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Estado de Minas MUNDO

Como 52 pessoas foram enganadas para trabalhar em ag�ncia falsa de design

Dezenas de jovens foram levados a pensar que estavam trabalhando para uma glamourosa ag�ncia de design do Reino Unido - que na verdade n�o existia


22/02/2022 21:15 - atualizado 22/02/2022 21:51

Ilustração de imagens sem rosto durante video-chamada
Dezenas de jovens foram levados a pensar que estavam trabalhando para uma glamourosa ag�ncia de design do Reino Unido - que na verdade n�o existia (foto: BBC)
Havia cerca de 40 pessoas na chamada no Zoom — ou pelo menos era o que os participantes acreditavam. A reuni�o com todos os funcion�rios da glamourosa ag�ncia de design havia sido convocada para dar as boas-vindas aos mais novos contratados daquela empresa em fase de expans�o.

 

O nome da ag�ncia era Madbird e o seu propriet�rio, Ali Ayad, era din�mico e inspirador — ele queria que todas as pessoas da chamada fossem ativas e ambiciosas como ele.

 

Mas as pessoas que ali estavam com as c�meras ligadas n�o sabiam que alguns dos participantes da reuni�o n�o eram de verdade.

 

Sim, eles estavam relacionados como participantes. Alguns at� tinham contas de e-mail reais e perfis no LinkedIn. Mas seus nomes eram inventados e seus rostos, de outras pessoas. Tudo aquilo era falso — os funcion�rios reais haviam ca�do no golpe do falso emprego.

 

A BBC passou um ano investigando o que realmente aconteceu.


Short presentational grey line
(foto: BBC)

 

Chris Doocey, gerente de vendas de Manchester, no Reino Unido, com 27 anos de idade, come�ou a trabalhar na Madbird em outubro de 2020, pouco antes da chamada pelo Zoom. Ele trabalharia de casa — o que era normal, j� que a pandemia de covid-19 seguia descontrolada.

 

A covid-19 havia virado a vida de Doocey do avesso. Por causa da pandemia, ele havia perdido seu emprego, o que o motivou a se candidatar ao cargo na Madbird.

 

O an�ncio descrevia a empresa como uma "ag�ncia de design digital voltada para as pessoas, nascida em Londres e com opera��es em todo o mundo".

Parecia um bom emprego.


Chris Doocey
Chris Doocey achou que Madbird parecia um bom lugar para trabalhar (foto: BBC)

 

A Madbird contratou mais de 50 outras pessoas. A maioria trabalhava em vendas, algumas em design e outras eram supervisores. Cada novo contratado era instru�do a trabalhar de casa, trocando mensagens por e-mail e falando entre si pelo aplicativo Zoom.

 

Os dias de trabalho, muitas vezes, eram longos. Jordan Carter, de Suffolk, tamb�m no Reino Unido, tinha na �poca 26 anos de idade e foi considerado um dos funcion�rios mais esfor�ados da equipe de vendas de Doocey. Em cinco meses, ele havia apresentado a Madbird a 10 mil poss�veis clientes, esperando fechar contratos para reprojetar websites ou elaborar aplicativos. Em janeiro de 2021, sua �tica profissional lhe valeu o t�tulo de Funcion�rio do M�s.

 

Outros funcion�rios viviam fora do Reino Unido. Em seus esfor�os para atingir o mercado internacional, o departamento de Recursos Humanos da Madbird publicou an�ncios de emprego online para formar uma equipe de vendas internacional em Dubai, nos Emirados �rabes Unidos. Pelo menos uma dezena de pessoas de Uganda, �ndia, �frica do Sul, Filipinas e outros pa�ses foram contratadas.

 

An�ncios de emprego foram publicados para formar equipes da Madbird em Londres e em Dubai.

 

Para essas pessoas, o emprego representava mais que um simples sal�rio, mas um visto para o Reino Unido. Seus contratos diziam que, se elas fossem aprovados no seu per�odo de experi�ncia de seis meses e atingissem suas metas de vendas, a Madbird bancaria sua mudan�a para o pa�s.

