
Uma elei��o em que o presidente busca um segundo mandato � sempre um referendo sobre seu governo, e neste ano os democratas esperavam que o pleito de 3 de novembro deixasse claro o rep�dio dos americanos ao desempenho do republicano Donald Trump.
Mas apesar de o candidato democrata, Joe Biden, ter vencido a elei��o, o resultado est� longe de ser o esperado por seus apoiadores. Ao assumir o poder, em janeiro de 2021, Biden ir� governar um pa�s dividido, onde o trumpismo permanece forte.
Em um ano de comparecimento recorde, Biden foi o presidente que mais recebeu votos na hist�ria do pa�s, ultrapassando a marca anterior, de 69,5 milh�es de votos recebidos pelo democrata Barack Obama em 2008.
Mas mesmo assim sua vit�ria foi apertada, j� que, nos Estados Unidos, o presidente � eleito de forma indireta, pelo Col�gio Eleitoral, e receber a maioria do voto popular n�o � garantia de sucesso. A disputa pelos 270 votos do Col�gio Eleitoral necess�rios para ganhar a Presid�ncia foi acirrada e com incerteza at� o �ltimo momento.
Apesar de ter sido derrotado, Trump teve desempenho melhor do que o esperado e, segundo n�meros parciais, recebeu neste ano mais de 7 milh�es de votos a mais do que havia recebido em 2016, quando tamb�m perdeu o voto popular, mas conquistou os votos necess�rios no Col�gio Eleitoral para chegar � Casa Branca.
Contrariando as expectativas dos democratas, o Partido Republicano ampliou a presen�a na C�mara dos Representantes (equivalente � C�mara dos Deputados), recuperando algumas das cadeiras perdidas na elei��o legislativa de 2018.
A expectativa de que o Partido Democrata conseguiria a maioria no Senado tamb�m foi colocada em xeque. Com poucas cadeiras ainda sem resultado confirmado, a �nica esperan�a do partido � vencer em janeiro duas disputas de segundo turno na Ge�rgia, Estado tradicionalmente republicano, apesar de Joe Biden aparecer � frente na apura��o da elei��o presidencial.
A base eleitoral fiel e o apoio de quase metade do pa�s devem fazer com que, mesmo fora da Casa Branca, Trump continue sendo um l�der influente no Partido Republicano.
"O resultado desta elei��o demonstra que o trumpismo continua firme e forte", diz � BBC News Brasil o cientista pol�tico Justin Gest, professor da Universidade George Mason, na Virg�nia.
"Mesmo perdendo, ser� uma forte influ�ncia sobre os americanos e o futuro do Partido Republicano daqui para a frente", afirma Gest, que � autor do livro The New Minority: White Working Class Politics in an Age of Immigration and Inequality ("A Nova Minoria: Pol�tica da Classe Trabalhadora Branca em uma Era de Imigra��o e Desigualdade", em tradu��o livre).
Acidente de percurso
Durante meses, Biden e os democratas repetiram que Trump, suas a��es e declara��es n�o representavam os americanos. "N�o � isso que somos", disse o democrata mais de uma vez.

Muitos opositores de Trump acreditavam que sua vit�ria em 2016, quando chocou o mundo ao derrotar a advers�ria democrata, Hillary Clinton, era um acidente de percurso.
Trump ingressou na campanha de 2015 com um discurso agressivo contra imigrantes e a promessa de colocar os Estados Unidos "em primeiro lugar". Durante seus quatro anos na Casa Branca, quebrou protocolos, ridicularizou e atacou oponentes e at� aliados e chegou a sofrer um impeachment, sendo absolvido em julgamento no Senado controlado por seu partido.
Seus cr�ticos o acusam de incompet�ncia e de ter incitado e aprofundado a polariza��o j� existente no pa�s e abalado a confian�a nas institui��es nacionais. Nos �ltimos meses, ele foi duramente criticado por sua resposta � pandemia de coronav�rus, que j� deixou mais de 240 mil mortos nos Estados Unidos e milh�es sem emprego.
