
Abigail Disney � documentarista e ativista, al�m de uma das herdeiras do imp�rio Disney. Mas nunca se sentiu confort�vel com a fortuna que herdou, tampouco com o ilustre sobrenome.
"Eu tinha muita vergonha do nome Disney. Ficava aterrorizada que algu�m descobrisse que eu era parente (de Walt Disney). Muitas vezes, n�o usava meu sobrenome e, �s vezes, dava um sobrenome alternativo", revela.
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Em entrevista � jornalista Emily Webb no programa de r�dio Outlook, da BBC, ela conta por que sempre se sentiu t�o desconfort�vel com uma vida que, para muitos, poderia ser digna de conto de fadas.
Aos 60 anos, Abigail Disney � uma mulher multimilion�ria — mas isso n�o a impede de pegar o metr� para conceder esta entrevista em Nova York.
E isso diz muito sobre ela.
A cineasta n�o revela quanto vale exatamente sua fortuna hoje, mas com base na renda do imp�rio Disney, estima-se que o montante chegue a US$ 500 milh�es.

Ela � neta de Roy Oliver Disney, cofundador da The Walt Disney Company junto com o irm�o Walt Disney.
Criada em Los Angeles, na Calif�rnia, na d�cada de 1960, Abigail demorou a ter no��o do alcance de seu sobrenome.
"Depois que passei dos 10 anos, ficou claro que nem todo mundo vivia em um lago. Mas ainda n�o tinha a sensa��o de que �ramos especiais ou grande coisa, exceto quando �amos � Disneyl�ndia. E acho que isso me incomodava porque a gente tinha que ficar bem comportado, coisas do tipo", recorda.
Naquela �poca, ela conta que a principal preocupa��o dos pais era passar valores s�lidos para ela e os tr�s irm�os.
"Meus pais eram conservadores no aspecto pol�tico, � claro, mas tamb�m, sobretudo, na vida pessoal. Eles acreditavam que voc� devia respeitar os mais velhos, dizer a verdade, ser leal �s pessoas que est�o perto de voc�, que a fam�lia vem em primeiro lugar", enumera.
Neste contexto, a riqueza e o status da fam�lia ficavam em segundo plano:
"A lista da Forbes (ranking anual das pessoas mais ricas do mundo) era realmente uma piada para a gente. Comparar minha conta banc�ria com a sua n�o era algo que faz�amos na minha fam�lia. E meus pais n�o estimulavam, quando eu era crian�a, qualquer senso de valor por se ter dinheiro ou status."
"Na verdade, eles evitavam a cena de Hollywood e queriam nos manter fora dela", acrescenta.
Sobrinha-neta de Walt Disney, ela afirma que teve pouco contato com o tio av�, que faleceu em dezembro de 1966.
"Walt morreu quando eu tinha uns 5 ou 6 anos, n�o lembro. Mas me lembro que quando ele morreu, houve tristeza n�o apenas na minha fam�lia, como tamb�m no est�dio."
Ela se recorda, no entanto, com muito carinho do av�:
"Meu av� era um homem bastante acolhedor, muito doce e de bom cora��o."

"A fam�lia era tudo para ele. Definitivamente, t�nhamos um la�o familiar forte", completa.
O peso da heran�a
Ao completar 21 anos, Abigail foi informada que havia herdado US$ 10 milh�es.
"Cada um de n�s (dos irm�os) era levado para almo�ar pelo nosso advogado no dia em que completava 21 anos e informado sobre quanto havia herdado. Era uma esp�cie de cerim�nia", revela.
Ela conta que ficou bastante perturbada com a quantia:
"Eu fiquei t�o aborrecida, t�o aborrecida. Eu diria at� traumatizada com o n�mero. Isso aconteceu em 1981, quando eu tinha 21 anos, ent�o US$ 10 milh�es era mais dinheiro do que agora", lembra.
"E me parecia que nenhum ser humano decente deveria ter muito mais dinheiro do que qualquer outro. Eu simplesmente n�o conseguia ficar confort�vel com isso."
A partir daquele momento, Abigail passou a se sentar com conselheiros, advogados e assessores de investimentos para administrar a heran�a.
"� como ter um cachorro muito, muito, muito peludo que precisa de escovado todos os dias. � bom ter, obviamente, por raz�es muito importantes, mas quando voc� tem 21 anos, � muito estranho ter essa responsabilidade simplesmente caindo no seu colo."
Vergonha do sobrenome
Como estudante na Universidade de Yale, no Estado americano de Connecticut, ela afirma que come�ou a se sentir numa posi��o desconfort�vel � medida que se tornou "objeto de curiosidade" — e era importunada por colegas que questionavam se ela era de esquerda.
"Havia a sensa��o de que eu estava de alguma forma implicada na pol�tica bem conhecida que minha fam�lia havia praticado durante os pol�micos anos 1960. Walt (Disney) entregou nomes para Joseph McCarthy, e coisas do tipo."
Abigail se refere ao per�odo da hist�ria americana que ficou conhecido como Era McCarthy (ou macartismo), caracterizado pela repress�o e persegui��o pol�tica a pessoas suspeitas de atividades comunistas — personificada na figura do senador republicano Joseph McCarthy.
"Eles (parentes) eram grandes conservadores anticomunistas".