O patr�o e sua hist�ria

Ali Ayad sabia o poss�vel significado de uma nova vida no Reino Unido. Ele falou muitas vezes com os funcion�rios da Madbird sobre o seu passado antes de estabelecer-se em Londres. Mas havia muitas vers�es da sua hist�ria.

 

Para uma pessoa, ele se apresentou como m�rmon de Utah, nos Estados Unidos. Para outras, ele era do L�bano, onde teria aprendido a trabalhar duro ap�s uma inf�ncia dif�cil. At� o seu nome mudava. �s vezes, ele acrescentava um segundo "Y" ao seu sobrenome, que se tornava "Ayyad". Em outras ocasi�es, assinava "Alex Ayd".

 

Mas algumas partes da hist�ria que ele contava �s pessoas eram consistentes. Acima de tudo, o principal era o tempo em que ele trabalhou como designer criativo na Nike. Ele contava a todos sobre seu trabalho na matriz da marca em Oregon, nos Estados Unidos. Foi l� que ele conheceu Dave Stanfield, o cofundador da Madbird.


Ali Ayad
Ali Ayad em Londres (foto: BBC)

 

As hist�rias sobre a arrojada carreira de Ali n�o pareciam exageradas. Ele fazia chamadas de v�deo como ningu�m — intenso e carism�tico, parecia muito atencioso. Falava com confian�a, �s vezes chegando �s raias da teimosia. Foi assim que convenceu pelo menos tr�s pessoas a sair dos seus empregos para trabalhar com ele.

 

Os funcion�rios da Madbird n�o tinham raz�o para duvidar das hist�rias de Ali na Nike. E, se duvidassem, tudo o que precisavam era verificar seu perfil no LinkedIn, repleto de longas recomenda��es de antigos colegas.

 

Ali Ayad "me incentivou muito com o significado e o cuidado da sua abordagem", segundo um coment�rio — supostamente de um diretor de cria��o da Nike. "As ag�ncias podem estar cheias de imitadores, mas Ali n�o � um deles. Ele traz originalidade e autenticidade para todos os seus projetos."

 

E l� estava tamb�m o seu parceiro comercial, Dave Stanfield. Na Nike, Ali Ayad era "fundamental" e "um dos melhores profissionais com quem j� trabalhei", segundo seu testemunho.

 

O otimismo e a energia de Ayad contagiavam os demais. Uma pessoa que ele contratou comparou seu novo patr�o com o ator Tom Cruise. Mas as duas pessoas com quem Ali se comparava com mais frequ�ncia eram, na verdade, Steve Jobs e Elon Musk. Os tit�s da tecnologia eram seus �dolos.

 

"Elon Musk trabalha 16 horas por dia. Estou tentando trabalhar 17!", escreveu ele em um e-mail para motivar sua equipe a continuar se esfor�ando. E, ao ponderar sobre decis�es comerciais dif�ceis, ele costumava citar uma frase frequentemente atribu�da a Steve Jobs: "se voc� quer fazer todo mundo feliz, n�o seja um l�der, v� vender sorvete".


Antonia Stuart
Antonia Stuart foi contratada para trabalhar como 'Chefe de Cria��o' da Madbird em Dubai (foto: BBC)

O pagamento aos funcion�rios

Os neg�cios da Madbird progrediram por meses e mais designers foram contratados para atender o n�mero crescente de negocia��es sendo conduzidas pela equipe de vendas. Mas, mesmo antes que a verdade sobre a Madbird fosse revelada, os seus funcion�rios enfrentavam um problema. Devido a cl�usulas incomuns nos seus contratos, eles ainda n�o haviam sido pagos.

 

Todos eles haviam sido contratados para trabalhar somente por comiss�o pelos primeiros seis meses. Apenas depois que eles fossem aprovados no seu per�odo probat�rio, teriam direito a um sal�rio — na maioria dos casos, cerca de 35 mil libras (R$ 245 mil). At� ent�o, eles ganhariam apenas um percentual de cada neg�cio que fechassem.

