
Poucas semanas antes de o presidente Donald Trump deixar o poder, o governo federal americano vem acelerando a execu��o de presos condenados � morte, em um esfor�o considerado in�dito.
At� agora, j� foram nove execu��es federais, todas neste ano. A d�cima est� marcada para esta sexta-feira (11/12), quando Alfred Bourgeois, de 56 anos, dever� receber a inje��o letal na penitenci�ria federal de Terre Haute, no Estado de Indiana.
Na noite de quinta (10/12), o governo federal executou Brandon Bernard no mesmo local. Outras tr�s execu��es est�o previstas at� 20 de janeiro, data da posse do presidente eleito Joe Biden, que prometeu acabar com a pena de morte federal.Nos Estados Unidos, execu��es federais s�o reservadas a determinados tipos de crime, que s�o julgados em tribunais federais. Elas costumam ser mais raras do que as execu��es estaduais, que s�o aplicadas em crimes julgados por tribunais locais nos 28 Estados que permitem a pena de morte.
As execu��es federais deste ano, iniciadas em julho, s�o as primeiras desde 2003 e representam o maior n�mero em um �nico ano em mais de um s�culo, desde 1896.
Antes de Trump, somente tr�s condenados haviam sido executados na chamada “era moderna” da pena de morte federal, iniciada em 1988, quando a pr�tica foi restabelecida depois de ter sido proibida em 1972.
“N�o h� precedentes na hist�ria moderna”, diz � BBC News Brasil a diretora s�nior de pesquisas e projetos especiais do Death Penalty Information Center (Centro de Informa��es sobre a Pena de Morte), Ngozi Ndulue.
Pandemia e transi��o
Segundo Ndulue, al�m do n�mero alto, tamb�m � incomum o fato de as execu��es estarem ocorrendo durante uma pandemia de propor��es n�o vistas h� cem anos e durante a transi��o de poder, ap�s a derrota de Trump na elei��o de 3 de novembro.
Tradicionalmente, execu��es costumam ser suspensas no per�odo de transi��o presidencial.
Em 19 de novembro, a execu��o de Orlando Cordia Hall, condenado pelo sequestro, estupro e assassinato de uma jovem de 16 anos em 1994, foi a primeira em mais de um s�culo a ser levada adiante por um presidente no per�odo apelidado de “pato manco” (quando um novo governo j� foi eleito mas ainda n�o tomou posse).

Os EUA t�m atualmente 54 pessoas no corredor da morte federal, uma parcela pequena do total de cerca de 2,7 mil sentenciados � morte abrigados em penitenci�rias federais e estaduais.
A pandemia de coronav�rus levou muitos governos estaduais a interromperem suas execu��es para evitar o risco de cont�gio entre prisioneiros, advogados, testemunhas e funcion�rios, em um momento em que h� surtos de covid-19 em pris�es ao redor do pa�s.
Com isso, somente sete execu��es estaduais foram levadas adiante neste ano. No ano passado, foram 22.
Mas a pandemia n�o desencorajou o governo federal. O ritmo n�o foi interrompido nem mesmo ap�s a revela��o de que pelo menos oito dos 40 funcion�rios envolvidos na execu��o de Hall, em novembro, posteriormente testaram positivo para covid-19.
Lei e ordem
A retomada das execu��es federais depois de um intervalo de 17 anos ocorre em um momento em que pesquisas de opini�o indicam queda gradual no apoio � pena capital entre a popula��o. Segundo pesquisa Gallup divulgada no ano passado, 60% dos americanos preferem pris�o perp�tua como forma de puni��o para assassinatos.
“Nesse contexto, o governo federal foi em dire��o oposta”, afirma Ndulue.
Para alguns cr�ticos, a decis�o de Trump de retomar as execu��es federais teve motiva��o pol�tica, em um ano em que o presidente concorreu � reelei��o com uma plataforma de lei e ordem.
A primeira execu��o foi a de Daniel Lewis Lee, de 47 anos, supremacista branco condenado em 1996 pela participa��o no assassinato de tr�s pessoas de uma mesma fam�lia, entre elas uma menina de oito anos. Ele foi executado em 14 de julho, apesar de pedidos de clem�ncia por parte de familiares das v�timas.

Em entrevistas � imprensa americana, o secret�rio de Justi�a, William Barr, rejeitou a ideia de que a retomada das execu��es teve motiva��o pol�tica e defendeu sua manuten��o mesmo ap�s a elei��o.
Segundo Barr, trata-se de cumprir a lei e levar adiante penas que j� foram impostas. O secret�rio lembrou que governos anteriores, inclusive o do democrata Barack Obama, continuaram a buscar a pena de morte em alguns crimes, mas simplesmente n�o levaram adiante a execu��o dos sentenciados.
Mas a decis�o � pol�mica, especialmente porque Biden, que no passado apoiou a pena de morte, j� disse que pretende acabar com as execu��es federais e encorajar os Estados a abolir a pr�tica.
Cr�ticas e apelos
Apesar de suas posi��es contr�rias � pena de morte, nem Biden nem sua vice, Kamala Harris, se manifestaram oficialmente sobre as execu��es recentes. Mas outras vozes t�m apelado ao governo Trump para interromper as execu��es.
