
Os frequentadores do famoso bar Stonewall Inn, no bairro de East Village, em Nova York, se surpreenderam na virada de 2018 para 2019 ano quando uma m�e e seu filho adolescente subiram ao palco do local ap�s a meia-noite para apresentar um n�mero musical.
Antes de entoar os versos de Material Girl com David Banda, seu filho de 13 anos ao viol�o, Madonna fez um discurso explicando por que estava ali naquela noite de R�veillon.
"Estou aqui orgulhosamente no lugar onde o Orgulho come�ou, o lend�rio Stonewall Inn, no nascimento de um novo ano. Unimo-nos esta noite para celebrar os 50 anos da revolu��o!", falou, gravada por muitos celulares. "Nunca vamos nos esquecer dos motins de Stonewall e daqueles que se levantaram e disseram 'Basta!'"
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E prosseguiu: "Nossos irm�os e irm�s antes de n�s n�o eram livres para celebrar como estamos fazendo hoje � noite, e nunca devemos esquecer isso. Stonewall foi um momento decisivo na hist�ria, catapultando os direitos LGBT em conversas p�blicas e despertando o ativismo gay".
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O orgulho o qual a cantora se referia era o gay e a revolu��o, a revolta de Stonewall.
Esse evento ocorrido no bar Stonewall Inn em Nova York, nos EUA, em 28 de junho de 1969, � considerado o marco do movimento de libera��o gay e o momento em que o ativismo pelos direitos LGBT ganha o debate p�blico e as ruas.� por causa da revolta de Stonewall que o orgulho LGBT (L�sbico, Gay, Bissexual, Transexual, Travesti) � celebrado em junho - o Dia do Orgulho � na mesma data em que aconteceu o levante em Nova York, no 28.
Entre junho e julho, as principais cidades do mundo apresentam suas paradas gay, com multid�es nas ruas levantando a bandeira do arco-�ris (s�mbolo do orgulho LGBT).
No primeiro ano da revolta de Stonewall, houve manifesta��es LGBT em Nova York, Los Angeles, San Francisco e Chicago, para relembrar a data. Em Nova York, os manifestantes caminharam 51 quarteir�es, do East Village at� o Central Park. No ano seguinte, a marcha para relembrar Stonewall chegaria � Europa, acontecendo tamb�m em Londres, em Paris, na parte ocidental de Berlim e em Estocolmo.
Neste ano, as principais paradas gay do mundo - como a de S�o Paulo, que aconteceu no dia 23 de junho - decidiram homenagear os 50 anos do acontecimento dessa revolta.

"Stonewall funda um novo tipo de movimento LGBT. Criou essa ideia do orgulho, das pessoas LGBT ocupando o espa�o p�blico, assumindo suas identidades e se orgulhando dessas identidades e de pr�ticas de sexualidade e de g�nero", afirma � BBC News Brasil Renan Quinalha, professor de direito da USP (Universidade Federal de S�o Paulo), ativista de direitos humanos e um dos autores do livro A Hist�ria do Movimento LGBT no Brasil.
Mas o que foi a revolta ou rebeli�o de Stonewall, citada inclusive pelo ex-presidente dos EUA Barack Obama em seu discurso de posse?
O bar Stonewall Inn
Na Nova York daquele ano de 1969, o bar Stonewall Inn, no East Village, era ponto de encontro dos marginalizados da sociedade - em sua maioria, gays.
At� 1962, rela��es entre pessoas do mesmo sexo eram consideradas crime em todos os Estados americanos. Naquele ano, pela primeira vez, um Estado, o de Illinois, alterou seu C�digo Penal e a homossexualidade deixou de ser crime. Apenas em 1972 outros Estados come�aram a fazer a mesma coisa. Em Nova York, isso aconteceria nos anos 1980. Somente em 2003 essa lei seria abolida de vez.
Nos anos 1960, o Stonewall Inn era um dos mais conhecidos bares gay de Nova York.
