
A primeira vez em que vi Ghislaine Maxwell, eu a segui pelas ruas de Nova York desde a porta de sua luxuosa casa fazendo perguntas sobre as terr�veis acusa��es de crime sexual contra ela.
Quase uma d�cada depois, eu a reencontrei talvez pela �ltima vez num tribunal, onde ela n�o poderia mais fugir da verdade sobre sua vida com o bilion�rio Jeffrey Epstein condenado por abuso sexual, morto em 2019.
O caso contra a socialite Ghislaine Maxwell � uma das maiores condena��es de uma mulher do alto escal�o por gerenciar um c�rculo de tr�fico sexual, incluindo menores de idade.
E o mais importante, � uma vit�ria retumbante de mais de 100 acusadoras que lutaram por mais de uma d�cada para levar Epstein e seus comparsas a responderem formalmente sobre as acusa��es.
Ap�s um m�s de julgamento, um j�ri de 12 pessoas chegou ao veredicto depois de cinco dias de delibera��o.
Filha de 60 anos de um bar�o da m�dia brit�nica, Maxwell foi considerada culpada em 5 das 6 acusa��es que recebeu, incluindo a acusa��o mais grave, a de tr�fico sexual de menores de idade para o abusador sexual Jeffrey Epstein.
Isso significa que a socialite brit�nica poder� passar o resto de sua vida atr�s das grades. Mas a data para a senten�a de Maxwell ainda n�o foi definida.
Pesadelo real
Houve diversos momentos impactantes dentro do tribunal lotado em Nova York, onde a acusa��o manteve o caso simples para evitar a sobrecarga dos jurados.
O objetivo era mostrar que Maxwell era a parceira de Epstein no crime, uma predadora sexual cujo modus operandi foi claramente ilustrado pela experi�ncia de quatro v�timas.
A fala da acusa��o aos jurados come�ou com 13 palavras que pareciam o in�cio de um livro infantil.
"Eu quero contar para voc�s a hist�ria de uma jovem garota chamada Jane."
Mas para essas mulheres n�o havia nenhum conto de fadas. Elas descrevem cenas de um pesadelo bastante real. E qu�o real ele era ficou claro no dia seguinte, quando Jane chegou para depor.

Ela testemunhou que Maxwell e Epstein se aproximaram dela quando tinha 14 anos, durante um acampamento de artes nas f�rias, em 1994.
Nos dois anos seguintes, ela disse ter sido abusada semana sim, semana n�o por Epstein, �s vezes com participa��o de Maxwell. O trecho abaixo foi um dos principais di�logos entre a v�tima e a acusa��o:
Pergunta: Como foi o comportamento de Maxwell durante esses incidentes?
Resposta: Eu diria que parecia muito casual, como se fosse… Como se fosse muito normal, como se n�o fosse grande coisa.
Pergunta: E quando ela se comportou assim, como voc� se sentiu?
Resposta: Bem, isso me deixou confusa porque n�o parecia normal para mim. Eu nunca tinha visto ou sentido nada assim, e foi muito constrangedor. Voc� sabe, s�o todas essas emo��es misturadas. Quando voc� tem 14 anos, n�o tem ideia do que est� acontecendo.
As outras acusadoras deram testemunhos similares.
Um dos mais emocionantes e angustiantes foi dado por Carolyn, que testemunhou apenas sob seu primeiro nome.
Ela aparentava estar visivelmente destru�da por anos de trauma e v�cio em analg�sicos e coca�na. Carolyn foi estuprada por seu av� aos quatro anos, deixou a escola na s�tima s�rie e foi praticamente abandonada pela m�e, que era viciada em subst�ncias psicoativas.
Ela contou ao tribunal que foi uma das acusadoras mais conhecidas de Epstein, Virginia Roberts (hoje Virginia Giuffre), que disse a ela pela primeira vez, quando tinha 14 anos, que poderia ganhar dinheiro fazendo massagem em um amigo rico dela.
