
At� hoje, esse sonho foi realidade para mais de 700 pessoas — a grande maioria, astronautas e cosmonautas em miss�o. Por�m, em 2001, a era do turismo no espa�o foi inaugurada, com a viagem do empres�rio norte-americano Denis Tito � Esta��o Espacial Internacional, a bordo da nave russa Soyuz TM32. O bilhete custou US$ 20 milh�es.
De l� at� o ano passado, sete pessoas pagaram para ver o planeta do alto. A elas juntou-se, na semana passada, Richard Branson, CEO da Virgin Galactic, que inaugurou uma nova era nesse tipo de tour ao voar em um avi�o espacial desenvolvido para fins civis — as incurs�es anteriores foram realizadas em naves do programa espacial russo. Agora, � a vez do bilion�rio Jeff Bezos, dono da Amazon e fundador da Blue Origin, ultrapassar a linha de K�rm�n, a �ltima fronteira antes do espa�o.
Bezos embarca em sua c�psula aut�noma na ter�a-feira, acompanhado do irm�o, Mark, e de Oliver Daeme, um jovem de 18 anos cujo pai pagou US$ 28 milh�es em um leil�o para garantir a passagem. A tripula��o vai al�m de Branson, que chega a 89km de altitude — 11km a menos da linha de K�rm�n. O magnata da Blue Origin far� um voo orbital, ultrapassando 100km de altitude, o que justifica o pre�o bem mais alto do que o cobrado pela Virgin Galactic (US$ 250 mil, com lista de espera e todas as vagas preenchidas at� 2024).
As reservas dos voos n�o s�o, contudo, garantia de que, finalmente, o turismo espacial decola em grande escala. “Um acidente pode desacelerar qualquer planejamento”, pondera Robert Goehlich, professor da Universidade Mundial Aeron�utica Embry-Riddle, na Fl�rida. O Congresso norte-americano decidiu, por exemplo, que os turistas espaciais viajam por sua conta e risco. Em 2004, foi aprovada uma lei determinando que a ind�stria da avia��o espacial civil � autorregulat�ria. No Brasil, pa�s cujo �nico representante a ultrapassar a linha de K�rm�n foi o atual ministro de Ci�ncia e Tecnologia, Marcos Pontes, em uma miss�o � Esta��o Espacial Internacional em 2006, n�o h� legisla��o a respeito.
Al�m de segura, segundo Goehlich, para se consolidar, a modalidade precisa ser lucrativa. Apesar da longa lista de gente interessada na viagem, s� com o tempo ser� poss�vel avaliar se os ganhos ultrapassar�o os custos alt�ssimos de se investir no ramo — estima-se que Bezos gaste US$ 1 bilh�o por ano com a Blue Origin. Mas, a julgar pela quantidade de ag�ncias de turismo se especializando na �rea, como a Axiom, parceira da Space X (leia mais nesta p�gina), h� grandes expectativas de que os ganhos sejam bem maiores do que os investimentos.
Aquecimento global
Por fim, Robert Goehlich destaca a import�ncia de o turismo espacial ser verde. “No longo prazo, pensando em um mercado de turismo espacial de massa, certamente os aspectos de sustentabilidade ter�o um papel mais dominante.” Em 2010, um estudo publicado na revista Geophysical Research Letters acendeu a luz amarela, ao indicar que as viagens de lazer para fora da Terra poderiam aumentar o aquecimento global.
A pesquisa, financiada pela Ag�ncia Espacial Norte-Americana (Nasa) e pela Corpora��o Aeroespacial, dos EUA, simulou o impacto de mil lan�amentos suborbitais (como o voo da Virgin) de foguetes h�bridos de uma �nica base. Os c�lculos indicaram que a a��o liberaria 600t de carbono negro — poluente resultante da queima de combust�vel f�ssil — na estratosfera. Como consequ�ncia, a temperatura poderia diminuir 0,4ºC nos tr�picos, mas aumentar de 0,2ºC a 1ºC no Hemisf�rio Norte. A camada de oz�nio tamb�m seria afetada, indicou o estudo.