Para grande parte dos opositores de Trump, os eleitores que haviam votado nele em 2016 estavam apostando em uma mudan�a, sem saber o que aconteceria. Mas agora, depois de quatro anos em que as medidas de seu governo e sua postura como presidente ficaram claras, esses opositores esperavam que Trump e o partido liderado por ele fossem amplamente rejeitados nas urnas.
Essa expectativa foi alimentada por pesquisas de inten��o de voto, que indicavam clara vantagem para Biden. Muitos esperavam que o democrata fosse vencer de lavada, conquistando Estados como a Fl�rida, sempre disputada, e at� mesmo o Texas, tradicionalmente republicano. Os democratas tamb�m esperavam retomar o controle do Senado e ampliar sua maioria na C�mara.
No entanto, assim como ocorreu 2016, as pesquisas subestimaram o apoio a Trump. Biden realmente venceu o pleito, como previsto, mas sua vantagem em v�rios Estados foi bem menor do que a esperada.
Negros e latinos
Trump manteve a for�a entre eleitores brancos sem ensino superior e evang�licos. Os resultados mostram ainda que permanece a grande divis�o entre moradores das zonas rurais (que apoiam Trump) e urbanas (favor�veis aos democratas).
A maioria dos eleitores negros e latinos vota historicamente no Partido Democrata, e essa tend�ncia tamb�m se manteve neste ano. Segundo a boca de urna Edison Research, Biden recebeu o apoio de 80% dos homens negros, 91% das mulheres negras, 61% dos homens latinos, e 70% das mulheres latinas.

Mas a pesquisa indica que, em alguns Estados, Trump teve desempenho melhor neste grupo do que o registrado h� quatro anos. De acordo com a boca de urna, Trump recebeu os votos de 18% dos homens negros, acima dos 13% de 2016. Entre mulheres negras, a fatia passou de 4% para 8%. Ele recebeu os votos de 36% dos homens latinos e 28% das mulheres latinas, aumento de tr�s pontos percentuais em compara��o � elei��o anterior.
Apesar das expectativas iniciais de muitos democratas, Trump venceu na Fl�rida e no Texas, assim como em 2016. Nesses dois Estados, o desempenho de Biden entre os latinos ficou abaixo do esperado e tamb�m do registrado por Hillary Clinton h� quatro anos. Em 2016, Trump recebeu os votos de 35% dos latinos na Fl�rida. Neste ano, segundo a boca de urna, foi apoiado por 47%.
Mesmo pequenos, esses avan�os surpreenderam aqueles que acreditavam que esse eleitorado se afastaria ainda mais de Trump, que chamou imigrantes mexicanos de estupradores, endureceu leis de imigra��o e respondeu com for�a e promessas de lei e ordem os protestos contra injusti�a racial que se espalharam pelo pa�s neste ano.
Mas o eleitorado latino nos Estados Unidos tem grande diversidade de origem e posi��es pol�ticas. Muitos s�o conservadores em quest�es econ�micas e sociais, como a popula��o de origem cubana ou venezuelana na Fl�rida. Parte dos homens latinos que votaram em Trump tamb�m parecem ter sido atra�dos pela imagem de masculinidade forte e tradicional projetada pelo republicano.
No entanto, analistas recomendam cautela ao encarar esses dados, ressaltando que nacionalmente o apoio das minorias ao Partido Democrata permanece praticamente intacto.
O cientista pol�tico Vincent Hutchings, professor da Universidade de Michigan, salienta que, apesar de Trump ter ido um pouco melhor entre o eleitorado latino em alguns Estados, nacionalmente n�o h� diferen�a relevante em rela��o � elei��o anterior.
"(O desempenho de Trump com o eleitorado negro) � o mesmo que qualquer candidato republicano receberia", diz Hutchings � BBC News Brasil.
