
Uma reportagem investigativa da BBC revelou que um suspeito de crime de guerra nazista, que fixou resid�ncia no Reino Unido, pode ter trabalhado para os servi�os de intelig�ncia brit�nicos durante a Guerra Fria.
Antes de sua morte ocorrer, oficiais alem�es estavam investigando Stanislaw Chrzanowski pelo assassinato de judeus durante a 2ª Guerra Mundial em Belarus.
O homem j� havia sido interrogado pela pol�cia brit�nica, mas nunca fora acusado de nenhum crime.
Agora Chrzanowski, que se gabava diante de seu enteado de que tinha "um segredo ingl�s", apareceu em registros de filmes feitos em Berlim na d�cada de 1950.
E lideran�as judaicas est�o pedindo que uma investiga��o seja aberta para descobrir se Chrzanowski - e outros como ele - n�o foram acusados de crimes de guerra porque atuaram como espi�es do governo do Reino Unido.
Por mais de 60 anos, John Kingston suspeitou que seu padrasto tinha sido mais do que apenas um seguran�a do pr�dio do governo municipal em sua cidade natal no Leste Europeu durante a 2ª Guerra Mundial.
Tanto que ele tinha certeza de que Stanislaw "Stan" Chrzanowski havia sido um criminoso de guerra nazista que conseguiu escapar da justi�a.
E em v�rias ocasi�es tentou persuadir as autoridades brit�nicas a investig�-lo. Mas n�o teve �xito.
Kingston conseguiu reunir uma grande quantidade de evid�ncias - fotos, documentos e conversas telef�nicas secretas - que por mais de 20 anos foram armazenadas em seu s�t�o.
Conheci Kingston em 2016 e, assim, comecei minha pr�pria investiga��o de Chrzanowski e suas atividades durante a guerra.
Mas s� quando Kingston morreu - e todo o material que ele havia armazenado no s�t�o foi entregue a mim - surgiram novas evid�ncias para explicar por que Chrzanowski nunca fora levado � justi�a.
Hist�rias de ninar
A m�e de Kingston, Barbara, conheceu Chrzanowski em 1954, em um clube polon�s em Handswortg, Birmingham.
E ela ficou encantada com aquele estrangeiro que gostava de dan�ar.
Chrzanowski lhe disse que havia chegado, junto com outros soldados poloneses, ao porto de Liverpool em 1946, um ano ap�s o fim da guerra.
Ele tamb�m disse a ela que havia crescido em Slonim, uma cidade localizada na Pol�nia no in�cio da guerra, mas que agora pertence a Belarus.
Barbara ficou t�o cativada por Chrzanowski que o convidou para sair de f�rias no mesmo ver�o, junto com seus dois filhos.
Kingston, que tinha 9 anos na �poca, chamou essas f�rias de "o momento em que tudo mudou".

A princ�pio, o menino ficou pasmo com a nova figura paterna.
"Ele era fascinante e estranho", explicou Kingston.
"De certa forma, eu o admirava e queria ser como ele."
Chrzanowski disse � sua nova fam�lia que estava trabalhando em uma serraria em Slonim quando a guerra come�ou, at� que em 1943 os nazistas o for�aram a trabalhar como seguran�a.
Segundo seu relato, ele conseguiu escapar de seu pa�s em 1944, depois foi prisioneiro de guerra e finalmente se juntou �s fileiras polonesas para lutar ao lado dos Aliados.
N�o havia raz�o para duvidar de sua hist�ria.
Logo depois, Chrzanowski mudou-se com os Kingstons para sua casa em Birmingham.
Amea�a em casa
Em casa, Chrzanowski ensinou seu enteado John a pular paredes com t�cnicas de p�ra-quedista e comprou-lhe uma pistola de brinquedo alem� para que ele pudesse brincar nos escombros deixados pelas bombas alem�s durante a guerra em v�rios pontos da cidade.
Mas, pouco a pouco, outro Chrzanowski come�ou a se revelar. E isso afetou a adolesc�ncia de Kingston de maneira profunda, tanto mental quanto fisicamente.