Carolyn conheceu Ghislaine Maxwell quando ela foi � mans�o de Epstein em 2001. Maxwell, contou a v�tima, disse a Virginia para levar a garota at� o quarto de massagem e "mostrar a ela o que fazer". A acusa��o disse aos jurados que naquela �poca Maxwell havia montado um esquema de pir�mide de abusos em que ela n�o precisava mais pessoalmente achar mais garotas para Epstein.
Maxwell passou a premiar com mais dinheiro aquelas garotas vulner�veis que trouxessem outras para o esquema de abuso sexual.
Carolyn recebeu centenas de d�lares para "massagear" Epstein em cada um dos mais de 100 encontros at� que ela se tornou "velha demais para ele". Ela ent�o levou tr�s amigas para o c�rculo de Epstein. Carolyn disse aos jurados que Maxwell lhe afirmou que tinha "um �timo corpo para Epstein e seus amigos" antes de tocar seus seios.
As adolescentes v�timas do esquema de Epstein e Maxwell geralmente vinham de fam�lias bastante desestruturadas, com casos de fal�ncia, abuso de subst�ncia e estupros.
E mesmo quando o hist�rico n�o era esse, Maxwell e Epstein as atra�am com amizade, presentes e promessas de ajudar suas carreiras e seus estudos. Aquele processo de aliciamento, afirmou a acusa��o, era pe�a-chave no manual de Maxwell.
Ela usava a desculpa das massagens para fazer com que as garotas tocassem Epstein e normalizassem o contato sexual. Segundo os acusadores, Maxwell levava as garotas para os quartos onde seriam molestadas e abusadas, e algumas vezes ela estava presente para "fazer tudo parecer normal e casual".
Defesa contesta v�timas
Outras duas v�timas que testemunharam no processo j� tinham idade suficiente para consentir o ato sexual (segundo a lei de Nova York, a idade m�nima � 17 anos, por exemplo), e por isso os jurados determinaram que os atos n�o foram ilegais.
Ainda assim, Kate (um pseud�nimo) e Annie Farmer (que usou seu nome verdadeiro completo) ajudaram a consolidar o caso contra Maxwell ao descreverem o modus operandi de aliciamento de v�timas sexuais.
Enquanto Maxwell estava presa, seus familiares reclamaram do tratamento dado a ela na pris�o, falando em pr�ticas semelhantes � tortura.
Mas no tribunal ela estava extremamente ativa e animada em sua defesa, abra�ando seus advogados e mandando beijos para familiares no local.
Maxwell analisou atentamente as provas apresentadas, encarava as testemunhas nos olhos e frequentemente escrevia bilhetes para seus advogados com coment�rios sobre as acusadoras.

Sua postura desafiadora pode ser resumida no momento em que a ju�za Alison Nathan perguntou a ela se testemunharia em sua pr�pria defesa. Em vez de responder � ju�za com um simples sim ou n�o, ela se levantou e informou ao tribunal que "n�o havia necessidade" de faz�-lo porque a acusa��o n�o havia provado seu caso.
Os advogados de defesa, no entanto, estavam bem menos seguros. Eles convocaram apenas nove testemunhas em dois dias e reiteravam que Maxwell era apenas um bode expiat�rio.
Os promotores citaram registros banc�rios que mostram que ela recebeu US$ 30 milh�es (cerca de R$ 170 milh�es) de Epstein entre 1999 e 2007 como prova de que era motivada por dinheiro.
A estrat�gia da defesa se baseou fortemente em abrir buracos e contradi��es no processo movido pelos promotores, que arcam com o �nus de provar as alega��es al�m de qualquer d�vida razo�vel.
Toda base do caso da promotoria (parte da acusa��o) repousava na credibilidade das quatro acusadoras, que descreveram terem sido abusadas por Epstein entre 1994 e 2004. � porque o testemunho delas foi t�o convincente para os jurados que Ghislaine Maxwell foi condenada.
Especialistas jur�dicos disseram que atacar as mem�rias e as motiva��es dessas mulheres n�o ajudou a acusada.
"Ghislaine Maxwell tinha a desvantagem de ter que explicar esse desfile de meninas que entravam e sa�am de casa diariamente sob sua supervis�o", disse Mark Epner, um ex-promotor, � BBC. "Ela alegou que n�o sabia de nada disso. E quando os jurados conclu�ram que ela era uma mentirosa, conclu�ram que ela era uma predadora."
