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Estado de Minas ESCRITOR

'Como descobri que meu pai era um escritor de best-sellers sobre sexo'

Sara Faith Alterman era pr�xima do seu pai. At� que ela descobriu que ele escondia um segredo.


22/08/2021 12:40 - atualizado 22/08/2021 19:19

(foto: BBC)
(foto: BBC)

Sara Faith Alterman era pr�xima do seu pai, um homem aparentemente austero e recatado. At� que ela descobriu que ele escondia um segredo.

Criada perto de Boston, Massachusetts, nos anos 1980, Sara sempre sentiu uma liga��o especial com seu pai, Ira.

"Meu pai e eu sempre fomos muito parecidos", diz ela. "At� fisicamente, o que agora � engra�ado, sabe, como uma menininha poderia ser parecida com um homem judeu de 40 anos. N�s t�nhamos as mesmas caracter�sticas faciais, o mesmo cabelo e eu meio que queria imit�-lo."

Ira seria sempre a pessoa que ela procuraria quando tivesse um problema que precisasse de solu��o. Ele transmitiu para Sara e para o irm�o dela seu amor pela linguagem e por jogos de palavras - ele havia trabalhado como jornalista antes de mudar para o marketing e as viagens da fam�lia seriam marcadas por jogos de palavras, trocadilhos e rimas.

"Eu queria ser como ele em tantas formas", afirma ela. "Por isso eu aprendi tanto com aqueles jogos que faz�amos no carro. Eu realmente achava engra�ado misturar palavras e conseguir coisas novas - parecia uma habilidade estranha do meu pai que muitos dos meus amigos n�o tinham."


Ira e Sara Faith Alterman (com cerca de um ano) na praia(foto: BBC)
Ira e Sara Faith Alterman (com cerca de um ano) na praia (foto: BBC)

Os pais de Sara eram apaixonados por quebra-cabe�as e por organizar ca�as ao tesouro. Eles s� n�o gostavam de nada que pudesse amea�ar a inoc�ncia dos seus filhos - por isso, todos os assuntos de adultos eram completos tabus, especialmente o sexo.

"Meus pais se comportavam como se essas coisas n�o existissem", afirma ela. "Acho que nunca ouvi meu pai usar a palavra 'sexo' antes dos meus 30 anos de idade."

O pior era se estivessem assistindo a um filme ou programa de televis�o que inclu�sse uma cena rom�ntica.

"O meu pai dizia 'Opa!' e se levantava para mudar o canal o mais r�pido poss�vel ou retirar a fita do videocassete", conta Sara."�s vezes, se ele n�o alcan�asse o bot�o da TV rapidamente, ele simplesmente tirava o plugue da tomada."

"Acho que ele n�o queria responder perguntas sobre isso. Acho tamb�m que ele se sentia muito desconfort�vel sentado na sala com seus filhos com alguma coisa relacionada a sexo acontecendo."

Mas, um dia, quando ela tinha oito anos de idade, Sara fez uma descoberta que desafiou tudo o que ela achava que sabia sobre ele.

Sozinha em um c�modo da casa da fam�lia e cansada do livro que estava lendo, Sara come�ou a examinar as estantes. At� ent�o, ela n�o tinha altura suficiente para alcan�ar as prateleiras mais altas, mas agora ela descobriu que j� podia faz�-lo.

No canto mais acima, � direita, ela viu, escondido atr�s de outros livros, um conjunto de brochuras com cores vivas firmemente embaladas, claramente para ocult�-las da vis�o. "Eu pensei: 'bem, � claro que � isso que vou ver", diz Sara. Ela afastou os livros da frente e agarrou v�rios.

Eles eram diferentes de qualquer livro que Sara havia visto antes.

As suas capas exibiam ilustra��es de "mulheres atraentes e homens com apar�ncia muito excitada, sentados no colo uns dos outros e se beijando", relembra ela - se aparecessem na TV da fam�lia, o pai dela teria mudado imediatamente de canal. Muitos dos t�tulos inclu�am a palavra "sexo" - os mais comportados inclu�am "Como pegar garotas" e "O manual do sexo para pessoas com mais de 30 anos" (em tradu��o livre).