 

Todos os funcion�rios eram jovens adultos procurando trabalho em meio a uma pandemia. Muitos acreditaram que n�o tinham escolha a n�o ser aceitar os termos dos seus contratos.

 

Mas nenhum neg�cio chegou a ser concretizado. At� fevereiro de 2021, nenhum contrato com um �nico cliente sequer havia sido assinado. Por isso, nenhum dos funcion�rios da Madbird havia recebido um s� centavo.

 

Alguns deles acabaram saindo depois de algumas semanas, mas muitos permaneceram. Ficaram l� por quase seis meses, for�ados a usar o limite dos seus cart�es de cr�dito e tomar dinheiro emprestado da fam�lia para manter as contas em dia.

 

A quest�o era que, quanto mais voc� trabalhasse na Madbird, mais dif�cil era sair dela. E se um dos contratos grandes em que voc� estava trabalhando fosse concretizado na semana seguinte?

 

Tamb�m n�o fazia sentido pedir demiss�o pouco antes de terminar o per�odo probat�rio. Para muitos, o sal�rio parecia estar chegando. E, em meio � pandemia, era dif�cil encontrar emprego.

 

� claro que ningu�m recebeu pagamento, j� que a Madbird n�o tinha receita. Mas isso n�o era evidente para os funcion�rios novos. Eles acreditavam, erroneamente, que seus contratos de pagamento eram espec�ficos e que seus superiores deviam estar recebendo seus sal�rios. Al�m disso, a Madbird estava a ponto de assinar um grande n�mero de contratos. O dinheiro finalmente estava chegando.

 

Ou era o que parecia — at� que, uma tarde, tudo desmoronou.


Gemma Brett
Gemma Brett ficou desconfiada logo depois que ela come�ou a trabalhar para Madbird (foto: BBC)

A descoberta da verdade

Gemma Brett — designer da regi�o oeste de Londres, com 27 anos de idade — estava trabalhando na Madbird por apenas duas semanas quando percebeu algo estranho.

 

Ela estava curiosa para saber como seria seu transporte para o escrit�rio quando a pandemia passasse e procurou o endere�o f�sico da empresa. O resultado foi muito diferente dos v�deos do website da Madbird de um local de trabalho elegante e cheio de pessoas criativas. O Google Street View mostrou um pr�dio de apartamentos de classe alta no bairro londrino de Kensington.

 

Gemma entrou em contato com um corretor de im�veis que negociava um apartamento naquele mesmo endere�o. Ele confirmou a suspeita: o pr�dio era totalmente residencial. A reportagem da BBC confirmaria essa informa��o posteriormente, conversando com algu�m que havia trabalhado no edif�cio por anos. Ele nunca havia visto Ali Ayad. O bloco de apartamentos n�o era a sede global de uma empresa de design chamada Madbird.

 

Gemma contou sua descoberta para outra funcion�ria da Madbird que ela conhecia e em quem confiava — Antonia Stuart, l�der da expans�o da companhia para Dubai.

 

Usando pesquisas online de imagens reversas, elas aprofundaram a investiga��o. E descobriram que todo o trabalho que a Madbird afirmava ter realizado havia sido roubado de outros lugares na internet — e alguns dos colegas com quem elas trocavam mensagens online simplesmente n�o existiam.

Elas examinaram quais seriam as suas op��es. Uma seria pedir demiss�o discretamente, sem fazer alarde. N�o tinham ideia de quem estava por tr�s desse golpe, nem a escala da opera��o. E, claro, estavam assustadas.

 

Mas, por outro lado, se preocupavam com os colegas inocentes que poderiam vir a ter problemas se a verdade n�o fosse exposta e eles celebrassem contratos para a Madbird com base em mentiras. Afinal, havia contratos a serem assinados em quest�o de dias.

