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Estado de Minas CAMPO DE CONCENTRA��O

'Como escapei da morte em Auschwitz': o relato da irm� 'p�stuma' de Anne Frank

Aos 93 anos, Eva Schloss � hoje uma das �ltimas sobreviventes do holocausto


02/04/2022 19:39 - atualizado 03/04/2022 10:17

Eva Schloss e Anne Frank foram amigas de inf�ncia, vizinhas na Amsterd� ocupada pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Eva lembra que o apelido de Anne era 'Miss Quack Quack' — segundo ela, a autora do di�rio que viria a ser tornar um dos �cones do Holocausto ganhou a alcunha porque adorava papear.

E assim como os Frank, a fam�lia judia de Eva foi for�ada a se esconder, mas acabaria sendo descoberta e enviada para o campo de exterm�nio de Auschwitz-Birkenau, na Pol�nia.

Ap�s a guerra, Eva se tornou irm� posti�a p�stuma de Anne, quando sua m�e se casou com o pai dela, Otto Frank.

Aos 93 anos, ela � hoje uma das �ltimas sobreviventes do Holocausto.

Em entrevista � jornalista Emily Webb, do programa de r�dio Outlook, da BBC, ela conta como foi capturada e escapou da morte no campo de exterm�nio nazista.

Eva Geiringer Schloss vivia uma inf�ncia feliz ao lado dos pais, Erich e Elfriede, e do irm�o mais velho, Heinz, em Viena — adorava esquiar nas montanhas no inverno e nadar no lago nos meses de ver�o.

Mas as tropas nazistas invadiram a �ustria, em 12 de mar�o de 1938, para anexar o pa�s � Alemanha.

Da noite para o dia, amigos e vizinhos se voltaram contra a fam�lia de Eva simplesmente porque a fam�lia era judaica. Eva tinha 9 anos na �poca.

"Minha melhor amiga era uma garota cat�lica. Quando fui � casa dela, a m�e dela me viu chegando, me olhou com tanto �dio e disse: 'N�o queremos mais te ver aqui'. E bateu a porta na minha cara", relembra Eva em entrevista ao programa Outlook, da BBC.

"Fiquei em choque. Fui para casa chorando. E minha m�e disse: 'Infelizmente � isso que vai acontecer, as pessoas parecem n�o gostar mais de n�s'."

Seu irm�o, Heinz, ent�o com 12 anos, chegou a ser atacado fisicamente pelos pr�prios amigos.

"Ele chegou em casa num estado lament�vel. Seu rosto estava todo coberto de sangue, suas roupas estavam rasgadas. E quando meus pais perguntaram (o que havia acontecido), ele disse: 'Meus melhores amigos fizeram isso, e os professores ficaram apenas assistindo'."

Para escapar da persegui��o na �ustria, os Geiringer se refugiaram ent�o primeiro na B�lgica, e depois na Holanda.

E foi em Amsterd� que Eva conheceu Anne Frank — a autora do di�rio mais famoso do mundo morava no pr�dio para onde se mudaram.

"Todas as crian�as iam brincar depois da escola na �rea aberta (do pr�dio). E um dia uma garotinha veio at� mim e se apresentou, o nome dela era Anne Frank."

"Ela perguntou de onde eu vinha, eu disse que da �ustria, e assim por diante. 'Ent�o voc� fala alem�o?', ela disse, 'Ah, meus pais tamb�m falam alem�o'."

"Ela me levou depois at� seu apartamento para conhecer sua fam�lia. E foi assim que conheci Otto, que mais tarde se tornou meu padrasto, sua irm� e sua m�e", afirma.

As duas se tornaram amigas — "n�o melhores amigas", esclarece Eva, devido a interesses distintos na �poca.

"Eu queria brincar. Anne era mais feminina, mais interessada em roupas e meninos j�. Quando eu disse a ela que tinha um irm�o, ela falou: 'Ah, posso conhecer?'", recorda.


Anne Frank sorrindo em uma foto em preto e branco
O 'Di�rio de Anne Frank', escrito enquanto a jovem se escondia dos nazistas, continua sendo lido mais de 70 anos ap�s sua morte (foto: Anne Frank Museum)

"(Mas) Ele n�o estava interessado em uma garota da idade da sua irm�zinha. Queria uma namorada mais velha."

Pouco tempo depois de os Geiringer chegarem a Amsterd�, em 1940, os nazistas invadiram a Holanda — e a persegui��o aos judeus logo come�ou. Eles tentaram deixar o pa�s, mas desta vez n�o conseguiram.