"Foi um pesadelo crescer com ele. Ele era um cara muito perigoso", Kingston me confessou.
Chrzanowski tinha um temperamento muito forte e trazia do trabalho peda�os de borracha flex�vel para espancar seus enteados e o cachorro da fam�lia.
"Ficava coberto de hematomas", disse Kingston.
Quando iam dormir, Chrzanowski contava hist�rias de guerra. No in�cio, pareciam divertidas, mas aos poucos se tornaram sinistras.

Chrzanowski descreveu eventos terr�veis aos ouvidos das crian�as, desde quando os nazistas chegaram a Slonim.
De acordo com as lembran�as de Kingston, ele falou de pessoas sendo torturadas e interrogadas.
"�s vezes ele falava sobre beb�s que eram agarrados pelos tornozelos e esmagados contra a parede", disse.
"E ele nos mostrou como eles faziam isso", acrescentou.
O homem disse a eles que tinha visto essas atrocidades atrav�s de bin�culos, enquanto trabalhava como seguran�a.
Mas Kingston disse que a maneira como ele contou essas hist�rias foi t�o v�vida que parecia que Chrzanowski havia cometido esses crimes.
Todo esse ambiente teve um grande impacto emocional na sa�de mental de Kingston enquanto ele vivia com seu padrasto. Por isso, assim que se tornou adulto, ele quis se mudar.
Foi tamb�m por volta dessa �poca que ele come�ou a questionar o relato de Chrzanowski antes de vir para o Reino Unido.
Kingston come�ou a pensar: ser� que seu padrastro havia trabalhado para os nazistas?
Com o tempo, Kingston conheceu Sheila, eles se casaram e se mudaram para o norte da Inglaterra, na cidade de Holmfirth. Mas seu casamento passaria por v�rias trag�dias: quatro de seus seis filhos morreram jovens.
Particularmente a morte de um deles, aos 17 anos e devido a meningite, atingiu Kingston profundamente.
Toda essa dor acumulada o levou a um ponto em que se sentiu oprimido pelo que considerou uma grande injusti�a.
Como era poss�vel que a �nica figura paterna em sua vida havia feito coisas horr�veis - at� mesmo para crian�as - e ainda assim continuado com sua vida?
Ele logo descobriu uma oportunidade de fazer algo a respeito.

"Voc� conhece um criminoso de guerra?"
Em mar�o de 1988, ele viu um an�ncio em um jornal de circula��o nacional.
O an�ncio buscava informa��es sobre supostos criminosos que viviam no Reino Unido e que haviam sido respons�veis pelo "genoc�dio e assassinato de pessoas na Alemanha ou nos territ�rios ocupados pelos alem�es" durante a 2ª Guerra Mundial.
O governo lan�ou uma investiga��o formal depois que membros do Centro Simon Wiesenthal, respons�vel pela ca�a nazistas fugitivos, forneceram uma lista de suspeitos.
O governo de Margaret Thatcher (1979-1990) disse que n�o ter checado os checado os antecedentes daqueles que entraram no Reino Unido ap�s a guerra "nos fez parecer uma rep�blica das bananas".
Kingston estava convencido de que Chrzanowski era um desses homens e que ele n�o tinha sido apenas "um seguran�a" do pr�dio da administra��o Slonim, como ele alegava.
Neste sentido, escreveu v�rias cartas ao grupo de pesquisa nas quais transcreveu as hist�rias de terror que Chrzanowski lhe contara durante sua inf�ncia. E v�rios policiais foram interrogar seu padrasto.
Mas ent�o nenhuma a��o foi tomada contra ele por falta de provas.
No entanto, Chrzanowski agora sabia que seu enteado suspeitava de algo e o interrogat�rio policial certamente o assustou. Ele ent�o come�ou a solicitar v�rios vistos de viagem para pa�ses como R�ssia, Pol�nia e Canad�, onde tinha amigos de guerra e alguns parentes.
