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Estado de Minas TRABALHO FOR�ADO E TORTURA

Como pedido de SOS em decora��o de Halloween revelou pris�o secreta na China

M�e nos EUA descobriu carta escrita � m�o em caixa de decora��o para o Dia das Bruxas denunciando condi��es em campos de 'reeduca��o' na China; descoberta virou not�cia internacional; ou�a relatos no podcast 'Que Hist�ria!'.


16/04/2021 07:55 - atualizado 16/04/2021 12:56


Carta escrita por Sun Yi e encontrada por americana teve grande repercussão internacional e causou indignação na China
Carta escrita por Sun Yi e encontrada por americana teve grande repercuss�o internacional e causou indigna��o na China (foto: Flying Cloud)

Uma m�e preparava uma festa para a filha nos Estados Unidos quando abriu uma caixa com decora��o de Halloween que estava guardada no s�t�o havia alguns anos. Na caixa, encontrou uma carta, escrita � m�o, com um pedido de socorro.

Essa carta acabaria se tornando not�cia internacional e se tornaria pe�a-chave no desmantelamento dos not�rios campos de reeduca��o na China, em que centenas de milhares de opositores e membros de minorias religiosas ou grupos proibidos eram submetidos, segundo organiza��es de direitos humanos e relatos de ex-prisioneiros, a trabalhos for�ados, humilha��es e at� torturas.

Esse caso surpreendente � contado em um epis�dio do podcast 'Que Hist�ria!' , produzido e apresentado por Thomas Pappon.

Dia da bruxas

No outono de 2012, na cidade de Damascus, no Estado de Oregon, nos EUA, a americana Julie Keith estava preparando a festa de anivers�rio de cinco anos de sua filha. O tema da festa era Halloween. Em entrevista ao programa Outlook , da BBC, ela conta que foi ao s�t�o atr�s de uma caixa que tinha comprado havia dois anos com decora��o t�pica do Dia das Bruxas .


Julie estava no sótão de sua casa, abrindo o 'kit de cemitério', quando caiu uma carta no chão
Julie estava no s�t�o de sua casa, abrindo o 'kit de cemit�rio', quando caiu uma carta no ch�o (foto: Flying Cloud Productions)

"Era um kit de cemit�rio. Tinha umas l�pides de isopor, esqueletos falsos, ossos, tecidos com manchas de sangue...E quando estava abrindo essas caixas, caiu uma carta no ch�o. Ela dizia: 'Senhor, se por caso voc� comprou esse produto, por favor repasse essa carta para a Comiss�o de Direitos Humanos da ONU. Milhares de pessoas aqui, perseguidas pelo Partido Comunista chin�s, lhe ser�o eternamente gratas. Esse produto foi fabricado na Unidade A, Departamento 2 do campo de trabalhos for�ados Masanjia, em Shenyang, na China . As pessoas aqui trabalham 15 horas por dia, sem parar no fim de semana, sem f�rias ou qualquer descanso. Caso contr�rio, s�o submetidas a torturas, maus tratos e xingamentos, quase sem pagamento. Muitos deles s�o seguidores da Falung Gong, s�o pessoas totalmente inocentes'."

A carta n�o era assinada. Julie tirou uma foto dela e a postou na internet. Ela achou um pequeno milagre ter encontrado a carta e queria compartilh�-la com amigos. Alguns sugeriram que ela enviasse a carta a organiza��es de defesa de direitos humanos, o que ela fez, mas, sem receber resposta. Ela resolveu ent�o mostrar a carta para a chefe do departamento de comunica��es da empresa em que trabalhava. Esta telefonou para um amigo jornalista da publica��o local The Oregonian.


'Senhor: se por caso você comprou esse produto, por favor repasse essa carta para a Comissão de Direitos Humanos da ONU. Milhares de pessoas aqui, perseguidas pelo Partido Comunista chinês, lhe serão eternamente gratas'
'Senhor: se por caso voc� comprou esse produto, por favor repasse essa carta para a Comiss�o de Direitos Humanos da ONU. Milhares de pessoas aqui, perseguidas pelo Partido Comunista chin�s, lhe ser�o eternamente gratas' (foto: Flying Cloud Productions)

"Eles mandaram uma estagi�ria para me entrevistar", diz Julie. "Ela tinha come�ado havia poucos meses no jornal. E, num belo dia, num fim de semana, a mat�ria saiu, mat�ria de capa. Fui comprar o jornal, e minha cara estava ali, na primeira p�gina. Imediatamente, comecei a receber v�rios telefonemas. Televis�es locais, Fox, CNN, Epic Times, todos queriam falar comigo."