"N�o pod�amos usar o transporte p�blico, t�nhamos que andar de bicicleta, fazer compras em lojas de judeus, pessoas crist�s eram proibidas de vir � nossa casa, �ramos proibidos de ir a casas crist�s. N�o pod�amos ir ao cinema, � piscina... Falaram que t�nhamos que deixar nossa escola e ir para escolas judaicas", diz ela.

Mas, apesar de tudo, Eva ainda guarda boas lembran�as deste per�odo — sobretudo do irm�o, Heinz, que tocava m�sicas para ela dan�ar no piano e, como n�o podiam mais ir ao cinema, preparou uma apresenta��o especial do filme Branca de Neve e os Sete An�es, que estava em cartaz, para a irm�, com os personagens desenhados em cartolina.

"Ele fazia de tudo para me fazer feliz, para me agradar."

"Ent�o a ocupa��o ainda n�o era t�o terr�vel", avalia Eva.

Mas o pior ainda estava por vir. Em 1942, os nazistas apresentaram a chamada "solu��o final", o plano para o genoc�dio do povo judeu, que culminou no assassinato de dois ter�os da popula��o de judeus da Europa.

Foi quando o irm�o de Eva, assim como outros jovens, recebeu uma carta de convoca��o para se apresentar para ser enviado a um campo de trabalho nazista na Alemanha — e seu pai decidiu que a fam�lia deveria se esconder.

"Meu pai explicou que todo pa�s ocupado (pelos nazistas) tinha um movimento de resist�ncia, o que significava que estavam boicotando o que os alem�es estavam fazendo."

"Estas pessoas encontraram casas para n�s nos escondermos", afirma.

A fam�lia Geiringer se dividiu estrategicamente em casas diferentes — Eva se refugiou com a m�e, enquanto seu irm�o, Heinz, se escondeu com o pai.

Como havia incurs�es constantes da pol�cia nazista, a resist�ncia holandesa construiu um pequeno esconderijo para Eva e a m�e no banheiro da casa em que estavam refugiadas, atr�s de uma parede falsa.

Ela lembra do pavor que sentiu quando um dos soldados entrou no banheiro.

"Ouvi (o barulho) das botas dele entrando, e meu cora��o batia t�o alto que achei que ele ouviria pela divis�ria, mas � claro que n�o (ouviu). Apenas abriu a porta, olhou para dentro e provavelmente j� saiu de novo."

Ap�s dois anos se escondendo, em 11 de maio de 1944, dia em que Eva completou 15 anos, aconteceu o que os Geiringer temiam.

"Era meu anivers�rio de 15 anos, hav�amos nos mudado recentemente para a casa desta fam�lia, uma fam�lia muito bacana, um casal mais velho. Tinham feito um caf� da manh� especial de anivers�rio com ovo, porque s� com�amos um ovo por semana."

"De repente, ouvimos uma batida na porta. Bem, de manh� n�o tinha problema. O dono da casa desceu e abriu a porta — havia dois nazistas e dois policiais holandeses. Eles subiram as escadas e foram direto em mim e na minha m�e."

A fam�lia de Eva havia sido tra�da por um agente duplo da Resist�ncia Holandesa.

Elas foram levadas at� a sede da Gestapo, a pol�cia secreta nazista, onde Eva foi exaustivamente interrogada. O que ela n�o sabia � que seu pai e seu irm�o tamb�m haviam sido capturados.

"Eles acabaram me liberando, e me jogaram em uma salinha. L� estavam meu pai, Heinz e minha m�e."

Mais tarde, descobriu-se que a enfermeira que estava abrigando o pai e o irm�o de Eva entregou cerca de 200 fam�lias de judeus para os nazistas, incluindo os Geiringer.

Os nazistas ofereciam grandes recompensas para quem entregasse os judeus que estavam escondidos.

"E quando n�s fomos visitar, nos seguiram, ent�o sabiam onde est�vamos", diz ela.

Na sequ�ncia, os Geiringer foram levados em um trem de carga para o campo de concentra��o de Auschwitz-Birkenau, dentro de um vag�o para transporte de gado.

"Cerca de 70 pessoas foram empurradas para dentro (do vag�o). N�o havia lugar para sentar, apenas no ch�o. Trouxeram dois baldes, um para �gua e outro para (servir de) banheiro. Um balde comum pequeno."