� medida que as investiga��es continuavam, tr�s velhos amigos de Chrzanowski, que tinham vindo para o Reino Unido como ele, morreram.

Um deles, suspeito de ser um criminoso de guerra e que havia escolhido Chrzanowski como seu padrinho, suicidou-se.
Convencido de que seu padrasto era um criminoso, Kingston iniciou sua pr�pria investiga��o.
E um dia, ao visit�-lo em sua casa, ele conseguiu fazer uma c�pia de todas as fotos da �poca da guerra que Chrzanowski mantinha sob sua cama.
Valas da morte
"N�s o conhec�amos como a�ougueiro. Isso � o que ele fazia: matava pessoas", disse Alexandra Daletski � BBC em 1996, enquanto olhava para uma foto de Chrzanowski.
Depois de compartilhar suas suspeitas com a BBC News, Kingston e o ent�o jornalista da BBC Jon Silverman estavam andando pelas ruas cobertas de neve de Slonim, perguntando �s pessoas se reconheciam o homem na foto.
Nele, Chrzanowski usa o uniforme da Pol�cia Auxiliar de Belarus, uma for�a civil armada que cumpria ordens em nome dos nazistas.
A foto foi datada, de acordo com o testemunho de Kingston, de mar�o de 1942.
Daletski observou que seu marido, Jan, foi uma das 200 pessoas que Chrzanowski e a pol�cia local prenderam naquele ano.
E ele descreveu como Chrzanowski - ou Stasic, como era conhecido em Slonim - atirou em Jan depois que ele tentou fugir de uma execu��o iminente.
Chrzanowski nunca negou que os nazistas o haviam recrutado. Mas ele sempre afirmou que isso havia acontecido depois de 1943 - ap�s o massacre de judeus em Slonim - e que seu papel tinha sido o de um simples guarda.
E ele sempre negou pertencer �quela pol�cia bielorrussa.
Outra testemunha em Slonim, Kazimir Adamovich, um di�cono da igreja local, disse que viu de sua fazenda Chrzanowski atirar em 50 pessoas em tr�s dias.

Adamovich disse que matar deixava Chrzanowski de bom humor. Ele acrescentou que o ouviu dizer que era "t�o f�cil quanto cuspir".
Esses testemunhos sugerem que Chrzanowski esteve presente nos massacres de Slonim, onde dezenas de milhares de judeus e outros moradores da �rea foram mortos.
Esses assassinatos em massa come�aram em meados de 1941, como parte do plano da Alemanha nazista de exterminar a popula��o judaica.
Homens, mulheres e crian�as foram levados para a floresta mais pr�xima, onde receberam ordem de tirar a roupa e depois fuzilados.
Seus corpos ca�ram sobre os cad�veres de outros que j� estavam nas "valas da morte" que haviam sido cavadas para este fim.
Kingsman e a reportagem da BBC tamb�m descobriram mais informa��es que refutavam a hist�ria original de Chrzanowski.
Entre elas, a de que ele n�o escapou dos nazistas para se juntar diretamente �s mil�cias polonesas.
Pelo contr�rio, enquanto fugia de Slonim quando os alem�es come�aram sua retirada em junho de 1944 - e os russos estavam chegando do outro lado - Chrzanowski foi mobilizado com outros colaboradores para o leste da Fran�a para lutar nas unidades de combate alem�s.
Enquanto a defesa alem� desmoronava, Chrzanowski foi feito prisioneiro de guerra. Foi s� l� que ele mudou de lado e se juntou �s for�as polonesas.
De volta ao Reino Unido, Kingston e a BBC entraram em contato para entrevistar Chrzanowski.
Durante um curto confronto - ap�s sua ida semanal � igreja - Chrzanowski come�ou a gritar tudo em nega��o e amea�ou chamar a pol�cia.
Essa foi a �ltima vez que Kingston e Chrzanowski se falaram.
