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Estado de Minas ABISKO

Permafrost: a bomba-rel�gio das mudan�as clim�ticas


25/10/2021 06:14

Protegido por altas montanhas cobertas de neve, Stordalen � um planalto pantanoso, pontuado por pequenos lagos de lama. Um cheiro de ovo podre se mistura ao ar fresco neste canto do norte da Su�cia.

Aqui, no interior do C�rculo Polar �rtico, cerca de 10 quil�metros a leste da pequena cidade de Abisko, o aquecimento global avan�a tr�s vezes mais r�pido do que no restante do mundo.

Nos p�ntanos cobertos de relva e arbustos e onde aparecem frutos azuis, laranjas e flores brancas, a presen�a de um homem vestido de astronauta mostra a insuspeita import�ncia cient�fica deste lugar perdido nos confins do mundo.

Os cientistas estudam a camada de solo permanentemente congelada, conhecida como permafrost.

O pesquisador Keith Larson caminha sobre ripas de madeira colocadas para poder circular pelos lagos pantanosos, onde pequenas bolhas podem ser vistas emergindo � superf�cie.

O odor caracter�stico de ovo podre vem do sulfeto de hidrog�nio, �s vezes chamado de "g�s do p�ntano". Mas � outro g�s, inodoro em estado natural, que coloca a comunidade cient�fica em alerta: o metano.

Preso por milhares de anos no permafrost, o carbono est� sendo liberado, e entrando na atmosfera.

Entre o metano e o di�xido de carbono (CO2), o permafrost cont�m o equivalente a mais de 1,7 trilh�o de toneladas de carbono org�nico, quase o dobro da quantidade de carbono j� presente na atmosfera.

Embora permane�a no ar por apenas 12 anos, em vez de s�culos, como � o caso do CO2, o metano tem um efeito estufa 25 vezes maior.

O degelo do permafrost � uma "bomba-rel�gio" clim�tica, alertam os cientistas.

- C�rculo vicioso -

"Quando os pesquisadores come�aram a examinar essas terras" na d�cada de 1970, "esses lagos n�o existiam", explica Larson, coordenador do projeto do Centro de Pesquisa de Impactos Clim�ticos da Universidade Sueca de Umea, com sede na Esta��o de Pesquisa Cient�fica de Abisko.

"O cheiro do sulfeto de hidrog�nio, que se mistura ao metano que escapa, n�o era sentido tanto quanto hoje", enfatiza o especialista.

Larson enterra uma haste de metal no solo para alcan�ar a camada "ativa" do permafrost, a parte que descongela no ver�o.

O permafrost - solo que permanece congelado por dois anos consecutivos - est� presente em cerca de 25% das terras do Hemisf�rio Norte.

Em Abisko, o permafrost tem at� dez metros de espessura e data de milhares de anos. Na Sib�ria, pode atingir um quil�metro de profundidade e ter centenas de milhares de anos.

Com o aumento das temperaturas, o permafrost come�a a descongelar. Com isso, as bact�rias decomp�em a biomassa armazenada na terra congelada, causando novas emiss�es de CO2 e metano, que, por sua, vez aceleram o aquecimento global em um ciclo vicioso assustador.

No p�ntano vizinho de Storflaket, a pesquisadora Margareta Johansson inspeciona o permafrost h� 13 anos, e constata que a camada "ativa" que degela no ver�o aumenta a cada ano.

"Desde que as medi��es come�aram em 1978, (a camada) aumentou entre sete e 13 cent�metros a cada dez anos", relata � AFP esta geof�sica da Universidade sueca de Lund.

"Esse freezer que mant�m plantas congeladas h� milhares de anos armazena o carbono que � liberado conforme a camada ativa se torna mais espessa", explica.

- Ponto de inflex�o? -

De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudan�as Clim�ticas (IPCC, na sigla em ingl�s) da ONU, o permafrost pode recuar "significativamente" entre agora e 2100, se as emiss�es de CO2 n�o forem reduzidas.

A temperatura m�dia anual no �rtico aumentou 3,1�C nos �ltimos 50 anos, em vez de 1�C para o planeta como um todo, alertou o Programa de Monitoramento e Avalia��o do �rtico (AMAP, na sigla em ingl�s) em maio.

A quest�o � se o permafrost atingiu um ponto sem volta, um momento temido para um lento e completo desaparecimento, em que a libera��o de gases � inevit�vel, e a mudan�a do ecossistema se torna irrevers�vel.

Os cientistas est�o preocupados, por exemplo, em ver a floresta amaz�nica se transformar em savana, ou as calotas polares da Groenl�ndia e da Ant�rtica desaparecerem completamente.