"Trump tem um estilo bomb�stico, mas as pol�ticas que ele defende s�o consistentes com as de um republicano gen�rico", afirma.
Apoiadores
Biden concorreu prometendo acabar com o caos e unificar uma na��o dividida. Mas esta elei��o mostrou que os Estados Unidos permanecem t�o (ou mais) polarizados do que h� quatro anos, e que quase metade do pa�s continua fiel a Trump.
Seus eleitores comemoram o bom desempenho econ�mico registrado pelo pa�s antes da pandemia, cortes de impostos do primeiro ano de governo e o fato de Trump ter nomeado para os tribunais do pa�s ju�zes conservadores, que se op�em ao aborto. Tamb�m n�o acham que Trump tem culpa pelos estragos do coronav�rus.

Cr�ticos dizem que Trump aprofundou o ressentimento de seus apoiadores e refor�ou a mensagem de "n�s contra eles". Em um momento de extrema polariza��o, ambos os lados consideram os advers�rios um perigo mortal para os valores do pa�s.
Seu estilo de fazer pol�tica passou a ser copiado por muitos candidatos republicanos a cargos estaduais e locais. Se quatro anos atr�s Trump era rejeitado por grande parte dos pol�ticos tradicionais de seu partido, hoje ele tem o dom�nio completo. Poucos ousam discordar dele em p�blico, com medo de virarem alvo de seu ex�rcito de quase 90 milh�es de seguidores no Twitter.
Apesar de ser bilion�rio, Trump cultivou entre seus eleitores uma imagem de opositor das elites, que diz o que pensa e n�o se desculpa.
"Ele deu poder e voz a um grupo que se sentia alienado e exclu�do, seja isso verdade ou n�o", diz � BBC News Brasil o cientista pol�tico Hans Noel, professor da Universidade de Georgetown, em Washington.
"Esses eleitores brancos de classe trabalhadora estavam ouvindo que seu sofrimento e seus problemas n�o eram culpa deles, e que Trump iria ajud�-los", afirma Noel.
Continua��o
Gest observa que, entre os apoiadores de Trump, h� desde pessoas com tend�ncias nacionalistas e autorit�rias at� eleitores religiosos e ainda republicanos tradicionais que sempre votaram no partido. No entanto, tamb�m h� eleitores que costumavam votar nos democratas, mas se sentiram abandonados pelo partido.
"Muitos decidiram apostar em Trump (em 2016) porque estavam sofrendo, estavam vendo o decl�nio econ�mico, tinham a sensa��o de decl�nio social, sentiam que, culturalmente, eram desprezados em sua sociedade, sentiam que haviam perdido poder pol�tico", afirma.

Segundo Gest, eram esses os eleitores que muitos pensavam que poderia retornar ao partido democrata neste ano.
"Mas os democratas n�o fizeram muito para conquist�-los de volta. A �nica coisa que fizeram, de uma maneira simb�lica, foi escolher Biden, o melhor candidato para apelar a esse tipo de eleitor", afirma Gest.
"Mas o problema � que o Partido Democrata em si n�o reflete mais essa fatia demogr�fica como ocorria at� o s�culo passado."
Apesar de alguns cr�ticos e opositores considerarem que a Presid�ncia de Trump foi um desvio na hist�ria do pa�s, outros dizem que ele � apenas a continua��o de um movimento que sempre existiu. Hutchings, da Universidade de Michigan, diz que evita chamar de trumpismo o fen�meno atual.
"Porque isso poderia sugerir que come�ou com Trump, mas n�o � o caso. Trump n�o � a fonte desse ponto de vista na pol�tica americana, ele � apenas seu s�mbolo mais recente", afirma.
"Basicamente � uma linha de conservadorismo, se � que � poss�vel chamar assim, na pol�tica americana que est� aqui talvez desde o in�cio. Se havia qualquer expectativa de que isso iria desaparecer ou diminuir, (essa expectativa) estava errada."
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