� luz das evid�ncias que a BBC obteve, os detetives da pol�cia interrogaram Chrzanowski novamente. Mas o Crown Prosecution Service (CPS), o Minist�rio P�blico brit�nico, concluiu que n�o havia "provas suficientes" para apresentar as acusa��es.
"Foi muito deprimente. De repente, a Scotland Yard acabou com qualquer possibilidade que t�nhamos (de investig�-lo)", disse-me Kingston.
Ele ent�o decidiu abandonar a investiga��o. Seu padrasto tinha escapado impune, acreditava.
E foi s� quando nos encontramos novamente - 20 anos depois - que ele viu outra oportunidade de levar Chrzanowski � justi�a.

O caso antigo
Trabalho para a BBC na cidade de Shropshire, na regi�o central do Reino Unido. E Chrzanowski morava na minha �rea.
H� cerca de cinco anos, li v�rias hist�rias de alem�es idosos que estavam sendo julgados por supostos crimes de guerra cometidos cerca de 70 anos antes.
Lembrei-me da hist�ria de Chrzanowski da d�cada de 1990 e contatei Kingston. Ele concordou que eu iniciasse minha pr�pria investiga��o sobre seu padrasto.
Agora Chrzanowski estava em seus 90 anos e Kingston em seus 70 anos.
Para tanto, consegui convencer Stephen Ankier, um experiente pesquisador em nazismo, a me ajudar.
Stanislaw "Stan" Chrzanowski havia sido um dos denunciados � pol�cia do Reino Unido quando os suspeitos de crimes de guerra foram convocados em 1988.
Mas no final, apenas um homem foi condenado.
Anthony Sawoniuk, um cobrador aposentado da British Rail, a companhia de trens brit�nica, havia sido condenado em 1999 pelo assassinato de judeus.
Ele morreu na pris�o, enquanto cumpria uma dupla senten�a de pris�o perp�tua.
Como Chrzanowski, Sawoniuk fora membro da Pol�cia Auxiliar de Belarus, a Waffen-SS alem� e, mais tarde, das for�as polonesas que lutaram ao lado dos Aliados.
De acordo com o historiador Martin Dean, que trabalhou na Unidade de Crimes de Guerra da Scotland Yard, cerca de 50 mil colaboradores nazistas conseguiram se infiltrar nas for�as polonesas nos est�gios finais da 2ª Guerra Mundial.
E cerca de um ter�o deles desembarcou no Reino Unido ap�s o fim do conflito.
Justi�a

"Eles tinham diferentes graus de relacionamento com os nazistas. Mas alguns eram policiais locais de lugares como Belarus", disse Dean.
Por meio de algumas fontes em Belarus, Ankier conseguiu obter documentos da ag�ncia de intelig�ncia russa, a KGB, listando alguns dos ex-membros da Pol�cia Auxiliar de Belarus que trabalharam em Slonim durante a guerra.
E o nome e a data de nascimento de Chrzanowski: 7862824071. O que prova que ele mentiu sobre seu verdadeiro emprego durante o conflito.
A lista tamb�m nos ajudou a rastrear outros suspeitos que estiveram em Slonim e agora vivem em v�rias partes do Reino Unido.
E confirmou nomes que Chrzanowski mencionara a seu enteado John ao longo dos anos.
Ao todo, mais de 30 suspeitos de colaborar com os nazistas em Slonim se estabeleceram na Inglaterra e no Pa�s de Gales ap�s a guerra. Mas, de acordo com o historiador, a maioria deles est� morta.
Ent�o, sabendo do trabalho que est�vamos fazendo, fomos contatados pelos 'ca�adores de nazistas' da unidade especial de crimes de guerra alem�.
Com base no poderoso testemunho coletado por Kingston e a BBC, em 1996, o promotor Thomas Will nos disse que consideraria formalizar uma den�ncia contra Chrzanowski, usando evid�ncias que haviam sido rejeitadas anteriormente pelo MP brit�nico.