A hist�ria da carta correu o mundo. Pouco se sabia sobre os chamados campos de reeduca��o por trabalho na China, admirada pelo crescimento econ�mico extraordin�rio, mas criticada pelo hist�rico de persegui��o de opositores, minorias �tnicas e religiosas. E justamente por causa dessa persegui��o Julie acabou recebendo duras cr�ticas por ter divulgada a carta.

"Eu lia os coment�rios online, e muitos diziam que cometi um erro", ela conta, "porque agora as pessoas desse campo sofreriam ainda mais puni��es".

"Fiquei arrasada. Achei que talvez tivesse mesmo feito a coisa errada. A carta diz em que unidade e que departamento as pessoas estavam no campo. Mas eu ficava sempre voltando ao que a carta dizia. Afinal, o autor da carta queria que eu a divulgasse."

Mas quem era o autor da carta? Julie Keith s� viria a saber detalhes sobre ele anos mais tarde, gra�as � pesquisa de um cineasta canadense de origem chinesa, Leon Lee.


A caixa de decoração de Halloween tinha 'umas lápides de isopor, esqueletos falsos, ossos, tecidos com manchas de sangue...'
A caixa de decora��o de Halloween tinha 'umas l�pides de isopor, esqueletos falsos, ossos, tecidos com manchas de sangue...' (foto: Flying Cloud Productions)

Em entrevista ao Outlook , Leon conta que ouviu a hist�ria no notici�rio. Ele acompanhava quest�es ligadas � China havia um tempo, e sabia da reputa��o do not�rio campo de Massanjia. "Imediatamente, achei que, se algu�m mandou uma carta de Massanjia, deveria haver uma boa hist�ria por tr�s dela."

Leon tinha feito document�rios focando em assuntos chineses que dificilmente s�o abordados na China. Um de seus filmes mais conhecidos, Human Harvest ('Colheita Humana'), sobre o com�rcio ilegal de �rg�os humanos extra�dos de prisioneiros pol�ticos, foi visto em v�rios pa�ses e recebeu mais de uma dezena de pr�mios. Leon n�o pode entrar na China, mas gra�as a seus filmes, ele conseguiu criar uma rede de contatos com dissidentes e jornalistas chineses, dispostos a ajud�-lo. Demorou alguns anos, at� ele chegar ao autor da carta, Sun Yi, e poder falar com ele, via Skype.

Nesse contato, Sun Yi disse que sua hist�ria precisava ser contada e se disp�s a filmar depoimentos seus e a ajudar como pudesse. Sem poder entrar no pa�s para ajud�-lo, Leon teve de dirigi-lo � dist�ncia.

"Foi o filme mais dif�cil que j� fiz", diz ele. "Sun Yi n�o sabia usar uma c�mera. Marcamos sess�es de treinamento pelo Skype, para ensinar coisas b�sicas, como filmar, como captar �udio, como comprimir arquivos."

"Por raz�es de seguran�a, eles fez dois tipos de trabalho. Um foi fazer contatos com outras pessoas que passaram pelo campo. Conseguimos entrevistar um guarda, que tinha torturado ele, por exemplo. E o outro, foi gravar depoimentos sobre seu dia a dia, sobre a dif�cil realidade de um ativista de direitos humanos na China."


Falun Gong, que prega exercícios de meditação e tem raízes em ensinamentos do budismo sobre compaixão e tolerância, é proibida na China desde 1999, vista como um 'culto diabólico'
Falun Gong, que prega exerc�cios de medita��o e tem ra�zes em ensinamentos do budismo sobre compaix�o e toler�ncia, � proibida na China desde 1999, vista como um 'culto diab�lico' (foto: Getty Images)

Sun Yi vivia uma realidade cheia de perigos. Ele dedicava boa parte de sua vida a divulgar o modo de vida da Falun Gong, um grupo que prega exerc�cios de medita��o e tem ra�zes em ensinamentos do budismo sobre compaix�o e toler�ncia.

Ela � proibida na China desde 1999, vista como um "culto diab�lico" e amea�a ao Partido Comunista.

