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Estado de Minas VIOL�NCIA DOM�STICA

'Se teu marido te agride, voc� pode fugir, mas n�o se � meu pr�prio filho'

Ser pai ou m�e de uma crian�a violenta � uma experi�ncia traum�tica - e muitas vezes ocultada


13/08/2021 09:42 - atualizado 13/08/2021 10:28


Mãe relata abusos sofridos por parte do próprio filho e conta como é difícil evitar a situação(foto: BBC)
M�e relata abusos sofridos por parte do pr�prio filho e conta como � dif�cil evitar a situa��o (foto: BBC)

Em meados do ano, Aidan (nome fict�cio) decidiu que queria matar a cadela da fam�lia. Ele atraiu o animal para tr�s do sof� de casa com uma salsicha e colocou as m�os sobre sua focinheira e ao redor de seu pesco�o. "A coisa mais maluca � que ele, na verdade, ama o cachorro e a mim mais do que qualquer outra pessoa", diz a m�e de Aidan, Hazel (nome tamb�m fict�cio).

"Mas somos n�s dois que ele justamente tem como alvo mais frequente, e �s vezes ele machuca (a cadela) para ver como eu vou reagir."

Aidan d� chutes e bate, e antes costumava morder. Diz a Hazel que a odeia e quer que ela morra, e que vai conseguir uma arma para atirar nela. J� tentou empurr�-la da escada e descobriu pontos cegos na vis�o da m�e (que � deficiente visual), de modo que consegue atirar objetos na dire��o dela sem que ela perceba.

"� um comportamento abusivo, de bullying", desabafa Hazel. "Sinto que estou numa rela��o de viol�ncia dom�stica. Voc� diz que se o seu marido te bater, vai larg�-lo, mas como vai fazer isso com seu filho? Voc� � ao mesmo tempo o protetor e a v�tima da crian�a."

A maioria dos pais nunca ter� de se preocupar em ser atacada por uma crian�a violenta, mas, quando isso acontece, surge um dilema: ao mesmo tempo em que n�o podem deixar o filho � pr�pria sorte, eles temem que buscar ajuda gere repercuss�es para o futuro da crian�a. Pesquisas indicam que esse problema � ocultado e mais comum do que se imagina.

No caso de Hazel, todas as facas da casa ficam trancadas longe do alcance de Aidan desde que ele pegou uma delas e foi atr�s de um membro da fam�lia. Ele tamb�m j� recorreu a outros objetos pontiagudos, como tesouras e cortadores de unha. "Tudo leva � viol�ncia", lamenta a m�e.

"Ele � interessado em viol�ncia e v� viol�ncia em qualquer situa��o. N�o podemos assistir a programas infantis porque ele gosta de reencenar qualquer pedacinho que contenha viol�ncia."

Acessos de viol�ncia

Aidan foi adotado por Hazel e seu marido aos 4 anos de idade, e ela diz que desde ent�o convive com seus acessos de viol�ncia, embora achasse que fossem passar com o tempo.

Aos 5 anos, ele fez com que uma professora da escola fosse hospitalizada duas vezes — a primeira delas ao chut�-la no rosto, quando ela se agachou para pegar um objeto que ele havia jogado. A equipe da escola foi treinada para conter Aidan de modo seguro quando ele tinha acessos de viol�ncia, �s vezes por quase uma hora.

Hazel lembra da primeira vez que o viu depois de uma dessas conten��es. "Ele estava sentado num sof� suado, tremendo — foi terr�vel", conta. "Sentei e abracei meus joelhos, em posi��o fetal."

Hazel se questiona hoje a respeito das t�cnicas de conten��o usadas na escola, embora n�o saiba ao certo que outra maneira haveria para lidar com os acessos de viol�ncia do filho. "Deve ter sido traumatizante para ele, mas sei como ele era violento", afirma. "Eu via os hematomas nas assistentes de professoras, e n�o sei que outro modo elas teriam para se manterem seguras."

A escola criou uma sala acolchoada que virou um espa�o seguro para levar Aidan quando ele colocava a si mesmo ou outros em perigo.O problema � que "ele passou a ser levado para l� todos os dias", conta Hazel. "E ficava t�o nervoso que quebrou o vidro refor�ado da porta tr�s vezes." At� que a escola disse que n�o dava mais conta de cuidar de Aidan.

Milhares de casos por ano

Em 2010, pesquisadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, fizeram a primeira an�lise de que se tem conhecimento sobre dados de viol�ncia de crian�as contra os pais no Reino Unido, e identificou 1,9 mil registros em Londres durante um per�odo de 12 meses.