 

Elas decidiram, ent�o, enviar um e-mail para todos os funcion�rios, mas com um pseud�nimo: Jane Smith. O e-mail foi enviado em uma tarde corrida de trabalho e acusava os fundadores da Madbird de comportamento "imoral e anti�tico", que inclu�a roubar o trabalho de terceiros e "inventar" membros da equipe.

 

"Temos fortes raz�es para suspeitar que os fundadores da Madbird inventaram membros da equipe, portf�lio de trabalho/clientes, trabalhos anteriores e a localiza��o do escrit�rio", dizia o e-mail enviado para todos os funcion�rios.

 

As revela��es foram devastadoras para os funcion�rios reais. Aparentemente, tudo o que eles fizeram havia sido constru�do sobre mentiras. Parecia agora que nunca veriam o dinheiro devido pelos meses de tempo e trabalho duros.

Foi nesse momento que a BBC come�ou sua pr�pria investiga��o sobre a Madbird. Confirmamos as descobertas do e-mail de Jane Smith e fomos al�m.


Suposto co-fundador da Madbird, 'Dave Stanfield', era na verdade uma foto de um apicultor de Praga, e a foto do gerente sênior 'Nigel White' era de um modelo de agência
Suposto co-fundador da Madbird, "Dave Stanfield", era na verdade uma foto de um apicultor de Praga, e a foto do gerente s�nior "Nigel White", de um modelo de ag�ncia (foto: BBC)

Mentiras e perfis roubados

A empresa n�o havia "fornecido produtos e experi�ncias em n�vel local e internacional por 10 anos", como afirmava. Na verdade, Ali Ayad apenas registrou a Madbird na Companies House (o �rg�o governamental respons�vel pelo registro de companhias no Reino Unido) no mesmo dia em que entrevistou Chris Doocey para o cargo de gerente de vendas — 23 de setembro de 2020.

 

Pelo menos seis dos funcion�rios de alto escal�o apresentados pela Madbird eram falsos. Suas identidades foram forjadas com fotografias roubadas de cantos aleat�rios da internet e seus nomes, inventados.

 

Essas identidades falsas inclu�am o cofundador da Madbird, Dave Stanfield — o mesmo que mantinha perfil no LinkedIn e a quem Ayad se referia constantemente. Alguns dos funcion�rios enganados chegaram a receber e-mails dele.

 

Ayad disse a um funcion�rio que, se quisesse entrar em contato com Stanfield, deveria enviar um e-mail, porque ele era muito ocupado com projetos para a Nike e n�o podia atender liga��es.

 

Usando tecnologia de reconhecimento facial, conseguimos descobrir o verdadeiro dono do rosto de Dave Stanfield: um fabricante de colmeias de abelhas em Praga, na Rep�blica Checa, chamado Michal Kalis, que confirmou � reportagem que nunca havia ouvido falar da Madbird, de Ali Ayad ou Dave Stanfield.

 

Outro funcion�rio inventado chamava-se Nigel White. Algu�m usando seu nome chegou a entrar naquela chamada pelo Zoom, em janeiro. Mas sua foto n�o era de um designer gr�fico — era de um modelo cuja imagem � um dos primeiros resultados de pesquisa por "homem ruivo" fornecidos pela ag�ncia de imagens online Getty Images. Seu rosto est� presente em todos os lugares na internet.


Repórter Catrin Nye tenta descobrir quem trabalha no Madbird é real e quem é falso
Rep�rter Catrin Nye tenta descobrir quem trabalha na Madbird � real e quem � falso (foto: BBC)

Outros casos eram ainda mais estranhos. Um designer gr�fico, um gerente de promo��o de marcas e um gerente de marketing da Madbird na verdade eram fotografias de um m�dico liban�s, um ator espanhol e um influenciador de moda italiano. Todas as suas fotos haviam sido roubadas para criar identidades falsas.

 

Entramos em contato com todas as 42 marcas que a Madbird havia relacionado como antigos clientes — incluindo a Nike, Tate e a Toni & Guy. Dentre as que responderam, nenhuma havia trabalhado com a Madbird sequer um dia.

