
A aprova��o do uso emergencial de duas vacinas contra a covid-19 no Brasil gerou no pa�s a sensa��o de que a vacina��o enfim deslancharia e permitiu que muitos vislumbrassem, ainda que l� longe, o fim da crise sanit�ria.
Com a aplica��o das primeiras doses no mesmo dia da decis�o da Anvisa, prefeituras por todo o pa�s divulgavam seus calend�rios de imuniza��o.Durou pouco, no entanto, a impress�o de que a vacina��o iria adiante. Horas depois da aprova��o das vacinas, os planos de imuniza��o j� come�aram a enfrentar s�rios percal�os.
E o motivo � elementar: pouca vacina. O Brasil, que tem mais de 200 milh�es de habitantes, tinha em seu territ�rio apenas 6 milh�es de doses autorizadas para uso, todas da CoronaVac, quando come�ou a distribui��o.
Agora, as perspectivas para a vacina��o est�o comprometidas pela falta de previs�o da chegada de 2 milh�es de vacinas vindas da �ndia e tamb�m de insumos da China para produ��o de vacinas no Brasil, afetando tanto as doses do Instituto Butantan quanto da Fiocruz.
No mais recente desdobramento, a Fiocruz reconheceu que a falta de previs�o de entrega do Ingrediente Farmac�utico Ativo (IFA) chin�s pode atrasar a entrega dos primeiros lotes da vacina Oxford/AstraZeneca produzidas no Brasil, previstos inicialmente para 8 a 12 de fevereiro.
Esse cen�rio � explicado, segundo especialistas, pelas estrat�gias de pol�tica externa daqueles pa�ses, dificuldades burocr�ticas e pelo hist�rico recente da atua��o do governo brasileiro em rela��o � �ndia e � China.
Brasil 'passado para tr�s'
"H� fatores t�cnicos e burocr�ticos atrapalhando o envio de ingredientes para a Fiocruz, mas h� tamb�m uma prioridade dada pela China aos pa�ses africanos e pela �ndia a seus vizinhos na �sia. Em cima disso, existe o ingrediente de mal estar dos dois pa�ses com o governo brasileiro devido aos erros cometidos nesses primeiros dois anos (do governo Bolsonaro)", disse � BBC News Brasil o diplomata aposentado Roberto Abdenur.
Ex-embaixador brasileiro em Pequim e em Washington, Abdenur diz que "o Brasil tem sido passado para tr�s por decis�es de pol�tica externa da �ndia e da China".
Com uma carreira de 45 anos no Itamaraty, ele diz que o Brasil vive hoje um "quadro pavoroso" e que "tanto em Nova Delhi quanto em Pequim seguramente h� um mal estar com o Brasil que n�o ajuda na hora de desespero em que n�s estamos".

Na avalia��o dele, a pol�tica externa do governo Bolsonaro "contribuiu e est� contribuindo para agravar esta situa��o porque ela perdeu o cr�dito que tinha junto aos governo dessas duas grandes pot�ncias".
"H� um inc�modo em Pequim com as m�ltiplas desfeitas desferidas contra a China pelo pr�prio presidente Bolsonaro, por seus filhos, por seus assessores mais pr�ximos e pelo chanceler Ernesto Ara�jo."
Entre as diversas cr�ticas � China, est� a insinua��o de que a China seria respons�vel pela pandemia, feita pelo deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, no Twitter, em uma compara��o do momento atual com a trag�dia nuclear de Chernobyl na d�cada de 1980.
Quem assistiu Chernobyl vai entender o q ocorreu.Substitua a usina nuclear pelo coronav�rus e a ditadura sovi�tica pela chinesa
— Eduardo Bolsonaro%uD83C%uDDE7%uD83C%uDDF7 (@BolsonaroSP) March 18, 2020
+1 vez uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste,mas q salvaria in�meras vidas
A culpa � da China e liberdade seria a solu��o https://t.co/h3jyGlPymv
'Nada justifica'
A pesquisadora da Fiocruz Margareth Dalcolmo mencionou, durante um evento, a not�cia de que as vacinas da China e da �ndia n�o viriam e diz que isso � "inaceit�vel". Ela afirma que os produtos estavam prontos e pagos e que nada justifica esse cen�rio, mencionando em seguida que gest�es diplom�ticas fracassaram.
Nesta semana, o ministro da Sa�de, general Eduardo Pazuello, disse que "a China n�o tem dado celeridade aos documentos de exporta��o necess�rios para que o IFA saia e venha para o Brasil".
"Estamos fazendo movimentos fortes no n�vel diplom�tico para encontrar onde est� essa resist�ncia e resolver o problema", afirmou o ministro.
Um brasileiro que acompanha as negocia��es em territ�rio chin�s e conversou em condi��o de anonimato com a BBC News Brasil diz que a libera��o dos insumos para a Fiocruz depende da decis�o de um �rg�o interministerial chin�s que tem decidido sobre exporta��o de insumos sens�veis.
Na China, a Embaixada do Brasil tem trabalhado de forma mais direta com as negocia��es relacionadas � vacina de Oxford/Astrazeneca, enquanto o escrit�rio do governo de S�o Paulo no pa�s trata das quest�es da CoronaVac.
Procurada pela reportagem, a Embaixada do Brasil na China disse que est� "em contato com as autoridades chinesas e com a empresa respons�vel pelo fornecimento dos insumos para identificar a melhor maneira de resolver a quest�o".
A Embaixada da China em Bras�lia n�o respondeu �s tentativas de contato feitas pela reportagem.
O presidente da C�mara, Rodrigo Maia, afirmou depois de reuni�o na Embaixada da China que o governo chin�s disse que "n�o havia obst�culo pol�tico e que estava sendo resolvido", em entrevista � Globo News, mas n�o detalhou quais seriam as quest�es t�cnicas.

