A onda que deu a Biden a Ge�rgia e o Capit�lio

Um carro de som com um DJ tocando sucessos de hip hop e reggaeton (ritmo latino). Um quiosque oferecendo ponche (bebida quente � base de frutas e canela) e tamales mexicanos (esp�cie de pamonha) gr�tis aos eleitores nos locais de vota��o na ter�a-feira, na Ge�rgia. As iniciativas do grupo Perreo 404, uma organiza��o jovem latina, foram algumas das centenas que ajudaram a impulsionar o hist�rico resultado do Partido Democrata no Estado - em que Donald Trump j� havia sido derrotado na elei��o presidencial -, ao garantir a tomada de dois assentos no Senado dos EUA que pertenciam aos republicanos. Paradoxalmente, o resultado dessa vit�ria no reduto republicano foi conhecida na quarta-feira, justamente enquanto uma horda insuflada por Trump invadia o Parlamento.

V�rias t�ticas foram usadas para motivar o eleitorado latino e negro a comparecer �s urnas no segundo turno das elei��es do Estado, que acabaram garantindo a vit�ria dos dois representantes democratas: o reverendo Raphael Warnock, primeiro negro da Ge�rgia no Senado, e Jon Ossoff, que derrotaram os republicanos Kelly Loeffler e David Perdue. Com eles, os democratas passam a ter 50 cadeiras (contando 2 independentes) e os republicanos controlar�o tamb�m 50 assentos. O voto decisivo em caso de empate cabe � vice, Kamala Harris.

O resultado foi hist�rico, por ter firmado a lideran�a do Partido Democrata em um dos Estados mais conservadores do pa�s, com hist�rico alinhamento aos republicanos. Desde 1992 os democratas n�o ganhavam a elei��o presidencial ali. Foi a primeira vez que dois candidatos democratas ao Senado ganharam no Estado no segundo turno.

Estrategistas locais e organizadores comunit�rios s�o, na vis�o de analistas, os respons�veis pelo comparecimento recorde para vota��o e pela vit�ria dos democratas.

"A estrat�gia da gente � falar direto com os jovens latinos e gerar essa vontade de votar", comenta Juan Perez, um dos l�deres do grupo Perreo 404, uma organiza��o formada por jovens de origem latina que mant�m o anonimato e atua h� tr�s anos realizando eventos, festas e encontros com m�sica, arte e pol�tica.

Aos 31 anos, Juan � cidad�o dos EUA, de origem mexicana. Ele diz que n�o se interessava por pol�tica h� alguns anos. "A vit�ria de Trump me impactou muito, porque tudo o que ele dizia, feria diretamente a minha comunidade", explica. Foi quando ele come�ou a prestar aten��o na pol�tica e no Partido Democrata.

"Acabei vendo que existiam iniciativas das bases do partido voltadas aos latinos, mas as iniciativas n�o eram feitas por gente latina." Com amigos jovens, eles criaram o Perreo 404, conseguiram uma sede para a organiza��o e apostaram em eventos e arte. Segundo Juan, trabalharam bastante nas elei��es de 2018. "�amos �s festas e clubes noturnos e abord�vamos o p�blico incentivando e orientando as pessoas a irem votar."

Na mesma linha, est� Jorge Bello, de 35 anos, do Latinx Caucus-Dem Party, grupo mantido em parte com verbas do Partido Democrata. A primeira vez que ele votou foi em 2016. "Eu nunca quis votar, at� ver o discurso de Bernie Sanders", diz, ao explicar como o senador democrata de Vermont influenciou sua virada de pensamento. "A partir da� e tamb�m com a chegada de Trump ao poder, entendi que era preciso se tornar um ator de mobiliza��o", conta. "Em vez de ficar dizendo que pol�tica n�o interessa, descobri que votar � a maneira de se fazer ouvir".

O Perreo 404 e o Latinx s�o dois exemplos de pequenas comunidades que usaram as m�dias sociais, o trabalho local e o ativismo pol�tico para falar diretamente ao p�blico jovem. A vit�ria democrata nas elei��es do segundo turno para o Senado, na Ge�rgia, foi resultado de um amplo trabalho que uniu as comunidades latina, negra e uma parcela de imigrantes asi�ticos na regi�o.

Nas elei��es majorit�rias de novembro, mais de 1 milh�o de afro-americanos votaram na Ge�rgia. E desde o resultado das elei��es presidenciais, as bases democratas trabalharam para levar novamente estes eleitores �s urnas. Historicamente, o comparecimento nas elei��es de segundo turno � baixo, sobretudo entre as comunidades negras. A estrat�gia para mudar o cen�rio foi o trabalho de formiguinha. As campanhas democratas, a base estadual do partido e um n�mero incont�vel de pequenos grupos como o Perreo 404 e o Latinx bateram em milhares de portas e fizeram milh�es de telefonemas antes da elei��o presidencial. Depois, voltaram a fazer isso no segundo turno da campanha ao Senado.