Nesse momento, Sara ouviu que seus pais estavam vindo. Ela sabia que n�o deveria estar olhando esses livros e foi coloc�-los de volta. Foi quando ela observou um detalhe que a deixou totalmente confusa.

"Eu vi na p�gina de t�tulo de um dos livros: 'por Ira Alterman' - que era o nome do meu pai, e pensei: "Espere a�, o que � isso? O meu pai n�o escreve livros."

De fato, ela observou que o pai dela era indicado como o autor de todos os livros. "Fiquei muito confusa e n�o tive tempo de processar isso porque precisava colocar rapidamente os livros no lugar", conta Sara.


'O manual de sexo para pessoas com mais de 30 anos': livro de Ira Alterman(foto: BBC)
'O manual de sexo para pessoas com mais de 30 anos': livro de Ira Alterman (foto: BBC)

"Levei um tempo para entender que, sim, meu pai havia escrito aqueles livros impr�prios sobre sexo que eu n�o deveria olhar", diz ela. Mais tarde, ela descobriria que, desde os anos 1970, os livros para adultos de Ira haviam vendido milh�es de c�pias em todo o mundo, traduzidos para muitos idiomas.

Mas ela definitivamente n�o podia perguntar para ele diretamente sobre nada disso. Quando ela trouxe para casa uma papeleta de permiss�o para que pudesse participar de aulas de educa��o sexual, j� havia sido muito constrangedor - Ira n�o conseguia olhar para ela nos olhos enquanto assinava. Por isso, discutir sua atividade de escritor era impens�vel.

"Acho que a maioria das crian�as tem esse momento em que elas descobrem que os seus pais n�o s�o intoc�veis, n�o s�o super-her�is, n�o sabem tudo - e isso poder� ocorrer junto com a revela��o em que as crian�as entendem que 'oh, meu Deus, meus pais fizeram sexo, fizeram sexo para que eu nascesse e provavelmente ainda fazem', afirma ela.

A rela��o dela com seu pai foi tamb�m afetada pelo descompasso entre a carreira dele como escritor e como ele se comportava em casa. "Eu parei de confiar nele at� certo ponto porque eu sabia que o pai que ele me mostrava n�o representava totalmente a pessoa que ele era", conta ela.

Mas, quando Sara se tornou adolescente e foi para o ensino m�dio, ela retornou em segredo para os livros escondidos. Ela havia conhecido o seu primeiro namorado. Mas eram os anos 1990 e conseguir informa��es sobre o que aconteceria a seguir n�o era t�o f�cil. E, por estranho que possa parecer, os livros do seu pai eram melhor do que nada.

Mas havia tamb�m um lado negativo. Os t�tulos escritos por Ira eram parte de uma s�rie de livros mais ampla - todos de autores homens - que apresentavam uma personagem chamada Bridget.

"Bridget era uma mulher gorda", diz Sara, e a personagem era alvo de zombarias sobre a ideia de que uma mulher gorda seria sexy. Olhando para tr�s, Sara agora compreende que isso incutiu nela a ideia de que mulheres acima do peso n�o mereciam ser objeto de desejo, o que causou efeito negativo sobre a sua percep��o do pr�prio corpo.

"Foi algo ainda mais horr�vel saber que o meu pai fazia essas brincadeiras e que o meu pai achava que as mulheres gordas n�o eram merecedoras de amor e sexo", conta Sara.

Por isso, nas duas d�cadas que se seguiram, embora eles permanecessem pr�ximos, os livros de Ira permaneceram um tabu que Sara n�o conseguia discutir com ele.

Nessa �poca, ela saiu de casa, conheceu um homem chamado Sam e se casou com ele. Eles se mudaram para o outro lado do pa�s, na costa oeste, onde ela se tornou uma escritora bem sucedida. Mas, enquanto Sara progredia em sua nova vida, o pai dela parecia estar na dire��o contr�ria.