Mas e quanto aos portf�lios impressionantes de trabalhos de design para clientes que a Madbird havia apresentado com a marca da ag�ncia? Bem, muitos deles haviam sido retirados da internet.

 

Um documento promocional distribu�do para potenciais clientes da Madbird foi copiado — em alguns pontos, palavra por palavra — de uma empresa de design de Londres chamada Hatched. Os propriet�rios da Hatched afirmaram que haviam redigido o documento em 2016. A biografia pessoal da sua equipe principal tamb�m havia sido roubada e usada nos perfis de funcion�rios falsos da Madbird.

 

A pr�pria hist�ria de vida de Ayad tamb�m ruiu. Ele nunca havia trabalhado para a Nike como "l�der de cria��o" nos Estados Unidos, como afirmava. A Nike confirmou por escrito para a reportagem que n�o teve nenhum funcion�rio com esse nome, nem com nenhum de seus pseud�nimos.

 

As universidades de prest�gio nos Estados Unidos e no Canad� que Ayad afirmava ter cursado nem mesmo ofereciam os cursos que ele dizia ter estudado. A Universidade do Sul da Calif�rnia, nos Estados Unidos, e a Universidade Conc�rdia, no Canad�, n�o reconheceram seu nome em seus registros de ex-alunos.

 

E havia ainda a conta de Ayad no Instagram, onde ele postava atualiza��es sobre sua carreira como modelo e influenciador para mais de 90 mil seguidores. Sua presen�a nas redes sociais havia sido um dos motivos pelos quais muitos dos funcion�rios da Madbird depositaram confian�a e admira��o no seu patr�o. Mas a vida que Ayad apresentava no Instagram tinha muito pouca rela��o com a vida que ele realmente levava.

 

Uma postagem em particular chamou a aten��o da reportagem. Era uma foto mostrando um exemplar aberto da edi��o brit�nica da revista GQ, com Ali Ayad trajando um blazer em um an�ncio de p�gina inteira da marca espanhola de roupas Massimo Dutti. "Esforce-se em sil�ncio, deixe seu sucesso fazer o barulho", diz a legenda.

 

Mas, quando conseguimos a edi��o da GQ e a abrimos na p�gina 63, a fotografia de Ali n�o estava ali, mas sim o an�ncio de um rel�gio de pulso. Ali Ayad nunca havia trabalhado como modelo para Massimo Dutti e aparecido na edi��o brit�nica da revista GQ.

 

Na manh� seguinte ao e-mail de Gemma e Antonia com as alega��es, enviado com o pseud�nimo de Jane Smith, Ali Ayad enviou sua pr�pria mensagem para a equipe da Madbird. Ele escreveu que "se essas informa��es realmente forem verdadeiras, � um choque [t�o grande] para mim quanto para todos voc�s".

 

Ali Ayad alegou total desconhecimento. Mas, como diretor da companhia, afirmou que, ainda assim, assumiria toda a responsabilidade. Ele prometeu retirar da internet o website da Madbird e suspender todos os trabalhos em andamento "at� consertarmos isso".

 

E, antes de assinar pela �ltima vez, um lampejo de remorso. "Passei meses dedicando 16 horas todos os dias e fiz o melhor que pude para que isso funcionasse. Deveria ter me informado melhor e, por isso, realmente me arrependo", afirmou Ali.

 

Foi o mais pr�ximo de um pedido real de desculpas que os funcion�rios da Madbird receberam. Ali Ayad em breve passaria a manter sil�ncio. Ele parou de atender liga��es dos seus funcion�rios confusos e bloqueou outros. O website da Madbird foi retirado do ar e o perfil de Ayad no LinkedIn desapareceu.

 

Foi assim que o homem se desvaneceu no mesmo �ter digital do qual havia surgido.


Elvis John
Elvis John teme que poderia ser processado em Dubai se algum acordo com a Madbird tivesse sido assinado (foto: BBC)

E agora?

Os funcion�rios reais da Madbird ficaram arrasados. Alguns haviam passado at� seis meses trabalhando para n�o receber. Agora, estavam desempregados no meio de uma pandemia e lutando at� para descrever o que havia acabado de acontecer com eles.