Funcionou

O comparecimento foi hist�rico. Mais de 4,4 milh�es de pessoas votaram na elei��o de ter�a-feira - mais do que o dobro do n�mero de eleitores que votaram no segundo turno do Senado da Ge�rgia em 2008, que era at� ent�o o de maior taxa de comparecimento na hist�ria do Estado. A participa��o eleitoral em centros urbanos, que tendem a votar em democratas, aumentou 6%. E a participa��o entre os eleitores negros tamb�m aumentou: foi de 32% do eleitorado do segundo turno na Ge�rgia, ante 29% em novembro. Houve participa��o eleitoral mais intensa em condados onde uma parcela maior da popula��o � negra.

Al�m disso, dados indicam que a participa��o eleitoral republicana em condados rurais, que costumam votar no partido, caiu cerca de 5% em rela��o � elei��o de novembro. Analistas afirmam que as acusa��es de fraude eleitoral promovidas por Trump podem ter impedido um comparecimento maior de republicanos.

Origem

A grande impulsionadora do projeto que levou � revolu��o eleitoral na Ge�rgia foi a democrata Stacey Abrams. Ex-l�der da minoria da C�mara do Estado, ela passou uma d�cada construindo uma infraestrutura pol�tica para semear o voto democrata. "Stacey Abrams foi a pioneira na constru��o de uma mobiliza��o social na Ge�rgia, e trabalhou com v�rios grupos para valorizar a import�ncia das pessoas comuns e a aproxima��o com o eleitor, fugindo da ideia de lideran�a partid�ria", diz o soci�logo e historiador americano Geoffrey Kabaservice. "Ela construiu um arco-�ris de apoiadores para fazer uma coaliz�o que revolucionou o Estado, trabalhando diretamente com os eleitores."

Seu primeiro projeto foi em 2011, com o New Georgia Project (Novo Projeto Ge�rgia) e depois com a Fair Fight (Luta Justa), a organiza��o de direitos de voto que ela fundou ap�s perder a campanha para governador em 2018. Ao fundar o grupo, Abrams disse: "N�o vou dizer que a Ge�rgia agora � azul, mas � mais azul do que Iowa ou Ohio, Estados onde os democratas investem muito dinheiro apenas para v�-los ficar mais vermelhos a cada ano. A Ge�rgia ficar� ainda mais azul."

Um dos grupos que seguiram essa l�gica foi o Black Voters Matter. A cofundadora da organiza��o, LaTosha Brown, considera que o ano dif�cil, marcado mortes violentas pela pol�cia, a pandemia do coronav�rus e o comportamento do presidente Donald Trump em rela��o aos negros, acabou por aumentar na comunidade o desejo de mudan�a. "Os eleitores negros sa�ram em n�mero recorde apesar de tudo isso, uma manifesta��o de vanguarda da democracia, abrindo uma nova paisagem pol�tica n�o s� para Ge�rgia, mas para o pa�s todo", afirmou.

Iniciativas como a de Abrams trabalham juntamente com l�deres locais em diferentes regi�es de Atlanta, sobretudo entre eleitores negros, latinos e asi�ticos, e tamb�m entre mulheres destes grupos. Al�m de eventos, foram criados aplicativos para smartphones para manter mobilizados os eleitores, sobretudo aqueles entre 18 e 35 anos.

Aliada �s iniciativas com imigrantes, tamb�m houve uma a��o direcionada ao eleitorado negro do Estado, tradicionalmente com alta taxa de absten��o em elei��es anteriores. Neste ponto, igrejas, associa��es de bairro, ONGs direcionadas para mulheres, tiveram uma a��o importante.

O consultor de Software Jourdan Hamilton, de35 anos, considera que o resultado na Ge�rgia foi importante n�o s� pela virada democrata, mas tamb�m pela pr�pria elei��o do reverendo Warnock. "Se voc� olhar, vai ver que o Warnock � o primeiro senador negro eleito em um Estado do Sul, desde a reconstru��o ap�s a Guerra Civil do pa�s", diz.

Nascido nos EUA, Jourdan faz parte da primeira gera��o da fam�lia de origem jamaicana, nascida no pa�s. Ele comemora o resultado das elei��es. "Eu acredito que nossa comunidade negra est� altamente motivada, e orgulhosa deste momento". As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.