Sara Faith Alterman e seu pai Ira usando um véu de casamento(foto: BBC)
Sara Faith Alterman e seu pai Ira usando um v�u de casamento (foto: BBC)

J� com mais de 60 anos de idade, Ira perdeu o trabalho no setor de marketing que manteve por 30 anos. "Foi muito doloroso ver um homem que sempre considerei uma esp�cie de super-her�i e que foi minha refer�ncia para tantas coisas na vida, de repente, lutando de uma forma que eu nunca havia visto antes", relembra Sara.

Enquanto ela o ajudava a procurar emprego, ela observou que alguma coisa n�o estava muito certa. "Meu pai me fazia as mesmas perguntas v�rias vezes e ficava muito frustrado", conta Sara. Primeiramente, ela achou que fosse apenas um sinal da idade. Depois ela foi visit�-lo e ficou horrorizada vendo-o dirigir de forma irregular. "Era muito assustador, mas novamente atribu� tudo isso � sua idade."

A mudan�a de comportamento mais alarmante veio quando Ira anunciou que havia parado de procurar emprego. No in�cio, Sara ficou aliviada, achando que isso significava que o seu pai agora entraria em uma aposentadoria precoce, mas feliz. At� que ele disse que tinha uma ideia de neg�cio em mente.

Ira disse que iria come�ar a escrever livros novamente. Sara congelou. Ela perguntou o que ele queria dizer com escrever livros novamente? Eles ainda n�o haviam discutido a carreira dele como autor.

Ele contou que tinha uma ideia para um livro infantil, baseado em um c�o dom�stico muito querido. "E ent�o ele disse: 'e tamb�m quero come�ar a escrever livros como costumava fazer, pois eles eram muito populares e vou querer sua ajuda com eles'."

Sara perguntou do que ele estava falando. Ela sabia exatamente o que ele queria dizer, mas queria ouvir da boca dele.

Mas ele contou que havia se inspirado no recente casamento dela para escrever um livro chamado "A Noiva Travessa" (tradu��o livre do ingl�s), que seria destinado a "noivas e rec�m-casadas, para servir de guia de como agradar o seu homem na noite de n�pcias", segundo Sara.

"Foi um choque para mim porque foi a primeira vez que ele reconheceu esses livros e eu tamb�m nunca havia ouvido meu pai dizer a palavra 'sexo', nem falar sobre nenhum tema sexual antes."

No in�cio, Sara recusou-se a ajudar o seu pai com esse pedido bizarro. Mas, pouco depois, surgiu uma explica��o para a dram�tica mudan�a de comportamento de Ira.


Ira Alterman aos 65 anos(foto: BBC)
Ira Alterman aos 65 anos (foto: BBC)

Em abril de 2014, quando Sara tinha 34 anos e Ira tinha 68, ela recebeu um email da sua m�e. A mensagem dizia que ela e o marido haviam visitado um neurologista, que diagnosticou Ira com Alzheimer.

Sara havia acabado de saber que estava gr�vida e a not�cia foi devastadora. Ela voou para Massachusetts para falar pessoalmente com o neurologista de Ira. Ele contou a ela que Alzheimer � uma doen�a cerebral progressiva que destr�i lentamente a mem�ria e a capacidade de racioc�nio. � degenerativa e terminal - ao fim, perde-se totalmente a capacidade de realizar as tarefas mais simples.

"Uma das coisas que o m�dico disse foi que pessoas com Alzheimer tendem a perder o seu encanto social", diz Sara. "Por isso, n�o fique ofendida se o seu pai come�ar a ser inadequado em alguns momentos, ou comportar-se de forma que voc� n�o reconhece - isso � apenas uma caracter�stica da doen�a e n�o significa que o seu pai subitamente se tornou uma pessoa pior ou diferente."

Apesar da trag�dia do diagn�stico de Ira, ele veio como um al�vio para Sara. Finalmente ela compreendia por que ele havia come�ado a agir de forma t�o diferente.