Diferentemente de outros lugares que tamb�m recebiam o p�blico LGBT na cidade, ali a maioria dos frequentadores eram jovens da periferia, sem-teto (muitos que haviam deixado suas fam�lias por causa de preconceito, segundo relatos em livros) e drag queens.
A pol�cia fazia vista grossa ao estabelecimento porque seus donos, que tinham rela��o com a m�fia, pagavam propina para que ele funcionasse. Estes donos tamb�m aproveitavam para chantagear os frequentadores famosos ou com mais dinheiro.
O local n�o tinha licen�a para a venda de bebida alco�lica e n�o respondia a uma s�rie de outras regulamenta��es como ter sa�da de emerg�ncia. E v�rias batidas policiais estavam sendo feitas em bares naquela �poca, principalmente para controlar quem podia vender �lcool.

Revolta ou Rebeli�o de Stonewall
Na madrugada do dia 28 de junho de 1969, a pol�cia resolveu fazer mais uma batida no bar. Era a terceira vez em um espa�o curto de tempo que policiais faziam essa a��o em bares gays daquela �rea.
Nove policiais entraram no local e, sob a alega��o de que a venda de bebida alco�lica era proibida ali, prenderam funcion�rios e come�aram a agredir e a levar sob cust�dia alguns frequentadores travestis e ou drag queens que n�o estavam usando ao menos tr�s pe�as de roupa "adequadas" a seu g�nero, como mandava a lei.
Treze pessoas foram detidas. Algumas, ao serem levadas para a viatura, decidiram provocar os policiais fazendo caras e bocas para a multid�o. A pol�cia ent�o come�ou a usar de mais viol�ncia para faz�-las entrar nos carros.
A partir daquele momento, a multid�o fora do Stonewall Inn come�ou a jogar moedas nos policiais e, em seguida, garrafas e pedras. Tamb�m tentaram virar de cabe�a para baixo uma viatura.
Os policiais fizeram uma esp�cie de barricada para se defender dos manifestantes e acabaram sendo encurralados dentro do bar.
Algu�m atirou um peda�o de jornal com fogo dentro do Stonewall Inn, e come�ou um inc�ndio. Os policiais, que usavam uma mangueira para conter as chamas, decidiram tamb�m usar aquela �gua contra a multid�o.
A partir deste momento, parte da comunidade gay de Nova York, que at� ent�o se escondia, foi �s ruas protestar nos arredores do Stonewall Inn durante seis dias.
Pela manh�, quando o �ltimo policial deixou o Stonewall Inn, a ger�ncia do bar colocou um aviso de que o local voltaria a funcionar normalmente, e assim o fez. Mas os manifestantes foram para as ruas novamente protestar por seus direitos naquela e nas noites seguintes.
Os manifestantes demonstravam orgulho de ser quem eram e provocavam a ordem e a pol�cia, como relata o jornalista Lucian Truscott IV, na reportagem sobre a revolta publicada no jornal Village Voice. "M�os dadas, beijos e poses acentuavam cada um dos aplausos com uma liberta��o homossexual que havia aparecido apenas fugazmente na rua antes", escreveu ele.
Em 2015, a Prefeitura de Nova York tornou o bar monumento hist�rico da cidade. Um ano depois, o ex-presidente Barack Obama decretou que o bar seria o primeiro monumento nacional aos direitos dos LGBTQ.

Import�ncia para o movimento LGBT
A revolta ou rebeli�o de Stonewall foi um momento decisivo para o movimento de libera��o gay. Seis meses ap�s ela ocorrer, surgiriam as primeiras organiza��es nos EUA, como a Frente de Libera��o Gay.
"Essa revolta acabou assumindo a imagem de um mito fundador pro movimento LGBT", diz Renan Quinalha, da USP.
"N�o foi a primeira vez que houve ass�dio e viol�ncia policial contra a popula��o LGBT. Esse � um problema cr�nico. � constitutivo da identidade LGBT essa rela��o com a viol�ncia de Estado, a viol�ncia LGBTf�bica dilu�da na sociedade."