"Depois vieram e fecharam a porta, j� nos sent�amos numa pris�o. E ent�o seguimos viagem. Uma vez por dia, a porta era aberta, e eles jogavam peda�os de p�o para dentro. E trocavam os baldes", relembra.

�quela altura, eles ainda n�o sabiam para onde estavam indo.

"Viajamos talvez por tr�s ou quatro dias. As pessoas desmaiavam, choravam, era um clima terr�vel."

A viagem de trem foi a �ltima ocasi�o em que os Geiringer estiveram todos juntos como fam�lia.

"Meu pai pediu desculpas a n�s, disse que n�o poderia mais nos proteger."

"E nos deu instru��es: 'Lavem sempre as m�os, tentem sempre ajudar uns aos outros. Tentaremos ficar juntos. Lembrem-se: temos uma chance, podemos conseguir, n�s quatro'."

Quando chegaram a Auschwitz, em territ�rio polon�s, os homens foram quase que imediatamente separados das mulheres. Eva teve que se despedir ent�o do pai e do irm�o.

"Foi uma despedida terr�vel, porque nos demos conta que talvez nunca mais nos ver�amos de novo", diz Eva.

Pelo menos 1,1 milh�o de pessoas seriam assassinadas em Auschwitz, que com suas c�maras de g�s e cremat�rios, se tornaria o complexo de campos de exterm�nio mais mortal do Terceiro Reich.

Eva e a m�e foram levadas para Birkenau, um anexo de Auschwitz, onde passaram por outra triagem, feita desta vez por Josef Mengele, o m�dico nazista conhecido como "Anjo da Morte".

"Ele n�o estava ali para cuidar da sa�de das pessoas, mas para decidir quem ia morrer e quem ia viver. A gente n�o sabia, claro."


Oficiais da SS em recinto do lado de fora de Auschwitz Da esq: Richard Baer, Josef Mengele, Josef Kramer, Rudolf Hoess e Anton Thumann
Mengele (segundo da esq.) foi apelidado de 'Anjo da Morte' pelo jeito frio e indiferente com que despachava, com um gesto da m�o, prisioneiros para a morte (foto: Karl Hoecker/Museu do Holocausto)

Enquanto estavam enfileiradas, ela conta que a m�e insistiu para que botasse seu casaco e chap�u.

"Era um casaco enorme, que n�o servia em mim de jeito nenhum, e eu n�o queria, estava quente. Mas minha m�e disse: 'Use, talvez seja �til'."

"Mengele vinha, ele olhava para voc� por uma fra��o de segundo e dizia: 'Deste lado, para aquele lado, deste lado, para aquele lado'. Era muito r�pido. E como n�o viu o qu�o jovem eu era, fui para o lado 'bom' com minha m�e."

Na ocasi�o, Eva n�o sabia o que significava ser selecionada para o outro lado.

"Pensamos: Talvez elas sejam levadas para um acampamento melhor, um campo (de trabalho) mais f�cil, n�o quer�amos pensar em outra coisa."

Na sequ�ncia, tiveram que se despir completamente — Eva se lembra dos soldados nazistas rindo da sua humilha��o —, tiveram o cabelo raspado e foram tatuadas.

"'Voc�s v�o ser tatuadas agora. Vamos colocar um n�mero no seu bra�o, e se precisarmos de voc�, vamos te chamar pelo n�mero. Esque�a que voc� tem um nome e � um ser humano'", Eva se lembra de terem dito.

Ainda nuas, m�e e filha foram levadas para fora, onde havia pilhas enormes de roupa.

"Voc� s� podia ter uma pe�a, que poderia ser um casaco pesado ou um vestido de noite, apenas uma, tanto fazia. E ent�o dois sapatos, todos sem cadar�o, claro, e nunca era um par — podiam ser duas botas de cano alto ou uma sand�lia e uma bota…", descreve.

Enquanto isso, as prisioneiras foram informadas em tom de esc�rnio pelos guardas que as familiares separadas delas na primeira triagem haviam sido executadas.

"Quando voc�s sa�rem em alguns minutos, j� v�o poder sentir o cheiro da carne queimada, porque elas j� foram mortas na c�mara de g�s, s� v�o ser incineradas agora."

"Foi uma crueldade extra. N�o precisavam nos dizer isso."

M�e e filha foram encaminhadas ent�o at� um galp�o, uma esp�cie de alojamento, onde havia apenas beliches de madeira.

"Eram (beliches) de tr�s andares, sem cobertor, sem (forro de) palha. Nada. E oito (mulheres) tinham que caber em um desses", descreve Eva.