Est� nos planos da Virgin Galactics, por exemplo, fazer 400 voos por ano, mais de um por dia. “O impacto global de 400 lan�amentos de foguetes por ano � desconhecido. A s�rie de modelos necess�rios para investigar esse cen�rio n�o foi executada. Na verdade, apenas um modelo detalhado de emiss�es de part�culas de carbono negro por foguetes j� foi feito. Esse esfor�o solit�rio forneceu pistas surpreendentes, embora ainda n�o verificadas”, diz Martin Ross, um dos autores do estudo, publicado na Geophysical Research Letters, e pesquisador da Corpora��o Aeroespacial.
Segundo ele, em 2010, ano da publica��o, um cen�rio com 600t de emiss�o foi considerado especulativo. “Hoje, esse cen�rio pode ser considerado razo�vel. A uma taxa de 400 lan�amentos anuais, a emiss�o estratosf�rica de carbono negro pode chegar a 800t por ano, e a emiss�o do composto alumina (assumindo o uso de propelente relativo inalterado) pode se aproximar de 5 mil toneladas por ano”, adverte.
Planos de fazer filmes
Ao que tudo indica, a ind�stria do turismo espacial est� disposta a correr riscos financeiros, de seguran�a e de sustentabilidade. H� um s�lido calend�rio de viagens pr�ximas, sendo algumas das mais caras organizadas pela Space X, do magnata Elon Musk. A empresa fundada em 2002 presta servi�os � Nasa, enviando materiais e astronautas � Esta��o Espacial Internacional. Agora, se nada der errado, tamb�m vai mandar para a esta��o tripula��es compostas 100% por civis.
Os tours organizados por Musk, que tamb�m t�m como destino a Esta��o Espacial Russa, s�o os mais caros at� agora. A passagem custa US$ 55 milh�es, e n�o falta quem esteja disposto a pagar. Um deles, o diretor de cinema russo Klim Shipenko, j� est� com data marcada para conhecer o polo de explora��o espacial de Moscou. Artistas hollywoodianos, como Tom Cruise e Leonardo di Caprio, j� demonstraram interesse em filmar no espa�o, mas, at� agora, nenhum dos dois comprou passagem — ou, ao menos, n�o anunciou ter feito o investimento.
Benef�cios
Se o espa�o parece o novo playground dos bilion�rios, a verdade � que a avia��o civil espacial traz uma s�rie de benef�cios para os terr�queos. A tecnologia empregada na proje��o e na constru��o das naves e foguetes poder� inspirar avi�es mais seguros e eficientes, por exemplo. Al�m disso, assim como ocorreu com a miss�o Apollo, que mandou o homem � Lua, equipamentos como sat�lites, c�meras e computadores de bordo tamb�m ter�o impactos diretos no dia a dia da Terra.
Embora criada para fins de turismo, a Virgin Galactic, por exemplo, tamb�m pretende utilizar seu foguete, o LaucherOne, para colocar em �rbita, por custos mais acess�veis, sat�lites comerciais e governamentais. S� de motores, a Blue Origin j� desenvolveu seis, com tecnologias distintas. Cientistas de diversas universidades norte-americanas t�m realizado experimentos na companhia, que ser�o aplicados n�o apenas nos voos tur�sticos, mas em miss�es cient�ficas, como o retorno do homem � Lua, empreitada da Nasa, com a colabora��o da companhia de Jeff Bezos.
“Miss�es de passeio s�o excelentes oportunidades para testar o hardware de voo e conduzir experimentos reais no espa�o”, diz Steve Arnold, vice-executivo de Divis�o Civil Espacial do Laborat�rio de F�sica Aplicada da Universidade Johns Hopkins e um dos parceiros da Blue Origin. “Como podem ser realizadas com mais frequ�ncia e baixo custo, essas miss�es menores fornecem experi�ncias valiosas de treinamento para a pr�xima gera��o de cientistas espaciais, engenheiros e gerentes de programa”, explica.