
Os canadenses Andrea Quint Fleck e Troy Winget se conheceram no sal�o de cabeleireiro. Troy era o dono do sal�o e Andrea, uma nova cliente que tinha acabado de se mudar para a cidade.
Eles imediatamente se tornaram amigos, e os assuntos das conversas no sal�o aos poucos se expandiram para al�m do cabelo de Andrea. Eles tinham outros interesses em comum, como as v�rias d�vidas sobre suas origens familiares e a vontade de pesquisar sobre o assunto. E jamais imaginariam que suas descobertas em exames de DNA mudariam, para sempre, sua rela��o.
Ambos relatam os meandros desse caso cheio de surpresas no podcast Que Hist�ria!, da BBC News Brasil, apresentado por Thomas Pappon.
O novo cabeleireiro
Andrea Quint Fleck se mudou, em 2012, com o marido e os filhos pequenos, para a cidade de Calgary, no meio-oeste do Canad�. Uma das primeiras coisas que ela fez foi buscar indica��es de um bom cabeleireiro. Ela tinha orgulho de seu cabelo escuro e grosso e, por ser ex-modelo de penteados, fazia quest�o de ter o melhor.
"Quando me mudei pra Calgary, tinha um conhecido, Trevor, que tinha um cabelo incr�vel", contou Andrea ao programa Outlook, da BBC. "Perguntei quem cuidava do cabelo dele, e ele me recomendou seu amigo Troy. Ele disse que Troy tinha alguns sal�es de beleza e tinha acabado de abrir um perto da minha casa. Marquei uma hora e foi assim que tudo come�ou."
Para Troy Winget era praxe dar aten��o especial a novos clientes, garantir uma boa impress�o inicial e, assim, conheceu Andrea pessoalmente.
"Eu sempre pergunto, 'como � que voc� ouviu falar na gente?'. 'Por que resolveu vir aqui?'", contou Troy, tamb�m ao Outlook. "A� fa�o v�rias perguntas sobre seu estilo de vida. E, aos poucos, tento ver se ela est� confort�vel comigo."
"Nessa primeira consulta", disse Andrea, "eu saquei que seria cliente de Troy por um bom tempo." "Ap�s o primeiro corte, j� pensava 'tomara que ele n�o se aposente t�o cedo'. A conversa flu�a superbem. E, logo, a ida ao cabeleireiro passou a ser como visitar um amigo."
Enigmas do passado
Troy era cabeleireiro havia v�rios anos. Ele nasceu em Calgary, seus pais eram Maxine e Don.
"Don era do Ex�rcito canadense", disse Troy. "Quando ficou gr�vida, minha m�e tinha 16 anos e ele, 18. Minha av� disse 'ou voc� se casa ou voc� d� o beb�' — que era eu — 'para ado��o'. Eles se casaram e ela me teve, aos 17 anos. Mas Don tinha sido enviado para fazer parte de for�as de paz (canadenses) no Chipre, onde havia um conflito entre turcos e gregos cipriotas. E minha m�e praticamente me criou sozinha, como m�e solteira."
Os pais de Troy se separaram quando ele ainda era pequeno. Troy ficou com a m�e. Don, o pai, se casou de novo e se mudou para o outro lado do Canad�. Troy tinha pouco contato com ele. Mas quando estava com sete anos, a m�e passou por dificuldades e enviou o filho para passar um tempo com Don.
"Minha m�e me colocou num avi�o", ele conta. "Eu ia ficar com meu pai, com quem nunca tivera uma rela��o. Estava bem ansioso e animado. Eu nunca esque�o quando cheguei a Toronto, e Don foi me buscar no aeroporto. Achei estranho o comportamento ele. Ele andava na minha frente, n�o interagia comigo. Um m�s depois fui mandado de volta para minha m�e. Ele se afastou completamente de mim. Foi um mist�rio. Nunca me disseram por qu�."
Tamb�m houve mist�rios na hist�ria de Andrea. Seu pai, Erik Quint, tinha sido adotado e ela sempre ficou intrigada com a origem dele, especialmente ao encontrar um artigo de jornal de 1943 sobre a ado��o.
"Minha av� era uma socialite e volunt�ria de v�rias causas", disse Andrea. "Ela estava trabalhando em um comit� ligado a uma escola, onde um assistente social fez uma apresenta��o sobre ado��o. Ele estava contando como era dif�cil conseguir que algumas crian�as em particular fossem adotadas. E deu como exemplo meu pai, dizendo que o lugar de onde veio, sua etnia, o tornariam indesejado para ado��o. Era um beb� de pele e cabelo escuros, olhos castanhos. Achavam que tinha origem parte judia e parte ind�gena americana. Hoje em dia uma ado��o internacional � algo de certa forma comum, mas na �poca, em 1943, as pessoas n�o queriam adotar crian�as que fossem muitos diferentes dos pais adotivos."
"Minha av�, ent�o com 60 anos, disse 'Eu adoto esse beb�!'. O assistente social disse que n�o seria poss�vel. Provavelmente pensou que ela era velha demais ou louca (risos)... Mas minha av� insistiu. Quando chegou em casa disse a seu marido que queria adotar o beb�. E como ele era uma pessoa influente na comunidade e pela determina��o dela, eles conseguiram adotar meu pai."
Troy, por sua vez, passou duas d�cadas intrigado com o comportamento do homem que achava ser seu pai. E aos 27 anos, resolveu ligar para Don, para saber por que o pai o havia enviado de volta � sua m�e e depois cortara o contato com ele.