O pano de fundo era a Guerra Fria, que colocou de lados opostos os Estados Unidos (capitalista) e a Uni�o Sovi�tica (socialista) na disputa pela hegemonia mundial.
Enquanto McCarthy ca�ava comunistas entre os artistas de Hollywood, Walt Disney teria colaborado com a Comiss�o de Assuntos Antiamericanos entregando alguns nomes.
Tudo isso fez Abigail ter vergonha do sobrenome.
"Tinha muita vergonha do nome Disney. Se algu�m me perguntava se eu era parente, eu dizia apenas que n�o. Porque se eu dissesse que sim, abria a porta para uma conversa que eu n�o sabia como administrar."
"�s vezes, era uma conversa em tom de admira��o sobre como minha fam�lia era maravilhosa, e nesse caso eu sentia vergonha por n�o ter nada em comum com aquelas pessoas. Ou era uma conversa sobre quanto dinheiro eu tinha. Ou sobre o que minha fam�lia tinha feito politicamente. N�o tinha como escapar", explica.
Rela��o familiar abalada
Quando ela terminou a universidade, seu pai, Roy Edward Disney, come�ou a al�ar voos mais altos na carreira — e acabou liderando o processo que culminou no chamado Renascimento da Disney, marcado por filmes de anima��o de grande sucesso, como A pequena sereia, A Bela e a Fera e O Rei Le�o.
O resultado foi uma grande inje��o de caixa para os Est�dios Disney — e, � claro, para a fam�lia Disney.
Foi quando Abigail percebeu que a rela��o dos pais com o dinheiro havia mudado:
"Eles investiam muito tempo na vida profissional em busca de dinheiro. Em busca de mais dinheiro."
"Tivemos uma grande reuni�o de fam�lia quando eu tinha uns 30 anos nos seguintes termos: 'aqui est� o patrim�nio l�quido do seu pai e queremos que chegue a US$ 1 bilh�o'", relembra.
"Minha rea��o instant�nea foi: 'N�o, n�o'. Valer US$ 1 bilh�o parecia profundamente errado para mim."
Tudo isso foi abalando sua rela��o com a fam�lia.
"N�o sei como fui parar naquela fam�lia, estava convencida de que tinha havido uma confus�o terr�vel quando entregaram os beb�s na maternidade. Nunca me senti confort�vel", desabafa.
Ela se recorda do momento em que se deu conta de que n�o "pertencia" �quele ambiente.
"Para mim, a ficha caiu dentro de um jatinho particular, que oferece a voc� a oportunidade de n�o se misturar com outros seres humanos", diz ela.

Na ocasi�o, ela estava a caminho de uma reuni�o de neg�cios da fam�lia.
"O avi�o decolou, e eu subi na cama de casal, que tinha um cinto de seguran�a gigante. Era para eu dormir o tempo todo, mas simplesmente n�o consegui porque ficava pensando: 'Isso est� errado, isso est� errado, isso est� errado.. isso � um exagero'."
A partir daquele momento, ela diz que parou de usar o jatinho da fam�lia. E conta que, em v�rios momentos, chegou a pensar em doar toda sua fortuna.
"Foram milhares de momentos assim", afirma.
At� hoje, ela estima j� ter doado mais de US$ 70 milh�es do seu patrim�nio.
"Basicamente, consegui manter o valor base, o mesmo valor por muito tempo, enquanto fazia contribui��es bastante significativas para o bem-estar de outras pessoas."
No fim da vida dos pais, um epis�dio marcante evidenciou o que ela considera ser o impacto destrutivo do dinheiro na sua fam�lia:
"Meu pai e minha m�e eram as pessoas mais pr�ximas e unidas que voc� pode imaginar. Eles cresceram juntos, e ele a pediu em casamento quando ela tinha 19 anos. Aos 20 anos, ela era a senhora Roy Disney."
"Quando ela estava com 70 anos, e come�ou a ter sintomas de Alzheimer, eles estavam casados %u200B%u200Bhavia 50 anos, e ele a deixou por uma mulher da minha idade", revela.
"Foi devastador para minha m�e acima de tudo, que passou um ano e meio perguntando: 'Para onde seu pai foi?', porque ela esquecia e voc� precisava repetir. E isso foi incrivelmente doloroso. Mas foi devastador para mim estar l� com raiva do meu pai."
Abigail atribui o colapso da fam�lia � rela��o que desenvolveram com o dinheiro:
"Esse foi, honestamente, o sinal definitivo do tipo de podrid�o que o dinheiro cria no cora��o. Havia realmente tomado conta", avalia.
Era o fim do pseudo conto de fadas da fam�lia Disney:
"Quando meu pai deixou minha m�e, houve essa exposi��o p�blica de um tra�o cruel da sua personalidade, e senti um al�vio que voc� nem imagina, de que pelo menos agora a nossa imagem p�blica correspondia ao que eu sabia que era de fato no privado."
Hoje, Abigail tenta passar adiante seus pr�prios valores na cria��o dos filhos.
"Eu e meu marido decidimos priorizar certas qualidades que n�o t�m nada a ver com dinheiro. Uma delas � generosidade. Todo mundo que � generoso que eu conhe�o tamb�m � uma pessoa feliz. Tamb�m ensino e falo muito sobre justi�a", explica.
"Me certifico de que eles entendam que o dinheiro e o sobrenome n�o querem dizer nada sobre quem eles s�o."
E como ser� que ela se sente em rela��o � fortuna atualmente?
"Me sinto muito mais confort�vel do que antes", responde.

"Na verdade, eu sempre me imagino como o Mickey Mouse em Fantasia, quando ele rouba a vassoura do feiticeiro, e ela fica fora de controle. � exatamente isso. Voc� pode usar (o dinheiro) muito mal se for arrogante, impulsivo ou n�o pensar com clareza; se n�o for realmente maduro, atencioso e emp�tico em rela��o ao efeito que tem nas pessoas ao seu redor, voc� pode fazer coisas horr�veis com ele."
"Ou pode ser uma bela ferramenta", finaliza.
Ou�a aqui (em ingl�s) a �ntegra do programa de r�dio Outlook
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