Por isso, Sara decidiu ajudar Ira da forma que pudesse. Antes que fosse tarde demais, ela concordou em ajud�-lo a escrever os seus livros.

N�o foi f�cil para ela - discutir sobre sexo com seu pai ainda parecia profundamente estranho e ela ainda mantinha sentimentos residuais de vergonha e desgosto sobre a forma como havia descoberto seus livros quando crian�a. Mas ela encontrou uma forma de colocar tudo isso de lado.

"Eu nem escrevi muito - meu trabalho foi mais de edi��o e feedback. Ele me ligava com ideias de livros ou cap�tulos novos sobre alguma posi��o ou tend�ncia sexual, ou qualquer coisa em que estivesse pensando no momento", conta ela.

"Eu precisava atender �s liga��es e aconselh�-lo, ou ele me enviava manuscritos impressos dos seus livros para que eu analisasse, editasse e colaborasse com a cria��o, embora algumas vezes eu o fizesse com um olho fechado, literalmente."

Pouco tempo depois, Ira anunciou que queria voltar � sua cidade natal de Perkasie, na Pensilv�nia, para rever os lugares associados � sua inf�ncia feliz antes que se esquecesse deles.

"Ele queria ir aos campos de baseball e ver onde ele e seus irm�os jogavam... ver um carrossel hist�rico com belos cavalos entalhados na madeira...", conta Sara.

"Ele sabia que a sua vida estava chegando ao fim e a viagem era uma oportunidade de passar algum tempo muito especial com ele."

Havia um est�mulo ainda maior para a viagem - na �poca, Sara estava gr�vida de seis meses. Ira sobreviveu para conhecer seu neto, mas sabia que nunca veria o beb� crescer.


Ira Alterman com seu neto Colin(foto: BBC)
Ira Alterman com seu neto Colin (foto: BBC)

Ira Alterman morreu em 6 de julho de 2015, dois dias depois do seu anivers�rio de 70 anos. Pouco tempo depois, os livros para adultos que ele pediu para Sara ajudar foram publicados, com algum sucesso comercial.

Mas havia um outro projeto para o qual ele tamb�m pediu a ajuda de Sara.

Ira havia sempre contado hist�rias para dormir, para ela e para o irm�o - "ele inventava todo tipo de hist�rias maravilhosas sobre a nossa fam�lia e os nossos gatos, ou criaturas m�gicas", lembra Sara. Embora ele ainda se recordasse, Sara e sua m�e o ajudaram a escrever uma colet�nea dessas hist�rias, para que seus netos pudessem ler.

Transcrevendo suas palavras, ela conta, "fui transportada de volta para minha inf�ncia, em total admira��o da capacidade do meu pai de juntar palavras, da mesma forma que admirava sua capacidade de juntar palavras quando brinc�vamos com seus jogos de palavras no carro".

Sara escreveu um livro de mem�rias intitulado "Nunca mais vamos falar disso" (em tradu��o livre), sobre o seu relacionamento com seu pai. No final, ela incluiu uma das hist�rias para dormir de Ira, chamada "O menino do su�ter feio" (em tradu��o livre).

O personagem principal chama-se Colin, nome do filho de Sara. Embora o menino v� crescer sem conhecer Ira, ele j� tem essa lembran�a do av�.

O pequeno Colin estava muito animado. Era seu anivers�rio e sua av� havia enviado um presente em uma caixa muito grande.

"Meu Deus", pensou ele enquanto retirava as belas fitas, la�os e o papel de presente. "Isso vai ser �timo!"

Ele pegou a caixa e retirou um presente grande, embalado em papel dourado. Ele rasgou o papel e agarrou... o su�ter mais feio que ele j� tinha visto.

"Este � o su�ter mais feio que j� vi", gritou ele...

"Meu filho adora essa hist�ria", diz Sara. "Assim conseguimos, de certa forma, atender ao desejo do meu pai de manter uma liga��o com seus netos."

As fotos s�o de propriedade de Sara Faith Alterman.

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