E o Tribunal Federal de Justi�a da Alemanha decidiu que o processo contra Chrzanowski poderia continuar, apesar do fato de que nem ele nem suas v�timas eram alem�es e seus alegados crimes ocorreram em Belarus.
"Porque ele estava trabalhando para uma unidade alem�, isso poderia ser visto como um crime alem�o", disse Will.

Os investigadores estavam levando a lei alem� ao limite. E tinham poderes legais mais amplos do que inicialmente, nos julgamentos de Nuremberg (durante os quais os l�deres nazistas foram julgados ap�s o fim da guerra).
E em um caso que se tornaria um marco, Chrzanowski seria o primeiro cidad�o brit�nico a ser investigado pela Alemanha por supostos crimes de guerra.
Os promotores concentraram o caso na suspeita de que ele havia executado mais de 30 civis em Slonim em 1942.
Mas em outubro de 2017 - enquanto a pol�cia alem� aguardava autoriza��o para realizar uma opera��o em sua casa - Chrzanowski morreu aos 96 anos.
Quem o conheceu na cidade de Telford lembra que ele distribu�a as frutas que plantava em seu jardim na porta da casa de seus vizinhos. Outros lembravam de seu temperamento forte e imprevis�vel.
Nessa �poca, Barbara se divorciou de Chrzanowski. Sua ex-mulher o descreveu como um homem "brutal" que amea�ou mat�-la.
Mas ela tamb�m disse que nunca registrou o abuso que seu filho sofreu.
A investiga��o dos alem�es trouxe grande al�vio para Kingston. Mas menos de seis meses depois, ele morreu. Ele nunca me disse que havia sido diagnosticado com leucemia.
Sua morte, entretanto, foi seguida por uma carta, que chegou a mim do nada alguns meses depois, na qual ele me deu permiss�o para usar todas as evid�ncias que ele havia coletado.
Eu me perguntei se encontraria algo nessas pastas que pudesse oferecer uma nova perspectiva sobre Chrzanowski e outros colaboradores nazistas.
E ent�o, ao subir em seu s�t�o, encontrei as grava��es de �udio de Chrzanowski, em uma fita cassete chamada "Crimes de Guerra".

Os �udios
Kingston gravou suas conversas com Chrzanowski por v�rios meses em 1994, com a ideia de colaborar com um jornalista de um tabl�ide que pretendia exp�-lo.
O artigo foi publicado, a pol�cia voltou a falar com Chrzanowski. Mas nada aconteceu.
De acordo com Kingston, Chrzanowski n�o se incriminou nas grava��es.
Quando as ouvi, no entanto, um peda�o da conversa chamou minha aten��o.
Escutei Chrzanowski falar de um "segredo ingl�s" que ele n�o deveria revelar.
Suas palavras - em ingl�s r�stico e em frases repletas de erros gramaticais - eram dif�ceis de entender.
Mas Chrzanowski pareceu explicar a Kingston que as autoridades do Reino Unido pediram que ele ficasse quieto.
"Eles n�o querem essa publicidade. Est�o esperando que todos n�s morramos."
"Leve o segredo, mantenha-o com voc� o tempo todo, talvez at� a morte", disse Chrzanowski.
Qual foi esse segredo? Um pequeno fragmento de filme feito uma d�cada depois da guerra nos daria a resposta.
Rosto na multid�o
Olhei centenas de arquivos de filmes para ver se conseguia detectar o rosto de Chrzanowski, mesmo que por um segundo, em lugares que sab�amos que ele havia visitado.
Foi um trabalho �rduo, mas consegui.
Sua imagem n�o apareceu em grava��es da Segunda Guerra Mundial, mas em um lote de material noticioso dos Estados Unidos de mar�o de 1954, oito anos ap�s sua chegada ao Reino Unido.
O filme mostra o campo de tr�nsito de Marienfelde em Berlim Ocidental, onde milh�es de pessoas passaram da Berlim Oriental comunista para a Berlim Ocidental capitalista durante a Guerra Fria.