"Se todo carbono congelado escapasse, isso triplicaria a concentra��o (desse g�s) na atmosfera", afirma Gustaf Hugelius, especialista em ciclos de carbono e permafrost, da Universidade de Estocolmo.

Isso n�o aconteceria de repente e de uma �nica vez, mas ao longo de d�cadas e s�culos, acrescenta.

O principal problema com o permafrost � que o degelo continuar� mesmo, se todas as emiss�es humanas cessarem imediatamente.

"Acabamos de ativar um sistema que vai reagir por muito tempo", completou Hugelius.

- Rachaduras -

Em Abisko, uma bonita cidadezinha com casas vermelhas tradicionais e conhecida por suas auroras boreais, os sinais de recuo do permafrost j� s�o vis�veis. Existem rachaduras no solo e pequenos deslizamentos de terra. Postes telef�nicos se inclinam pelo efeito desses movimentos.

No Alasca, onde o permafrost est� presente em 85% do territ�rio, seu degelo destr�i as estradas. Na Sib�ria, cidades inteiras est�o come�ando a desmoronar com os deslizamentos de terra.

Em Yakutsk, de 300.000 habitantes, a maior cidade do mundo constru�da sobre permafrost, alguns edif�cios j� foram destru�dos.

A deteriora��o do permafrost tamb�m representa outros riscos para as popula��es e amea�a infraestruturas, como canaliza��es de �gua e esgoto, oleodutos e tanques de armazenamento de res�duos qu�micos, ou radioativos, de acordo com um relat�rio de 2019 do Minist�rio do Meio Ambiente da R�ssia.

No ano passado, um dep�sito de combust�vel se rompeu depois que suas funda��es submergiram perto de Norilsk, na Sib�ria, despejando 21.000 toneladas de diesel em rios pr�ximos.

A Norilsk Nickel afirmou, na �poca, que o degelo do permafrost enfraqueceu as estruturas da planta.

Em todo �rtico, o degelo do permafrost pode afetar at� dois ter�os das infraestruturas at� 2050, conforme relat�rio preliminar do IPCC obtido pela AFP em junho e com publica��o prevista para 2022.

Mais de 1.200 cidades e vilarejos, 36.000 edifica��es e quatro milh�es de pessoas seriam afetadas, de acordo com a mesma fonte.

- Amea�a para as metas de Paris -

Os gases de efeito estufa que escapam do permafrost tamb�m amea�am os objetivos do Acordo de Paris sobre o clima, alertam os cientistas.

Os pa�ses que assinaram o tratado de 2015 se comprometeram a limitar o aquecimento do clima "abaixo" de +2�C, se poss�vel at� +1,5�C, em compara��o com a era pr�-industrial. O objetivo � alcan�ar a neutralidade do carbono em meados do s�culo XXI.

Para ter dois ter�os de chance de permanecer abaixo do limite de +1,5�C, a humanidade n�o pode emitir mais de 400 bilh�es de toneladas de CO2, concluiu o IPCC, recentemente. Nas taxas atuais de emiss�es, nosso "or�amento de carbono" se esgotaria em uma d�cada.

Mas essas emiss�es de carbono aceit�veis "n�o levam em conta totalmente" as poss�veis e imprevis�veis libera��es "repentinas" de gases de efeito estufa emitidos por fontes naturais no �rtico, alerta um estudo da Academia Nacional de Ci�ncias dos Estados Unidos.

Muitos modelos clim�ticos n�o levam o permafrost em considera��o, porque os efeitos do descongelamento s�o dif�ceis de projetar, enfatiza Hugelius.

As emiss�es de algumas �reas s�o compensadas por um processo de surgimento de plantas no �rtico, devido ao aumento da temperatura, acrescenta este cientista.

Em seu �ltimo relat�rio de agosto, o IPCC aponta para essa quest�o, enfatizando que "o aquecimento global adicional amplificar� o derretimento do permafrost".

Agir agora ainda pode afetar a velocidade de seu degelo, avalia Keith Larson.

Mesmo "se n�o tivermos como controlar a porcentagem de permafrost descongelado", isso n�o significa que "n�o devamos abrir m�o dos combust�veis f�sseis, ou mudar nosso modo de vida neste planeta".

O aumento das temperaturas no �rtico j� causou mudan�as irrevers�veis, lamenta ele, com tristeza.

- Tradi��es em perigo -

"Criamos renas aqui h� pelo menos mil anos", conta Tomas Kuhmunen, membro da comunidade Sami, um povo aut�ctone desta parte do norte da Su�cia.