 

O gerente de vendas Chris Doocey havia acumulado uma d�vida de 10 mil libras (R$ 69,3 mil) para pagar suas contas mensais enquanto esperava seu primeiro pagamento.

 

Stephie Nkoy-Nyama, da regi�o leste de Londres, havia pedido demiss�o de um bom emprego para entrar na Madbird. Sua �ltima empresa a havia mantido empregada durante a pandemia, apesar de demitir outros funcion�rios. Ela se sentiu pressionada por Ayad para deixar aquele emprego e mudar-se para a Madbird. "Ele nos fazia de bobos", afirma ela.

 

E havia os funcion�rios internacionais. Elvis John, originalmente de Chennai, na �ndia, chegou a imaginar que em breve viveria no Reino Unido.

Faltavam algumas semanas para terminar seu per�odo de experi�ncia de seis meses e ele esperava que Ayad bancaria seu visto. Quando chegou o e-mail de Jane Smith, John caiu em depress�o. "Meus sonhos simplesmente se despeda�aram", conta ele.

 

Como ele estava trabalhando em Dubai, os riscos eram ainda maiores. John acredita que, se alguma das suas negocia��es chegasse at� o final, teria enfrentado s�rios problemas legais com as rigorosas normas comerciais de Dubai — possivelmente seria preso e deportado para a �ndia.


James Harris acabou recebendo menos de 30 libras pelo trabalho que fez na Madbird
James Harris acabou recebendo menos de 30 libras pelo trabalho que fez na Madbird (foto: BBC)

"N�o sei se Ali algum dia ir� entender o que ele nos fez passar", afirma Elvis, que sente que tudo foi tratado como um jogo.

 

Muitos ficaram constrangidos por terem ca�do no golpe. Alguns esperaram dias e at� semanas para contar a verdade para os amigos e a fam�lia. E, para outros, era uma hist�ria dif�cil de explicar, sempre recebida com quest�es para as quais nenhum dos funcion�rios enganados tinha respostas.

 

Tr�s ex-funcion�rios processaram a Madbird na Justi�a do trabalho, argumentando que deveriam receber pelo menos o sal�rio m�nimo pelo tempo em que estiveram na empresa. Ayad n�o respondeu � justi�a no prazo, de forma que um juiz ordenou o pagamento de um total de 19 mil libras (R$ 131,7 mil) de sal�rios aos tr�s funcion�rios. Ayad recorreu da decis�o, que foi mantida pela Justi�a. Ele agora est� apelando dela novamente.

 

Mas, mesmo se Ayad perder mais uma vez, isso n�o quer dizer que os tr�s funcion�rios receber�o o dinheiro. A ordem da justi�a foi emitida contra a companhia, n�o contra a pessoa f�sica de Ali Ayad. Por isso, se a Madbird estiver falida, como afirma Ayad, a Justi�a n�o tem instrumentos para for��-la a pagar os sal�rios devidos sem que tenha o dinheiro para isso.

 

Pelo menos um funcion�rio da Madbird recebeu dinheiro. James Harris, de York, no Reino Unido, trabalhou na empresa por duas semanas como designer quando as revela��es vieram � tona. Onze meses depois, ele recebeu pelo correio um cheque de 29,70 libras (R$ 205,80), com base no sal�rio m�nimo brit�nico. Aparentemente, Ayad havia concordado em pagar por algumas horas de treinamento que James havia feito sem receber.

Mas Ali Ayad entendia as consequ�ncias das suas a��es? Ele passou algum tempo dizendo que falaria com a reportagem para dar a sua vers�o dos fatos — at� que, ap�s meses de mensagens trocadas, ele acabou concordando em dar uma entrevista para n�s em frente �s c�meras.

Um dia antes disso acontecer, no entanto, avisou que n�o compareceria. Se quis�ssemos a vers�o de Ali Ayad sobre os fatos, n�o t�nhamos outra escolha sen�o ir em busca dele.