"Ele disse: 'Tenho que te dizer Troy. Quando voc� saiu do avi�o, assim que olhei para voc�, eu vi que voc� n�o era meu filho. Lamento estar te contando isso agora. Mas eu disse isso para sua m�e na �poca e me dispus a fazer um teste de DNA. Eu parei de pagar pens�o e me conformei com o fato de que voc� n�o era meu filho porque tua m�e nunca me pediu para fazer o teste e provar que eu era seu pai. E eu ainda aceito fazer o teste de DNA'."
Don nunca fez o teste e Troy achou que n�o seria uma boa ideia pressionar a m�e pela verdade. Ele decidiu deixar o assunto de lado. Mas ele continuava acompanhando a vida de Don pelo Google, at� chegar a um obitu�rio dele, em 2011. Esse obitu�rio dizia que Don tinha deixado tr�s filhos, todos do seu segundo casamento. Troy ficou fora.
A trilha do DNA
Por raz�es diferentes, tanto Andrea como Troy, quando se conheceram, j� estavam pensando em fazer exames de DNA para saber mais sobre suas origens. E aos poucos, o assunto foi entrando nas conversas no sal�o.
"A gente conversava sobre nossas fam�lias", conta Andrea. "Disse a Troy que meu pai tinha sido adotado e ele mencionou que sua mulher tamb�m tinha sido adotada e que tinha feito um teste de DNA, para saber mais sobre de onde veio e de onde era sua fam�lia. E eu disse: 'que interessante, eu tamb�m estava pensando em fazer um teste, porque meu pai foi adotado e eu adoraria saber mais da minha origem �tnica, e eventualmente conhecer parentes biol�gicos'. E meu pai deu for�a nisso. Ele dizia 'isso � fant�stico, vai fundo, voc� nunca sabe o que pode descobrir."
Troy tinha ganhado um kit de DNA de sua mulher em um Natal, mas levou quatro anos para fazer o exame. Acabou que ele e a cliente Andrea fizeram o teste de DNA e receberam os resultados mais ou menos na mesma �poca. Andrea recebeu primeiro, na �ltima semana de 2018.
"O teste confirmou que eu era judia", disse ela, "mas, em vez de indicar que eu era parte ind�gena, eu era parte chinesa, vietnamita e uma pequena parte tailandesa. Essa foi a descoberta mais interessante: que eu tamb�m sou asi�tica."
Troy: "A gente se via a cada seis semanas, mas era amigo no Facebook. E eu lembro quando recebi o resultado de responder a ela dizendo 'Hey, eu tamb�m sou parte asi�tico, n�o � louco isso? E judeu tamb�m!'"

Andrea e Troy tinham a mesma porcentagem de DNA judeu e asi�tico, mas n�o deram muita bola para isso, achavam que muita gente devia ter um desenho gen�tico parecido. Mas, pouco tempo depois, atrav�s de cruzamentos no banco de dados da empresa de DNA, Andrea fez uma descoberta preciosa: encontrou um tio, meio-irm�o de seu pai, chamado P.J. Lennon.
Ela passou horas ao telefone conversando com o tio. Ele contou de sua inf�ncia dif�cil, disse que tinha outros irm�os e irm�s, mas que o pai de Andrea havia sido o �nico entregue para ado��o. Dias depois, P.J. ligou para contar a Andrea que tinha acabado de encontrar, no banco de dados, outra pessoa com um perfil de DNA bem pr�ximo deles.
"Ele disse que essa pessoa tamb�m vivia em Calgary, e que tinha uma rela��o gen�tica pr�xima com P.J. e comigo, portanto, deveria ser um primo ou um sobrinho. Alguns minutos depois ele me passou uma mensagem dizendo que estava mandando uma foto dessa pessoa. E quando abri a foto... era o Troy!"
Troy contou que conversara por cerca de 45 minutos com P.J. pelo telefone. "Ficamos falando da fam�lia. Eu estava tremendo. Me perguntou se podia passar minha foto para essa sobrinha que ele tinha descoberto em Calgary. Dois minutos depois ele me liga de volta dizendo 'Meu Deus, Troy! Ela te conhece. Ela � tua cliente!' Eu comecei a perguntar 'Qual o nome dela? Qual o nome dela?' E ele disse, 'vou fazer uma teleconfer�ncia'. E era Andrea. Ficamos chorando, rindo, foi muito emocionante, com muitas risadas."
Andrea e Troy descobriram que eram meio-irm�os. Que Erik, o pai de Andrea, era o pai de Troy. Erik n�o lembrava da m�e de Troy e n�o tinha ideia de que tinha tido um filho com ela 15 anos antes de Andrea nascer. Eles aparentemente tinham tido um breve encontro antes de Erik conhecer a m�e de Andrea.
"Tivemos alguns encontros cheios de emo��o", relatou Troy. "Quando apresentei Andrea � minha m�e, ela chorou muito. No dia de A��o de Gra�as, levei minha m�e a casa de Andrea para se encontrar com a fam�lia dela. Foi muito emocionante. E tiro o chap�u para Karen, a m�e de Andrea, que sempre foi aberta e carinhosa comigo."
"Para ela, Troy � como um filho", acrescentou Andrea.
Andrea encontrou um meio-tio e um meio-irm�o. Troy encontrou um meio-tio, uma meia-irm�, um meio-irm�o (o irm�o de Andrea) e seu pai biol�gico.
E Andrea ainda ganhou um b�nus, pois, segundo Troy, "agora ela ganha cortes e pinturas de cabelo de gra�a".
Como ouvir o podcast
A segunda temporada de Que Hist�ria!, produzida e apresentada por Thomas Pappon, cont�m dez epis�dios, disponibilizados semanalmente nas principais plataformas de podcast, como Apple, Spotify, Overcast e Castbox.
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