Segundo Quinalha, o contexto hist�rico daquele momento nos Estados Unidos contribuiu para o levante em Stonewall.
"Stonewall re�ne singularidades importantes. Acontece em 1969 ap�s o movimento de liberta��o sexual, com uma s�rie de condi��es espec�ficas de Nova York, uma sociedade extremamemnte desenvolvida com uma s�rie de contradi��es naquele momento. E acontece numa regi�o do East Village que de fato era um bols�o, onde havia uma diversidade grande de pessoas, de migrantes, de latinos. Havia tamb�m (� �poca) um caldeir�o em rela��o � desigualdade. Teve tamb�m a quest�o da mobiliza��o contra a Guerra do Vietn�", explica.
"Uma s�rie de condi��es faz com que Stonewall vire um epis�dio signficativo e bastante singular em rela��o ao que havia antes (no movimento LGBT). Havia lutas e resist�ncia anteriores, havia o Mattachine Society, em S�o Francisco."
Stonewall repercutiu no Brasil?
Quando a revolta de Stonewall aconteceu, o Brasil passava por um dos piores momentos da ditadura militar. Menos de um ano antes, em dezembro de 1968, havia sido outorgado o Ato Institucional nº 5, que retirava uma s�rie de liberdades civis e de direitos individuais e que fez aumentar a censura.
Naquele momento, Stonewall n�o fazia sentindo nenhum para o Brasil, segundo Quinalha. "A ditadura acabou atrasando em dez anos a emerg�ncia do movimento LGBT no Brasil", fala.
"Era um per�odo de emerg�ncia de movimentos LGBT em pa�ses latinos e o Brasil tamb�m poderia (fazer parte), porque tinha condi��es pra que emergissem esses grupos, mas isso acaba n�o acontecendo por conta da repress�o"
O autor e ativista diz que apenas em 1978 come�a uma organiza��o mais efetiva do movimento LGBT no pa�s, no per�odo de liberaliza��o da ditadura.
Quinalha tamb�m conta que n�o havia um local no Brasil como o Stonewall Inn, que reunisse a comunidade daquela maneira. "Havia lugares de sociabilidade LGBT, de pega��o, de intera��o, mas n�o havia um lugar que centralizasse tudo isso."
Do ponto de vista simb�lico, no entanto, ele acredita que alguns epis�dios ocorridos no pa�s possam ter uma esp�cie de v�nculo com Stonewall. Por exemplo: quando no Dia do Trabalho de 1980 um grupo LGBT se une � classe trabalhadora num ato do movimento sindical, que estava sob interven��o da ditadura, na Vila Euclides, em S�o Bernardo do Campo (SP).
O outro aconteceria em 13 de junho de 1980, quando v�rias pessoas protestaram contra a viol�ncia policial e o delegado Jos� Wilson Richetti, que comandava a��es de repress�o. "Foi uma apari��o p�blica forte do movimento LGBT."
'Pequeno Stonewall Inn' brasileiro
Quatorze anos depois da revolta de Stonewall haveria uma rela��o mais direta daquele evento com o movimento LGBT brasileiro. Em 19 de agosto de 1983, um protesto que ocorreria em um bar frequentado por mulheres gay em S�o Paulo, o Ferros's Bar, ganharia o nome de "O pequeno Stonewall Inn" brasileiro.
Na v�spera, o dono do bar no centro de S�o Paulo (anos depois o local abrigaria outro famoso ponto da noite paulistana, o Xingu), que era refer�ncia para a comunidade l�sbica, havia chamado a pol�cia e impedido algumas mulheres de vender no local uma publica��o chamada "ChanacomChana", porque esta "atentava contra os bons costumes".
No dia seguinte, v�rias frequentadoras e ativistas invadiram o Ferro's para ler ali um manifesto em defesa dos direitos das l�sbicas.
Em 2003, a data deste protesto, 19 de agosto, se tornaria o Dia do Orgulho L�sbico no Brasil.
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