O narrador americano se refere � cena dizendo que milhares de refugiados est�o fugindo da "tirania vermelha" no Leste Europeu.
E de repente, Chrzanowski aparece, vestindo um sobretudo, caminhando pelo sagu�o de entrada do local.
Por um segundo, ele olha diretamente para a c�mera.
Para ter certeza de que era ele, consultei um especialista em mapeamento facial, Hassam Ugail, da Universidade de Bradford, na Inglaterra.
Ugail usou um software que comparava fotos antigas de Chrzanowski com o homem do filme.
"� definitivamente ele", garantiu.
Chrzanowski disse v�rias vezes a Kingston que nunca havia sa�do do pa�s desde sua chegada em 1946. E Ankier descobriu que ele havia dito a mesma coisa � pol�cia em 1961, quando solicitou a cidadania brit�nica.
E n�o foi s� isso: numa sequ�ncia in�dita deste filme de Marienfelde, conseguimos reconhecer outros quatro homens que estavam na cole��o de fotos de Chrzanowski.
Dois deles foram fotografados com Chrzanowski em Slonim durante a ocupa��o alem�. Nas outras fotos, os homens usavam uniformes militares, talvez de quando lutaram ao lado dos Aliados no final da guerra.
O software busca semelhan�as faciais. Qualquer taxa superior a 70% � considerada uma correspond�ncia precisa. Os testes de Chrzanowski e os outros quatro ficaram acima desse valor.
Por motivos legais, n�o podemos exibir as fotos dos outros quatro homens ou identific�-los. Mas as investiga��es continuam com a ideia de confirmar seus nomes.
Mas a pergunta que podemos nos fazer �: o que esses cinco homens, que claramente se conheciam h� muito tempo, estavam fazendo em Berlim durante a Guerra Fria?
O pr�prio campo de refugiados de Marienfelde pode ter a chave.
Este complexo era um para�so para pessoas que buscavam uma vida melhor no Ocidente.
Mas tamb�m era um antro de espi�es: os refugiados vindos do Oriente eram uma fonte de dados muito �til.
Cassete e �udios
Os �udios revelaram outra poss�vel causa para Chrzanowski n�o ser condenado pelo governo brit�nico.
"As intelig�ncias brit�nica, americana e francesa queriam aprender tudo o que pudessem sobre as for�as sovi�ticas e sobre a Alemanha Oriental", disse Keith Allen, do Instituto Alem�o de Hist�ria Contempor�nea.
Quando apresentamos nossas evid�ncias sobre Chrzanowski e seus colegas a tr�s especialistas em seguran�a e intelig�ncia, eles nos disseram que as provas poderiam apontar para ele operando como espi�o para o Reino Unido.
As habilidades lingu�sticas de Chrzanowski - ele falava russo, alem�o e polon�s - poderiam ter sido �teis na coleta de informa��es sobre as ambi��es nucleares sovi�ticas, disse o pesquisador Steve Vogel.
"Oficiais de intelig�ncia americanos e brit�nicos entrevistaram cientistas alem�es que foram trazidos para trabalhar na Uni�o Sovi�tica", explicou.
Chrzanowski aprendera a operar o r�dio no ex�rcito polon�s no fim da guerra.
E o historiador Stephen Dorril aponta que outras pessoas como ele foram enviadas para a Europa Oriental para estabelecer redes de intelig�ncia.
"Isso � exatamente o que o MI6 (servi�o secreto brit�nico) estava fazendo: sabemos que eles treinaram pessoas", disse Dorril, enfatizando que os servi�os de seguran�a brit�nicos provavelmente sabiam do passado de Chrzanowski com a Pol�cia Auxiliar de Belarus e a Waffen-SS nazista.
"Houve um acobertamento de longo prazo. Algumas dessas pessoas tinham origens realmente horr�veis", esclareceu ele.
O professor Anthony Glees, da Universidade de Buckingham (Inglaterra), disse � BBC que o Reino Unido destriu cerca de 110 mil arquivos no fim dos anos 1980 e in�cio dos anos 1990, que "quase certamente" inclu�am detalhes de colaboradores estrangeiros do regime nazista que mais tarde trabalharam para a intelig�ncia brit�nica.