Confrontando Ayad


Ali Ayad confrontado pela BBC no oeste de Londres
Ali Ayad confrontado pela BBC no oeste de Londres (foto: BBC)

N�s encontramos Ali Ayad em uma rua na regi�o oeste de Londres em uma tarde de outubro de 2021 e o confrontamos.

Ele estava vestido com uma jaqueta de couro preta e andava a p� rumo a uma esta��o de metr�. N�o demonstrou ter sido pego de surpresa, preferindo inicialmente ignorar nossas perguntas. Mas, depois um tempo, n�o teve outra op��o sen�o falar.

Ayad insistiu que estava tentando fazer algo de bom. "Tudo o que sei � que criamos oportunidades para as pessoas. Em meio � covid", afirmou.

Quando o acusamos de criar identidades falsas e roubar o trabalho de outras pessoas, ele ficou furioso. "Fiz isso? Como voc� sabe que eu fiz isso?" Estaria ele indicando que mais algu�m estava envolvido? Quando perguntamos, ele n�o indicou ningu�m.

Sempre havia a possibilidade de que alguma mente brilhante an�nima estivesse por tr�s de tudo — algo que a reportagem considerou seriamente. Mas, sem nomes nem a ajuda de Ayad, era um caminho que n�s n�o consegu�amos explorar.

Ayad tamb�m insistiu que a Madbird realmente tinha um escrit�rio. Mas, quando o questionamos, ele recuou, indicando que seria um escrit�rio virtual. "Voc�, na verdade, n�o precisa ter computadores e outras coisas, certo? � uma empresa digital."

Por fim, parou de responder nossas perguntas.

Posteriormente, escrevemos para dar a ele uma nova oportunidade de responder �s acusa��es. Ayad respondeu, reconhecendo que "dois pontos" das acusa��es contra ele eram verdadeiros, mas sem dizer quais. Tamb�m afirmou que a "maioria" dos 24 pontos que apresentamos a ele por escrito eram "absurdos e incorretos". Disse que enviaria uma resposta mais completa, mas nunca o fez.

Enquanto Ali Ayad se recusar a colaborar, nunca saberemos de fato por que ele criou a Madbird. Entre os que passavam a maior parte do tempo com ele online, trocando e-mails e em chamadas de v�deo, duas teorias se sobressaem.

Uma delas diz que tudo era uma tentativa de iniciar um neg�cio real. Pode ter come�ado como uma mentira, mas talvez a Madbird, em algum momento, come�asse a fechar neg�cios reais e fazer dinheiro. H� funcion�rios que acreditam que a empresa estava a poucos dias de assinar com clientes quando tudo desmoronou. Se as mentiras n�o tivessem sido descobertas, talvez ningu�m tivesse exposto as origens nebulosas da Madbird.

Outra explica��o � que a motiva��o talvez fosse al�m do dinheiro. Talvez Ali Ayad tenha se divertido no papel de patr�o. Ele realmente parecia apreciar o tempo que passava administrando a Madbird.

As entrevistas de emprego com ele muitas vezes duravam mais de uma hora. Contava hist�rias sobre como havia mudado a vida das pessoas identificando seus talentos e dando a elas uma chance. Enviava links de m�sica eletr�nica para os funcion�rios ouvirem enquanto trabalhavam. Queria ser um patr�o agrad�vel — e, nos meses em que a Madbird esteve operante, foi assim que as pessoas o trataram.

A pandemia mudou a forma em que muitos de n�s trabalh�vamos. A comunica��o atrav�s da tela tornou-se padr�o. Ali Ayad explorou isso. � como se ele quisesse ser o pr�ximo Elon Musk — e, na Madbird, achou que havia encontrado um atalho, um universo onde seria julgado apenas pela sua presen�a online e n�o pela vida real.

E qual a parte mais surpreendente dessa aposta de Ali Ayad? O fato de que vivemos em uma era em que isso quase deu certo.


Short presentational grey line
(foto: BBC)

Ilustra��es por Lilly Huynh


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