A l�der do projeto, Rachel Condry, que � professora de Criminologia, estima que, em territ�rio brit�nico, haja milhares de casos anualmente, a maioria dos quais nunca ser� registrado oficialmente. "� um problema oculto — muitos pais sentem que n�o podem levar o caso � pol�cia, ou n�o recebem nenhuma ajuda ou n�o encontram nenhum servi�o (p�blico adequado)", diz ela.

Condry conta ter ouvido de muitos pais que eles convivem por anos com a viol�ncia antes de denunciar o ocorrido a autoridades — e s� fazem isso quando realmente se sentem em perigo. "Eles ficam muito preocupados, e com raz�o, quanto a criminalizar seus filhos e quanto �s consequ�ncias."

At� o estudo de Condry, havia poucas pesquisas sobre esse tipo de viol�ncia — ou at� mesmo consci�ncia sobre sua exist�ncia. "N�o constava em nenhum website, nenhuma pol�tica governamental — n�o havia men��es a isso em lugar algum", diz.

"Mas quando eu falava com pessoas que atendem crian�as e fam�lias em todos os tipos de �reas (brit�nicas), essas pessoas me contavam se deparar com casos do tipo o tempo todo. Era um sil�ncio muito interessante."

"Eles (pais) sentem uma vergonha muito grande", diz Helen Bonnick, ex-assistente social que escreveu um livro sobre a viol�ncia entre filhos e pais. "Se voc� � um pai ou m�e, seu papel � criar a crian�a para se tornar um membro respons�vel da sociedade e um ser humano amoroso. Quando isso d� errado, as pessoas sentem que fracassaram. N�o querem falar a respeito. E como ningu�m fala a respeito, a pessoa sente ser a �nica vivendo aquilo."

Assim como o abuso dom�stico e a viol�ncia conjugal, a viol�ncia praticada pelos filhos contra os pais afeta pessoas de todas as classes sociais, ricos e pobres, e seria errado supor que acontece apenas quando h� crian�as que ficaram em orfanatos.

Na verdade, Michelle John, da institui��o Parental Education Growth Support, especializada na viol�ncia de filhos contra os pais, diz que sua organiza��o ajuda mais fam�lias biol�gicas do que adotivas.

Assim como acontece na fam�lia de Hazel, � mais prov�vel que as m�es sejam os alvos. "As mulheres t�m muito mais probabilidade de serem v�timas de viol�ncia dom�stica de todos os tipos, e esse � o caso aqui tamb�m", diz Rachel Condry. "Embora aconte�a com os pais, a viol�ncia de filhos contra m�e � a forma mais comum."


Estatisticamente, as mães são mais propensas a sofrer violência por parte dos filhos do que os pais(foto: BBC)
Estatisticamente, as m�es s�o mais propensas a sofrer viol�ncia por parte dos filhos do que os pais (foto: BBC)

Agora, nenhuma escola local aceita Aidan — todas as unidades especializadas o rejeitaram ou o expulsaram. A mais pr�xima que o aceitou fica a meia hora de carro e tamb�m n�o � capaz de atender �s suas necessidades complexas. "Eles est�o contendo ele, mas nada est� sendo resolvido", diz Hazel. "O garoto ainda est� lutando."

Academicamente, ele j� est� tr�s ou quatro anos atrasado em rela��o �s outras crian�as da mesma idade, embora sua caligrafia seja bonita. Hazel pagou por sess�es de treinamento para aprender t�cnicas que ela pode usar para diminuir o comportamento violento de Aidan, para evitar ser ferida. Uma t�tica � segurar uma grande almofada do sof� para evitar que Aidan seja capaz de machuc�-la.

"Na primeira vez, ele pegou (a almofada) da minha m�o e me atingiu com ela", lembra Hazel, "ent�o pensei: 'Ok, preciso segurar com mais for�a'. Na segunda vez, funcionou muito bem — consegui coloc�-la entre n�s, e ele ficava socando e chutando, tentando contornar, mas n�o conseguia."

Hazel destaca que seu filho n�o � mau, mas age assim por causa de traumas que aconteceram em seu passado — e n�o � culpa dele. "Mesmo que pare�a que ele � um agressor, ele n�o � — ele n�o consegue evitar", diz ela. "Ele �, na verdade, um menino de natureza doce — � ador�vel e engra�ado, e n�s nos amamos."