Amigos famosos, e justi�a sendo feita
Uma das �nicas evid�ncias f�sicas exibidas no tribunal foi uma cama de massagem dobr�vel verde, retirada de uma propriedade de Epstein em Palm Beach, em 2005 durante uma batida policial.
Foi uma tentativa da promotoria de quase recriar a cena dos crimes ali mesmo, no meio do tribunal. Um policial aposentado testemunhou que eles tamb�m recuperaram uma caixa de brinquedos sexuais.
Um disco r�gido recuperado durante uma opera��o em separado do FBI na mans�o de Epstein em Nova York continha e-mails enviados por Ghislaine Maxwell a um membro da equipe nos quais ela reclama que o gerente da casa, Juan Alessi, n�o arrumou os cremes de massagem de Epstein.

Isso levou a pol�cia at� Alessi, que forneceu alguns dos depoimentos de corrobora��o mais contundentes e proibidos para menores em todo o julgamento. Os rep�rteres que cobriam o caso tiveram que escrever rapidamente notas para acompanhar suas revela��es surpreendentes sobre a fam�lia.
Ele disse ao tribunal que Epstein tinha tr�s massagens por dia. Quando Alessi limpava o local ap�s cada uma delas, ele colocava os brinquedos sexuais de volta onde eles pertenciam, em uma cesta no arm�rio de Ghislaine Maxwell, fora do quarto principal que ela dividia com Epstein.
Alessi disse que Epstein ou Maxwell �s vezes o orientavam a entrar em contato e buscar mulheres jovens para massagens.
Ele se lembra de ter visto duas meninas menores de idade que pareciam ter 14 ou 15 anos, Jane e Virginia Roberts.
As regras da casa, incluindo um manual de 59 p�ginas, disse Alessi, determinava aos funcion�rios que fossem surdos, mudos e cegos, e os proibiam de fazer contato visual com Epstein.
"Havia uma cultura de sil�ncio. Isso era intencional, o projeto da r�, porque atr�s de portas fechadas, a r� e Epstein estavam cometendo crimes hediondos", disse a procuradora-assistente dos Estados Unidos, Lara Pomerantz.
As batidas policiais nas casas de Epstein tamb�m produziram fotos �ntimas que mostram o estilo de vida luxuoso e a conex�o pr�xima da dupla.
Em uma foto, o casal � visto relaxando na resid�ncia da rainha Elizabeth 2ª em Balmoral, quando o pr�ncipe Andrew (filho da rainha e acusado por Virginia Giuffre de sexo for�ado por tr�s vezes, algo que ele nega) teria convidado o casal para a propriedade real escocesa.
Em outra, Ghislaine Maxwell est� em um avi�o particular com Epstein, massageando seu p� e esfregando-o contra seu decote.
A incr�vel riqueza em exibi��o de propriedades opulentas em Palm Beach, Nova York e Novo M�xico apenas destacou a vasta din�mica de poder em jogo. A dupla usou a riqueza para atrair e fazer as meninas se sentirem em d�vida com eles.
V�rias testemunhas, incluindo as quatro mulheres, lembraram como a dupla listava os nomes de amigos importantes, como Bill Clinton, Donald Trump ou pr�ncipe Andrew, e exibia fotos deles ao lado do Papa Jo�o Paulo 2º ou Fidel Castro em suas propriedades.
As acusadoras n�o apontaram qualquer irregularidade por parte de amigos famosos de Epstein e Maxwell.
O fato de essas conex�es n�o terem evitado a justi�a e a condena��o de Maxwell e Epstein � um momento significativo para pessoas que muitas vezes se encontram no outro extremo da escala social.
"Este veredicto de condena��o � imensamente significativo para as v�timas de abuso sexual em todos os lugares", disse Lisa Bloom, advogada de oito das v�timas de Epstein.
"N�o importa quem voc� seja, n�o importa em que tipo de c�rculo voc� viaje, n�o importa quanto dinheiro voc� tenha, n�o importa quantos anos se passaram desde o abuso sexual. A justi�a ainda � poss�vel."
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