'Trump � o maior dos governantes incidentais', diz cientista pol�tico

Para derrotar governos populistas de extrema-direita, baseados na cria��o de “cortinas de fuma�a” e fact�ides, � preciso constituir frentes amplas. Foi assim que as mais diferentes alas do Partido Democrata — que re�ne de liberais moderados a progressistas — conseguiram se unir em torno de Joe Biden na disputa contra o republicano Donald Trump. Esta � a opini�o do cientista pol�tico S�rgio Abranches, mineiro de Curvelo, e autor do livro O tempo dos governantes incidentais (Companhia das Letras, 2020). Abranches cr� que, para a oposi��o brasileira vencer Jair Bolsonaro (sem partido) em 2022 � fundamental seguir o espelho dos democratas estadunidenses, constru�ndo uma frente ampla.

Os governantes incidentais costumam ter f�lego curto e, salvo articula��es para fragilizar institui��es democr�ticas e instituir regimes autorit�rios, n�o conseguem se perpetuar no poder. Trump � o maior expoente desse tipo de l�der, cuja gest�o n�o consegue concretizar o que � prometido por meio dos afiados discursos.

“Trump foi eleito em pleito at�pico, de forma inesperada. Veio de fora do sistema pol�tico, ganhou de maneira expressiva e, a�, afronta as regras da democracia todo o tempo. Ele faz um governo de mobiliza��o, que apela aos seguidores, ati�ando-os enquanto n�o governa”, avalia.

Vencer uma elei��o de tra�os incomuns, em que “figur�es” pol�ticos s�o engolidos pelo descr�dito, � caracter�stica prim�ria dos incidentais. Se aproveitando do que a obra de Abranches chama de “desrepresenta��o” dos partidos tradicionais, lideran�as alternativas conseguem captar anseios da popula��o e, assim, v�o rumo ao topo.

A fraqueza governamental de Trump � vista por Abranches na gest�o de Bolsonaro, a quem chama de “c�pia sem originalidade” do chefe do Executivo dos Estados Unidos. “A �nica diferen�a � que n�o temos a oposi��o que os EUA tiveram. N�o temos uma lideran�a com credibilidade, capacidade — e nem a disposi��o — de fazer uma frente ampla para enfrentar o governante incidental. � o que me preocupa”, sustenta.

(Veja, ao fim deste texto, uma breve entrevista com o cientista pol�tico S�rgio Abranches).

Golpe � improv�vel, mas ‘estragos’ s�o poss�veis

Na vis�o de S�rgio Abranches, os Estados Unidos v�o atravessar dias dram�ticos durante a transi��o entre as gest�es. Ele v� como improv�vel eventual movimento de Trump em busca da manuten��o do poder, mas n�o descarta a cria��o de “armadilhas” ao sucessor.

“Trump pode fazer maluquices tomando decis�es, onde ele ainda t�m poder, que atrapalhem muito a vida dos democratas e dos americanos. Ele pode fazer estragos, mas n�o pode mais causar danos indel�veis � democracia”.

Tr�s perguntas para S�rgio Abranches, cientista pol�tico

Donald Trump se encaixa na descri��o que trata dos governos de f�lego curto?

Ele era o maior dos governantes incidentais, no pa�s mais poderoso do mundo, dono da maior economia ocidental. Trump foi eleito em pleito at�pico, de forma inesperada. Veio de fora do sistema pol�tico, ganhou de maneira expressiva e, a�, afronta as regras da democracia todo o tempo. Ele faz um governo de mobiliza��o, que apela aos seguidores, ati�ando-os enquanto n�o governa.. Os piores desempenhos na pandemia foram dos governantes incidentais. Entre eles, Trump e Bolsonaro. Isso significa, necessariamente, pior desempenho na economia. Trump produziu, como governante incidental, uma enorme crise. J� era para ser um governo de f�lego curto em condi��es normais, sem pandemia e recess�o.

� poss�vel dizer se Bolsonaro integrar� a lista de governantes de f�lego curto? A derrota de Trump pode influenciar esse cen�rio?

Ele � uma esp�cie de c�pia sem originalidade do Trump, cuja derrota ter� consequ�ncias imediatas. A pol�tica externa brasileira foi destro�ada por Ernesto Ara�jo (ministro das Rela��es Internacionais), que optou pelo isolamento internacional. O Brasil � p�ria no cen�rio internacional, por obra e gra�a de Bolsonaro e Ara�jo. O pa�s podia viver como p�ria pela boa rela��o pol�tica, que nunca foi sim�trica, com Trump. A submiss�o deixava o Brasil em posi��o de “for�a-sat�lite”. Sem o Trump, isso ficar� insustent�vel, se transformando em bloqueios econ�micos e redu��o de investimentos. O governo Bolsonaro � muito fraco, incompetente. Entrou em uma elei��o at�pica, n�o tem capacidade de governo, em crise econ�mica brutal, al�m da crise pand�mica em que n�o conseguiu, sequer, debelar a primeira onda. A �nica diferen�a � que n�o temos a oposi��o que os EUA tiveram. N�o temos uma lideran�a com credibilidade, capacidade — e nem a disposi��o — de fazer uma frente ampla para enfrentar o governante incidental. � o que me preocupa.

H� a possibilidade de Trump tentar uma ruptura durante a transi��o?

Ele perdeu as chances. S�o 75 dias em que parte do poder j� se transferiu ao Biden. O poder que Trump tem de mexer nas coisas ficou muito baixo. Os EUA s�o uma democracia olig�rquica — basta ver o sistema de elei��o —, mas t�m um sistema de freios e contrapesos muito antigo e dif�cil de abalar. Trump � o presidente de sa�da e, por isso, tem muito menos poderes que o presidente eleito. Biden ser� procurado pelos militares assim que o resultado oficial sair. Os EUA est�o blindados. Trump pode fazer maluquices tomando decis�es, onde ele ainda t�m poder, que atrapalhem muito a vida dos democratas e dos americanos. Ele pode fazer estragos, mas n�o pode mais causar danos indel�veis � democracia.