Neste m�s, um grupo de cem promotores, procuradores e ex-funcion�rios do Departamento de Justi�a declarou oposi��o � aplica��o da pena de morte federal e pediu clem�ncia para os condenados com execu��o marcada para as pr�ximas semanas.
“A pena de morte � aplicada de maneira desigual e arbitr�ria, � ineficaz em promover a seguran�a p�blica e � um desperd�cio dos recursos dos contribuintes. E seu uso apresenta o risco perigoso de executar uma pessoa inocente”, dizem os autores da declara��o.
Os autores tamb�m destacam as disparidades raciais na aplica��o da pena de morte (tanto federal quanto estadual) nos EUA. Segundo relat�rio do DPIC, desde 1976 foram executados no pa�s 296 negros acusados de terem matado v�timas brancas. No mesmo per�odo, somente 21 brancos foram executados pela morte de v�timas negras.
“Essas preocupa��es s�o especialmente urgentes em meio a uma pandemia global e a pedidos por justi�a racial”, afirmam, em refer�ncia aos protestos realizados neste ano em todo o pa�s chamando a aten��o para o racismo e a brutalidade policial contra americanos negros.
O caso Brandon Bernard
Os apelos se multiplicaram �s v�speras da execu��o de Brandon Bernard, na quinta-feira. Ele foi condenado pela participa��o no sequestro e morte do casal Todd e Stacie Bagley, em 1999, no Texas. Bernard tinha 18 anos na �poca do crime e foi sentenciado � morte em 2000, um dos mais jovens a receber a pena de morte federal no pa�s.
Outros quatro jovens participaram do crime. Tr�s deles eram menores de idade e, portanto, n�o podiam ser condenados � morte. Segundo a acusa��o, o l�der do grupo era Christopher Andre Vialva, que tinha 19 na �poca e foi executado em setembro deste ano.
Vialva atirou contra o casal, que estava preso dentro do porta-malas do carro, e disse a Bernard para colocar fogo no carro. No julgamento, a acusa��o afirmou que, enquanto Todd morreu com o disparo, Stacie ainda estava viva, e morreu devido � inala��o de fuma�a. Mas um legista independente contratado pela defesa disse que ela j� estava “medicamente morta” antes do inc�ndio.
Os defensores de Bernard pediam que sua pena fosse comutada para pris�o perp�tua, ressaltando que ele n�o estava presente no momento em que o casal foi sequestrado, n�o foi o autor dos disparos, manifestou remorso e teve comportamento exemplar nas duas d�cadas que passou na pris�o.
Em processos at� a �ltima hora, advogados alegaram que evid�ncias que poderiam ter influenciado o j�ri a optar pela pris�o perp�tua em vez da pena de morte n�o foram apresentadas no julgamento.
Cinco dos nove jurados ainda vivos disseram ter mudado de opini�o e apoiaram a campanha, afirmando que Bernard n�o deveria ser executado. A promotora Angela Moore, que defendeu a pena capital no caso, tamb�m mudou publicamente de posi��o e pediu que ele fosse poupado da pena de morte.
A campanha mobilizou senadores e celebridades, como Kim Kardashian West, e resultou em milhares de cartas enviadas ao presidente Trump pedindo clem�ncia. Mas os pedidos e processos judiciais n�o foram o suficiente para reverter a pena, e Bernard foi executado na noite de quinta, aos 40 anos de idade.
Segundo jornalistas presentes, suas �ltimas palavras foram dirigidas � fam�lia das v�timas: “Eu sinto muito. Essas s�o as �nicas palavras que posso dizer que captam completamente como me sinto hoje e como me senti naquele dia”.
Em declara��o, a m�e de Todd, Georgia, demonstrou al�vio com a execu��o e disse que “foi muito dif�cil esperar 21 anos at� que a senten�a imposta pelo juiz e pelo j�ri �queles que participaram cruelmente da destrui��o de nossos filhos fosse finalmente completada”.
Pr�ximas execu��es
Nesta sexta, o governo federal dever� executar Alfred Bourgeois, de 56 anos, condenado pela morte de sua filha de dois anos e meio em 2002.
A execu��o estava inicialmente marcada para janeiro, mas foi adiada por tr�s vezes, diante de pedidos da defesa, que alega que Bourgeois sofre de defici�ncia intelectual.
Lisa Montgomery deve ser executada em 12 de janeiro, depois que a data inicial, 8 de dezembro, foi adiada ap�s seus advogados contra�rem covid-19.
Ela foi condenada por estrangular Bobbie Jo Stinnett, que tinha 23 anos e estava gr�vida de oito meses. Montgomery cortou a barriga de Stinnett e sequestrou o beb� prematuro.
O crime ocorreu em 2004. Montgomery ser� a primeira mulher executada pelo governo federal em 67 anos. Seus advogados dizem que ela sofreu estupro e abusos na inf�ncia que resultaram em graves dist�rbios mentais.
Corey Johnson dever� ser executado em 14 de janeiro, e Dustin Higgs, em 15 de janeiro, cinco dias antes da posse de Biden.
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