O economista Rodrigo Zeidan, professor da NYU Shanghai e da Funda��o Dom Cabral, avalia que h� quest�es de ordem pr�tica emperrando as negocia��es na China. Ele menciona novos casos de coronav�rus dentro da China e afirma que isso "muda um pouco os incentivos dos agentes, do governo, e dos governos locais".
Zeidan tamb�m aponta que h� uma disputa entre governos locais na China maior do que as pessoas imaginam e diz que a proximidade do Ano Novo Chin�s (12 de fevereiro) atrapalha o cen�rio — mesmo considerando o contexto da pandemia.
"O pa�s para. Essa � uma quest�o fundamental. Todo mundo que trabalha com com�rcio exterior sabe disso", diz. "As f�bricas j� est�o parando."
Os atrasos
Em documento enviado ao Minist�rio P�blico Federal, a Fiocruz informou que adiou para mar�o a entrega das primeiras doses. A assessoria de imprensa da Fiocruz diz que a entrega ainda est� dentro do prazo previsto em contrato, mas afirma que o cronograma ser� detalhado quando a data do insumo estiver confirmada.
"Ainda que sejam necess�rios ajustes no in�cio do cronograma de produ��o inicialmente pactuado, a Fiocruz segue com o compromisso de entregar 50 milh�es de doses at� abril deste ano, 100,4 milh�es at� julho e mais 110 milh�es ao longo do segundo semestre, totalizando 210,4 milh�es de vacinas em 2021", diz nota � imprensa.
Em rela��o � CoronaVac, o Instituto Butantan tem um acordo de receber da Sinovac o equivalente a 40 milh�es de doses em IFA. O instituto informa ter recebido 4,8 milh�es de doses em insumos, que j� est�o envasados e prontos, aguardando registro emergencial da Anvisa. Diz, ainda, que est� dentro do cronograma firmado em contrato com o Minist�rio da Sa�de, sendo que das 8,7 milh�es de doses acordadas para entrega at� 31 de janeiro, 6 milh�es j� foram disponibilizadas.
Vacina vinda da �ndia

Al�m dos insumos para as vacinas a serem produzidas no Brasil, ainda � aguardado o carregamento de 2 milh�es de doses da vacina da AstraZeneca fabricadas na �ndia em um avi�o fretado pelo Minist�rio da Sa�de.
O processo vem fracassando desde a semana passada. Com um avi�o pronto para trazer o imunizante, o governo brasileiro esbarrou em uma negativa do governo indiano e ainda aguarda uma defini��o sobre a compra.
Enquanto isso, a �ndia anunciou o in�cio da exporta��o do produto para seis pa�ses (But�o, Maldivas, Bangladesh, Nepal, Mianmar e Seychelles). O Brasil ficou de fora.
A falta de apoio do Brasil a uma proposta da �ndia apresentada no ano passado � Organiza��o Mundial do Com�rcio (OMC) tem sido apontada como um dos motivos para o entrave — a proposta era a quebra de patente tempor�ria de produtos relacionados ao combate da pandemia.
"Nessa reuni�o, o Brasil, contrariando seus pr�prios interesses, foi o �nico pa�s em desenvolvimento a tomar o lado dos pa�ses desenvolvidos na oposi��o � suspens�o das patentes", destaca Abdenur. "Essa pol�tica externa baseada na ideologia de extrema direita proveniente dos EUA, n�o est� funcionado", diz.
Procurado pela reportagem, o Minist�rio da Sa�de disse apenas que "a entrega dos imunizantes ao Brasil passa por fase de licenciamento aduaneiro, tal como a autoriza��o de exporta��o" e informou que o governo federal "est� em contato constante com as autoridades indianas para acelerar, no que for poss�vel, esse processo e trazer as vacinas para o pa�s o mais r�pido poss�vel".
A pasta n�o informou como esses atrasos afetar�o os planos de distribui��o das vacinas.
Enquanto isso, especialistas alertam que a situa��o da pandemia no Brasil deve se agravar entre o final de janeiro e o in�cio de fevereiro, por motivos que incluem as festas de fim de ano, as variantes do coronav�rus, a transi��o de governo em muitas cidades brasileiras.
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