
A cena foi presenciada pela m�dica obstetra Nuri, que atua na regi�o central do Afeganist�o e se preparava para fazer a ces�rea dessa m�e.
"N�o sei como consigo continuar viva", disse a m�e, conforme relembra a m�dica. "Como posso dar � luz outro ser humano?"
Outras mulheres pacientes na ala em que Nuri atende est�o t�o desnutridas que sabem ser improv�vel terem leite materno suficiente para alimentar seus filhos.
Segundo Nuri, o hospital est� t�o cheio que ela tem de se espremer para passar entre as mulheres em trabalho de parto, pressionadas contra paredes manchadas de sangue ou deitadas em len��is sujos. A maioria dos faxineiros deixou o hospital h� meses, cansados de trabalhar sem serem pagos.
A maternidade est� t�o lotada que �s vezes v�rias mulheres precisam dividir o mesmo leito. Outras institui��es e cl�nicas privadas tiveram que fechar, e esse outrora c�lebre e moderno hospital atende tr�s vezes o n�mero de mulheres que antes.
"A maternidade � uma das partes mais felizes de qualquer hospital, mas n�o � mais no Afeganist�o", diz a obstetra, contando que em apenas duas semanas viu cinco beb�s rec�m-nascidos morrerem de fome, em setembro.
"� um inferno aqui."

M�dicos de hospitais afeg�os como Nuri conversaram com a BBC sobre o agravamento da crise humanit�ria no pa�s e sobre as condi��es de trabalho para profissionais de sa�de, que em muitos casos est�o com remunera��o atrasada e sem perspectiva de normaliza��o. Todos os nomes de entrevistados foram trocados, para preservar sua identidade.
O Afeganist�o vinha se recuperando de uma seca severa e de d�cadas de conflito, mas a ascens�o do grupo extremista Taleb�, em agosto, intensificou a queda do pa�s em dire��o ao colapso econ�mico.
Diretor de um hospital na prov�ncia de Farah especializado no tratamento de covid-19, o doutor Rahmani compartilhou com a BBC uma carta do Minist�rio da Sa�de — conduzido pelo Taleb� — pedindo que os profissionais de sa�de continuassem trabalhando sem remunera��o, at� que quest�es or�ament�rias fossem resolvidas. A carta � datada de 30 de outubro.
A ajuda internacional, que por d�cadas apoiou a economia e o sistema de sa�de do Afeganist�o, ficou mais escassa a partir de agosto. Doadores justificam ter s�rias preocupa��es em transferir dinheiro por meio de um regime que nega direitos b�sicos a mulheres e meninas e que aplica puni��es severas e violadoras dos direitos humanos.
Qalandar Ibad, ministro da Sa�de nomeado pelo Taleb�, disse � BBC Pashto que o governo est� trabalhando em sintonia com a comunidade internacional para reimplementar o envio de verbas de assist�ncia.
No entanto, os principais doadores est�o tentando contornar o Taleb� para fazer a ajuda chegar aos profissionais e � popula��o. Em 10 de novembro, a Organiza��o das Na��es Unidas (ONU) conseguiu fazer isso pela primeira vez injetando US$ 15 milh�es diretamente no sistema de sa�de do pa�s. Cerca de US$ 8 milh�es foram usados para pagar cerca de 23.500 profissionais de sa�de, no m�s passado.
Embora seja uma quantia relativamente pequena por enquanto, outros doadores esperam fazer o mesmo — mas o tempo est� se esgotando.
Fome e morte
De acordo com dados recentes da ONU, o Afeganist�o est� enfrentando hoje sua pior crise de fome. Neste inverno (no hemisf�rio Norte), estima-se que cerca de 14 milh�es de crian�as sofram de n�veis agudos de desnutri��o.
Em todo o pa�s, cerca de 2.300 unidades de sa�de foram fechadas e m�dicos em �reas remotas relatam falta de acesso a medicamentos b�sicos. Na capital, Cabul, um importante hospital infantil est� superlotado e enfrentando alguns dos piores casos de fome do pa�s.

O diretor do hospital, o doutor Siddiqi, viu um aumento no n�mero de fatalidades em setembro, depois que verbas foram cortadas. Desde ent�o, a cada semana at� quatro crian�as menores de 10 anos morreram ali, de desnutri��o ou doen�as relacionadas.
De acordo com ele, s�o os mais novos que mais sofrem com o impacto da crise, com muitas crian�as de cinco anos de idade chegando tarde demais para serem salvas.
Para as que sobrevivem, h� poucos recursos para ajud�-las. Al�m da falta de alimentos e rem�dios no hospital, � dif�cil manter os pacientes aquecidos, j� que falta combust�vel para climatiza��o. Por isso, Siddiqi est� pedindo que a equipe colete galhos secos para alimentar um fog�o a lenha.
Na maternidade em que Nuri trabalha, cortes rotineiros de energia est�o se provando fatais. V�rios beb�s prematuros morreram quando suas incubadoras pararam de funcionar durante interrup��es no fornecimento de luz.
"� t�o triste v�-los morrendo na frente dos seus olhos", diz a m�dica, mencionando tamb�m os riscos para outros pacientes al�m da maternidade.
"Outro dia, est�vamos na sala de cirurgia e a eletricidade acabou. Tudo parou. Eu corri e gritei por socorro. Algu�m tinha combust�vel no carro e nos deu para que pud�ssemos ligar o gerador."
A m�dica conta que, sempre que h� uma opera��o no hospital, ela pede que "as pessoas se apressem", o que � "muito estressante".
'Eu, como m�dica, n�o tenho comida suficiente'
Perto do hospital em que o doutor Rahmani trabalha, em Farah, h� uma institui��o especializada no tratamento de pessoas com depend�ncia qu�mica. Os pacientes n�o t�m mais medicamentos para lidar com suas abstin�ncias de hero�na, �pio e metanfetamina.
Sem os devidos cuidados, o "hospital � exatamente igual a uma pris�o" para os internados, diz o diretor da institui��o, doutor Nowruz. O lugar tamb�m est� � beira de fechar as portas devido � diminui��o da equipe e, se fechar, Nowruz teme pelo destino dos pacientes.
"N�o h� abrigo para eles. Normalmente eles v�o viver em lugares como embaixo de pontes, em ru�nas, em cemit�rios. Uma situa��o insuport�vel para o ser humano", afirma.
Condi��es meteorol�gicas adversas em breve restringir�o o transporte de mercadorias vindas de pa�ses como Paquist�o e �ndia.
Nuri conta que sua pr�pria fam�lia dela tamb�m est� lutando para sobreviver. "Sempre que as mulheres deixam nosso hospital com seus beb�s, fico pensando nelas. Elas n�o t�m dinheiro, n�o conseguem comprar comida."
"Mesmo eu, como m�dica, n�o tenho comida suficiente. N�o tenho dinheiro para isso e quase gastei todas as minhas economias', relata.
"N�o sei por que ainda venho trabalhar. Todas as manh�s me fa�o essa pergunta. Talvez seja porque ainda tenho esperan�a de um futuro melhor."
*Reportagem adicional de Ali Hamedani, Kawoon Khamoosh, Ahmad Khalid e Hafizullah Maroof
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