Seus seguidores passaram a ser perseguidos e enviados aos not�rios campos de reeduca��o. Al�m deles, cr�ticos do regime, seguidores de cren�as religiosas e pessoas acusadas de crimes menores eram enviados sem julgamento a esses campos para cumprirem penas de at� 3 anos.

'Inferno na Terra'

Leon conta que Sun Yi era engenheiro, e que tinha um bom emprego e uma fam�lia, at� 1999, quando sua vida "foi virada de cabe�a para baixo".

"Perdeu o emprego, foi detido mais de uma dezena de vezes por imprimir e distribuir panfletos sobre a Falun Gong. Em 2008, antes dos Jogos Ol�mpicos, houve uma intensifica��o da repress�o � Falun Gong, por supostas raz�es de seguran�a, e Sun Yi foi detido e condenado a dois anos e meio de pris�o no campo de Massanjia."


Sun Yi diz ter escrito e escondido 20 cartas em caixas com lápides de Halloween
Sun Yi diz ter escrito e escondido 20 cartas em caixas com l�pides de Halloween (foto: El Toro Studios/Flying Cloud Productions)

Sun Yi descreveu sua experi�ncia no campo como o 'inferno na terra'. Ele e outros membros da Falun Gong eram torturados at� renunciarem � sua cren�a.

Ele diz ter sido colocado em uma cama, amarrado pelas pernas e bra�os, com o corpo esticado at� o limite. Que a dor fez ele desmaiar v�rias vezes. Ele diz ter resistido, e jurou contar ao mundo sobre as condi��es as quais ele e seus companheiros estavam sendo sujeitos.

Sun Yi escreveu v�rias cartas, e pouco depois apareceu uma oportunidade de envi�-las para fora do campo, como conta Leon Lee:

"Um dia, Sun Yi estava na cafeteria do campo, o notou, pela janela, um grupo de prisioneiros passando do lado de fora levando ossos, caveiras, l�pides... Ele ficou chocado, achou que eles estavam levando partes de cad�veres. E um prisioneiro mais antigo contou a ele que esses prisioneiros estavam voltando do 'turno fantasma'"

"Dias depois, o nome dele estava numa lista de prisioneiros que foram levados para o quarto andar de um edif�cio, onde havia um grande dep�sito com pessoas fazendo l�pides. Foi a� que Sun Yi percebeu que eram l�pides feitas de isopor. Ele n�o fazia ideia de quem poderia usar esse tipo de produto assustador. Na cultura chinesa n�o era comum brincar com l�pides. Mas um guarda lhe contou que eram produtos para um festival popular em culturas ocidentais."

Sun Yi diz ter escrito e escondido 20 cartas em caixas com l�pides de Halloween. Ele j� tinha cumprido sua pena e estava em sua casa, quando soube que uma carta sua tinha sido encontrada por uma mulher nos Estados Unidos.


Ele já tinha cumprido sua pena e estava em sua casa, quando soube que uma carta sua tinha sido encontrada por uma mulher nos Estados Unidos
Ele j� tinha cumprido sua pena e estava em sua casa, quando soube que uma carta sua tinha sido encontrada por uma mulher nos Estados Unidos (foto: El Toro Studios/Flying Cloud Productions)

Julie Keith, por sua vez, foi avisada pelo New York Times em 2013 que o autor da carta estava vivo. E n�o s� isso. Recebeu uma nota enviada por ele, em que dizia "apenas que estava feliz e agradecido por eu ter divulgado a carta, que era exatamente o que ele queria". "Fiquei superfeliz por ele estar vivo e por ter estar orgulhoso do que fiz."

'A primeira pe�a a cair'

Poucos anos mais tarde, Sun Yi estava colhendo material para o document�rio de Leon Lee. Foram meses de trocas de mensagens encriptadas, envios de HDs externos para fora da China por terceiros e muita tens�o.

O pior momento foi quando Leon recebeu a not�cia de que Sun Yi tinha sido preso novamente. Pouco depois, ele foi libertado por raz�es de sa�de, e queria retomar as filmagens. Mas para o diretor, n�o dava mais para correr riscos.

"Disse a ele para largar tudo e sair da China imediatamente. Eu sabia que havia uma boa chance de eles n�o terem colocado o nome dele na lista dos que n�o poderiam deixar o pa�s. Ele teve de deixar a esposa pra tr�s, fazer uma pequena mala e sair da China, sabendo que provavelmente jamais poderia voltar."


