma grande mentira.
» O nome da rosa (1986)
Dire��o: Jean-Jacques Annaud. Umberto Eco, autor do romance, n�o gostou da adapta��o. Mas n�o h� como negar que o thriller ajudou a popularizar a obra do escritor. Connery � o frade franciscano William de Baskerville, religioso com ares de Sherlock Holmes que decifra uma s�rie de assassinatos em um mosteiro italiano no s�culo 14.
» Os intoc�veis (1987)
Dire��o: Brian De Palma. O filme deu a Connery seu �nico Oscar, de ator coadjuvante (na �nica vez em que foi indicado). Ele faz o papel de Jim Malone, policial veterano que ao lado de Eliot Ness (Kevin Costner) encabe�a o grupo que vai atr�s de Al Capone (Robert De Niro) na Chicago dos anos 1930.
» Indiana Jones e a �ltima cruzada (1989)
Dire��o: Steven Spielberg. Aqui, Connery est� em raro papel leve e bem-humorado, em not�vel sintonia com Harrison Ford. A dupla, com apenas 12 anos de diferen�a, viveu pai (o professor Henry Jones) e filho (o aventureiro Indiana Jones).
» A ca�ada ao Outubro Vermelho (1990)
Dire��o: John McTiernan. As hist�rias do personagem Jack Ryan, agente da CIA criado pelo escritor Tom Clancy, ganharam v�rios longas e s�ries. Mas este �, sem d�vida, o melhor filme. Connery � Marko Ramius, comandante de um submarino nuclear russo que pode ou n�o estar desertando para os EUA. Ele rouba a cena de Alec Baldwin, que vive Ryan.