Quer�amos saber a vers�o do governo sobre esse fato, mas n�o recebemos resposta ao nosso pedido.
A destrui��o dos documentos foi um "acobertamento duplo", diz Gless.
N�o era apenas uma forma de manter em segredo a ajuda que os colaboradores nazistas deram ao governo brit�nico, mas seus crimes de guerra tamb�m foram encobertos.
De acordo com Glees, se eles trabalharam secretamente para o governo do Reino Unido, Chrzanowski e os outros deveriam ter sido protegidos de acusa��es por suas a��es durante a 2ª Guerra Mundial.

"A contrapartida era que n�o haveria processo - era seu passaporte para a liberdade", explicou Glees.
"Se voc� fosse uma pessoa m� [na guerra] e tivesse medo do que poderia acontecer com voc�, quanto mais voc� oferecesse [aos servi�os de intelig�ncia], mais seguro estaria", acrescentou.
Isso poderia explicar por que houve apenas um julgamento por crimes de guerra?
O professor Glees, o historiador Dorril e outros exortam o governo do Reino Unido a seguir os passos CIA (ag�ncia de intelig�ncia dos EUA) e liberar os arquivos restantes relacionados a indiv�duos como Chrzanowski.
Mas nem todos com quem falamos concordaram que Chrzanowski poderia ter sido um espi�o.
Paul Maddrell, historiador da Guerra Fria, nos disse que n�o viu "nenhuma evid�ncia de qualquer conex�o entre [Chrzanowski] e qualquer ag�ncia de intelig�ncia".
Em um comunicado, o Home Office, o Minist�rio do Interior brit�nico, repetiu o que Kingston tinha ouvido na d�cada de 1990: que o CPS havia revisado o caso de Chrzanowski na �poca, mas havia descoberto que n�o havia provas suficientes para prosseguir.
A Pol�cia Metropolitana tamb�m nos disse que n�o havia "evid�ncias s�lidas" sobre isso.
L�deres da comunidade judaica descreveram as novas evid�ncias contra Chrzanowski como "horr�veis e aterrorizantes".
Se ele e outros trabalharam para a intelig�ncia brit�nica, isso � "uma vergonha para a Gr�-Bretanha" e uma "dupla trai��o" para as v�timas da guerra, diz Efraim Zuroff, do Centro Simon Wiesenthal, que enviou a lista de suspeitos nazistas para o governo Thatcher em 1986.
"Muitas dessas pessoas deveriam, e poderiam, ter sido levadas � justi�a", afirma Zuroff.
"� triste que uma das maiores democracias do mundo n�o tenha conseguido process�-los."
Criminoso de guerra

A presidente do Conselho de Representantes Judaico Brit�nico, Marie van der Zyl, observa que isso parece ser um "grande acobertamento" e agora pede uma investiga��o p�blica.
O parlamentar conservador Robert Halfon, que � judeu, planeja convocar o comit� de seguran�a parlamentar para investigar se havia criminosos de guerra nazistas na Gr�-Bretanha "que acabaram trabalhando para a intelig�ncia brit�nica ou qualquer outro �rg�o de Estado".
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Antes de sua morte, John Kingston me disse que lamentava ter passado tanto de sua vida expondo seu padrasto, mas estava aliviado por suas suspeitas serem verdadeiras.
Ele se lembrou da arrog�ncia de Chrzanowski - depois de ser questionado pela pol�cia na d�cada de 1990 - dizendo que tinha a capacidade de convencer qualquer pessoa de que era inocente.
"Me lembro dele dizendo 'Essas pessoas est�o enterradas [em Slonim], elas est�o enterradas e esmagadas. E aqui estou eu vivendo minha vida, de que lado est� Deus?', disse Kingston citando seu padrasto.
"E para mim foi a coisa mais assustadora que j� ouvi."
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