Mas a tens�o gerada por tudo isso a for�ou a largar o emprego. Sua sa�de piorou — ela teve herpes repetidamente e pneumonia mais de uma vez no ano passado, e agora toma antidepressivos. Seu relacionamento com o marido tamb�m foi prejudicado.

"Quando percebemos que havia um problema e que as coisas estavam muito dif�ceis, basicamente sentimos que hav�amos cometido um erro e n�o t�nhamos conseguido lidar com isso", diz ela. "Mas dizer isso em voz alta significa que voc� tem que fazer algo, ent�o nenhum de n�s disse isso em voz alta. Basicamente, n�o nos falamos por cerca de seis meses."

Quando h� um problema?

O comportamento de uma crian�a se torna problem�tico quando � controlador, amea�ador, intimidador ou perigoso. Alguns sinais a serem observados s�o:

- Voc� muda seu comportamento para evitar confrontos com seu filho;

- Voc� teme por sua seguran�a ou pela seguran�a de outros membros da fam�lia;

- A crian�a est� roubando ou danificando os pertences de outros membros da fam�lia;

- A crian�a amea�a voc� ou outras pessoas;

- A crian�a amea�a se machucar ou se envolver em comportamento de risco — leve sempre as amea�as de automutila��o a s�rio;

- A crian�a � cruel com animais de estima��o.

Alguns anos atr�s, depois de refletir muito, Hazel estava prestes a tomar uma atitude dr�stica. "Achava o efeito que isso tudo estava tendo na fam�lia como um todo muito angustiante, ent�o tomei a decis�o de pegar Aidan e ir embora", diz ela.

O marido de Hazel a convenceu a n�o fazer isso, e, embora agora ela reconhe�a que provavelmente foi a decis�o certa, n�o ameniza a culpa que sente pelas outras crian�as da fam�lia. "� a inf�ncia deles que colocamos em risco", diz ela.

A fam�lia de Hazel deixou de visitar a casa de outras pessoas muito antes da pandemia de Covid-19. Eles n�o realizam ou v�o a grandes eventos familiares. Hazel s� v� os pr�prios pais quando Aidan est� na escola, porque eles n�o conseguem lidar com a presen�a dele.

E ela n�o se encontra com seus amigos quando est� com Aidan se alguma outra crian�a tamb�m estiver presente. Ela e o marido nunca saem � noite ou passam o fim de semana fora — n�o h� ningu�m com quem possam deixar Aidan e que seja capaz de cuidar dele. "� incrivelmente solit�rio", desabafa Hazel.

Mas ela encontrou grande conforto em uma comunidade online de pais como ela, em f�runs em que as pessoas compartilham hist�rias e mecanismos de enfrentamento e oferecem apoio moral. Descobrir tantas pessoas vivendo uma situa��o semelhante foi uma verdadeira surpresa. "Existem muitas, muitas fam�lias como a minha", diz ela.

Hazel mant�m planilhas e est� constantemente indo atr�s das diferentes ag�ncias envolvidas com o passado de Aidan para descobrir quais decis�es foram tomadas — ou n�o. Ela est� sempre tentando encontrar a ajuda da qual ele precisa.

A grande esperan�a da fam�lia � colocar Aidan em um internato que visa reabilitar completamente crian�as como ele em tr�s anos, permitindo a elas voltar para casa, viver com suas fam�lias e frequentar escolas normais. "Eu realmente quero colocar ele em uma escola terap�utica, uma que realmente v� ajud�-lo", diz Hazel.

Mas os crit�rios de admiss�o s�o r�gidos e complicados, ent�o � um tiro no escuro. Se Aidan n�o for aceito, Hazel se preocupa em como as coisas podem acabar para ele. "Ele ser� um parceiro abusivo e ter� problemas com a pol�cia", diz ela. "Ele vai perder o controle e entrar em uma briga — vejo ele na pris�o."

Por enquanto, ela continua tentando manter a situa��o sob controle. Quando Aidan est� na escola, ela leva o cachorro para passear e pratica um pouco de mindfulness (aten��o plena) para se preparar para o retorno dele.

Ele pode decidir revirar a casa, jogar o conte�do da fruteira nela e pular do corrim�o. Ou, se for uma noite tranquila, Aidan vai ouvir seus audiolivros — as mesmas hist�rias, repetidamente, seguindo as palavras nas p�ginas. E quando chegar a hora de dormir, as portas do andar de baixo estar�o trancadas para que, se ele se levantar no meio da noite, n�o incomode o cachorro.

Ilustra��es de Owen Gent.

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