Usando o tradicional chap�u com pompons azuis, vermelhos e amarelos, Tomas, de 34 anos, aponta para os arredores do alto da montanha Luossavaara, com vista para a cidade mineira de Kiruna.

L�, h� dois s�culos, os pastores de renas j� tiveram de se adaptar � coloniza��o de suas terras e ao surgimento de estradas, ferrovias e minas. Agora, eles enfrentam os efeitos do aquecimento global.

A neve, que permaneceu congelada durante todo inverno, derrete e recongela regularmente, formando uma camada dura que impede as renas de acessarem o l�quen, seu principal alimento.

Tradicionalmente criados ao ar livre, os cerv�deos t�m dificuldade em encontrar comida. Assim como outros criadores, Tomas Kuhmunen precisa mand�-los pastar em um territ�rio muito maior do que antes. Ele � obrigado a percorrer dezenas de quil�metros adicionais para cuidar de suas renas, mas faz isso em uma moto de neve no lugar de esquis.

"Muitas vezes, na floresta, mandamos os animais para pastagens que nossos ancestrais usavam apenas como uma terceira op��o", relata.

De acordo com o Parlamento sami da Su�cia, cerca de 2.500 pessoas dependem das renas para viver.

Em seu relat�rio preliminar para 2022, os especialistas do IPCC se preocupam com as mudan�as que os pastores de renas dever�o enfrentar.

Na Sib�ria, "os meios de subsist�ncia, que consistem no pastoreio de renas e na pesca, tornaram-se vulner�veis pelo degelo do permafrost, que afeta as paisagens e os lagos do norte, assim como pelos epis�dios de chuva e de neve", observam.

Os criadores precisam "se adaptar de maneira local, tomando decis�es cruciais para mudar as rotas de transum�ncia (migra��o peri�dica dos rebanhos), a utiliza��o da pastagens e a rota��o sazonal".

Quando necess�rio, Tomas Kuhmunen tem de alimentar seu rebanho ele mesmo. "Isso permite que as renas sobrevivam, mas n�o � aconselh�vel" e "n�o � economicamente vi�vel", diz.

Esta � uma tend�ncia observada na Su�cia, na Noruega e na Finl�ndia, segundo pesquisadores da Universidade Sueca de Umea.

O problema � que alimentar as renas dessa forma altera sua sa�de e as torna "mais domesticadas".

- O antigo cume mais alto -

A 70 quil�metros de dist�ncia, no espetacular pico sul do maci�o de Kebnekaise, Ninis Rsqvist v� com seus pr�prios olhos o efeito do aquecimento global no �rtico ano ap�s ano.

�gil, esta glaciologista de 61 anos escala a montanha para colocar uma antena na neve fresca com o objetivo de medir a altitude.

Antes mesmo de ter a resposta, sabe que a geleira, localizada 150 quil�metros ao norte do C�rculo Polar �rtico, perdeu tamanho em compara��o com a medi��o anterior.

Desde a d�cada de 1970, o cume perdeu mais de 20 metros, e seu GPS j� indica apenas 2.094,8 metros de altitude. H� dois anos, esse pico perdeu o t�tulo de cume mais alto da Su�cia.

"Nos �ltimos 30 anos, derreteu mais r�pido do que antes. E, nos �ltimos dez, ainda mais", descreveu esta professora da Universidade de Estocolmo.

Os ver�es t�m sido excepcionalmente quentes, enfatiza Ninis. Picos de 30�C a 35�C foram registrados neste ver�o no norte de Noruega, Su�cia e Finl�ndia.

"Vemos os efeitos e dizemos 'ah, est�o mais finos, derreteram tanto'", diz Rosqvist.

A maioria das geleiras suecas provavelmente j� est� condenada, mesmo que o impacto aqui n�o seja t�o desastroso quanto em outros lugares.

Trata-se, no entanto, de um forte sinal para o restante do mundo.

Na Am�rica do Sul e no Himalaia, dezenas de milh�es de pessoas dependem do degelo sazonal das geleiras para obter �gua pot�vel e para a irriga��o.

Quanto � Groenl�ndia, sua calota polar cont�m gelo suficiente para elevar o n�vel dos oceanos em sete metros, sem mencionar a Ant�rtica, que, com sua calota de gelo aumentaria o padr�o atual em v�rias dezenas de metros.

Para muitos pesquisadores, uma li��o importante do �rtico � que alguns desses ecossistemas j� est�o fora do controle humano.

Modificar nosso modo de vida para que as emiss�es caiam "ser� o in�cio de um processo de adapta��o a um clima que vai ficar mais quente por muito tempo", finaliza o especialista em Keith Larson.


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