Sun Yi passou dois anos e meio no campo de Massanjia (no fundo)
Sun Yi passou dois anos e meio no campo de Massanjia (no fundo) (foto: Flying Cloud Productions)

Sun Yi fugiu para a Indon�sia, onde pediu asilo. Nessa condi��o, ele n�o podia trabalhar. Tamb�m n�o falava a l�ngua local, a cultura era diferente e ele estava completamente s�.

Mesmo assim, ele diz nunca ter tido d�vida alguma de que seu sacrif�cio valera a pena. A enorme repercuss�o gerada no mundo e na China por sua carta foi uma das raz�es que levaram o Congresso Nacional do Povo, em dezembro de 2013, a abolir pelo menos oficialmente o sistema de reeduca��o em campos de trabalho, em vigor havia 56 anos. Mais de 300 campos foram fechados e mais de 160 mil prisioneiros foram libertados.

Para Leon Lee, a carta de Sun Yi esteve no come�o de tudo isso: "Foi a primeira pe�a de domin� a cair. Teve toda a repercuss�o internacional. E uma revista chinesa publicou uma longa reportagem sobre esses campos que chocou o p�blico chin�s. A revista foi censurada, mas sem antes causar uma grande onda de indigna��o no pa�s, com v�rias pessoas exigindo o fechamento dos campos. J� havia dentro do regime pessoas a favor do desmantelamento desse sistema. Todos esses fatores se juntaram, e o sistema finalmente deixou de existir."

Julie Keith, a mulher que foi pe�a chave na trajet�ria da carta, foi convidada a se encontrar com Sun Yi na Indon�sia.


Julie Keith se encontrou com Sun Yi na Indonésia: 'estava nervosa, não sabia se isso despertaria lembranças ruins nele'
Julie Keith se encontrou com Sun Yi na Indon�sia: 'estava nervosa, n�o sabia se isso despertaria lembran�as ruins nele' (foto: Marcus Fung/Flying Cloud Productions )

"Foi uma experi�ncia incr�vel esse encontro. Devolvi a ele a carta e uma das l�pides de Halloween. Eu estava nervosa, n�o sabia se isso despertaria lembran�as ruins nele. Mas ele pareceu agradecido, por termos completado esse ciclo. Foi como um sonho que se tornou realidade. Jamais imaginaria que uma coisa dessas pudesse acontecer. E tivemos essa conex�o instant�nea."

"Ele me chamou de irm�. Foi como se nos conhec�ssemos a vida toda."

Pouco depois desse encontro, Leon Lee estava editando o seu document�rio quando recebeu a not�cia de que Sun Yi tinha sido hospitalizado e estava em estado grave, com problemas nos rins.

"Tentei fazer contato, mas Sun Yi aparentemente n�o se lembrava mais de mim. Alguns dias depois, ele morreu. A causa oficial da morte foi fal�ncia aguda dos rins. Ele nunca tinha tido problema nos rins. E quando estivemos com ele na Indon�sia ele parecia completamente saud�vel. Foi terr�vel."

"Fiquei arrasada", afirma Julie Keith. "Queria tanto um final feliz para a hist�ria dele. Ele queria vir para o Canad� ou Estados Unidos, e trazer sua esposa. Me senti muito mal por n�o ter sido capaz de ajudar mais."

O document�rio de Leon Lee, Letter from Massanjia ('Carta de Massanjia') foi lan�ado em 2018. Os campos de trabalho na China foram fechados no final de 2013, mas organiza��es de direitos humanos acusam a China de ter feito mudan�as cosm�ticas em alguns deles, e de manter campos em que perseguidos pol�ticos ou religiosos, como os chineses uighures mu�ulmanos no Estado de Xinjiang, s�o "reeducados".


Como ouvir o podcast

A segunda temporada de Que Hist�ria! , produzida e apresentada por Thomas Pappon, ter� dez epis�dios, que ser�o disponibilizados semanalmente nas principais plataformas de podcast, como Apple e Spotify.

Al�m dessas h� v�rias plataformas e apps que oferecem assinaturas do podcast — o que permite que cada novo epis�dio seja baixado automaticamente em seu dispositivo ou computador assim que for disponibilizado (toda sexta-feira, �s 06h00 em Bras�lia).

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