"Eles disseram: 'Apenas encontrem um lugar, � aqui que voc�s v�o morar enquanto estiverem vivas'. E nos deixaram l�."

Poucos dias depois, Eva adoeceu com tifo — doen�a causada por bact�rias transmitidas por piolhos e outros artr�podes, que provoca febre alta, dores musculares e erup��es cut�neas. Na �poca, matava entre 10% e 40% dos infectados.

Uma das v�timas mais famosas do tifo durante a Segunda Guerra Mundial foi Anne Frank, que morreu da doen�a no campo de exterm�nio nazista de Bergen-Belsen em 1945.

"Sab�amos que havia um hospital onde Mengele estava trabalhando. Ent�o minha m�e disse que poderia me levar at� l� para ver se consegu�amos algum rem�dio."

"As outras presas diziam: 'N�o leve (a menina), porque ela nunca sair� viva'. E minha m�e falou: 'Mas ela vai morrer de qualquer jeito se eu n�o for'. Tenho que ir'."


Crianças sobreviventes de Auschwitz, resgatadas pelo Exército da União Soviética, algumas delas identificadas pelo Museu do Holocausto, EUA: 'Tomasz Szwarz; Alicja Gruenbaum; Solomon Rozalin; Gita Sztrauss; Wiera Sadler; Marta Wiess; Boro Eksztein; Josef Rozenwaser; Rafael Szlezinger; Gabriel Nejman; Gugiel Appelbaum; Mark Berkowitz (um gêmeo); Pesa Balter; Rut Muszkies (depois Webber); Miriam Friedman; e as gêmeas Miriam Mozes e Eva Mozes, usando gorros tricotados
Eva foi uma das milhares de crian�as e adolescentes deportadas para Auschwitz-Birkenau (foto: Arquivo estatal de Belarus/Museu do Holocausto)

Ao chegarem l�, encontraram uma conhecida.

"Uma mulher sai e olha para minha m�e, minha m�e olha para ela.... E acabou que era uma prima, uma das melhores amigas dela, na verdade. Elas se conheciam muito bem e se abra�aram."

Era Minnie, prima da m�e de Eva, que estava trabalhando como enfermeira no campo — e se tornaria uma importante aliada das duas em Auschwitz.

O marido dela, um m�dico judeu, havia sido recrutado para trabalhar com os nazistas — e negociou uma vaga de enfermeira para a esposa, como assistente de Mengele, que conduzia experimentos mortais em prisioneiros.

"Claro, era um trabalho terr�vel."

"Mas ela era a �nica mulher no campo que n�o tinha a cabe�a raspada porque tinha a prote��o do Mengele", relembra.

Minnie conseguiu ent�o rem�dio para Eva, que logo melhorou.

"Definitivamente, salvou minha vida", diz ela.

As condi��es no campo eram deplor�veis — Eva e a m�e n�o s� ficaram infestadas de piolho, como passaram fome.

Ela se lembra que as guardas costumavam cozinhar batata — e, se estivessem de bom humor, davam a �gua da batata para elas.

"Elas eram muito cru�is. �s vezes, em vez de despejar na nossa caneca, elas derramavam no ch�o. Era horr�vel."

Eva conta que inicialmente foram levadas para trabalhar em um galp�o conhecido como "Canad�" — uma men��o � terra da fartura, onde os pertences dos judeus presos eram vasculhados em busca de objetos de valor.

"Era (um trabalho) muito melhor (do que os outros), porque encontr�vamos comida. Uma das minhas tarefas era abrir as bainhas de todas as roupas, porque as pessoas escondiam dinheiro, joias, todo tipo de comida nas roupas."

E foi durante uma pausa no trabalho que algo inesperado aconteceu — Eva avistou um homem de uniforme listrado do outro lado da cerca que parecia seu pai.

"Eu chamei: Papi, pai... O homem se virou, e era meu pai! Um grande milagre tamb�m."

"Foi maravilhoso, porque eu n�o tinha ideia de onde ele estava, o que havia acontecido… perguntei como o Heinz estava, porque n�o sabia se ele havia sido selecionado. E ele disse: 'N�o, Heinz est� bem. Ele trabalha em um jardim'. N�o sei se era verdade. Mas foi o que ele disse."

A mar� de sorte n�o durou muito tempo, no entanto. Depois do "Canad�", m�e e filha foram submetidas a um trabalho mais pesado — tiveram que carregar enormes blocos de pedra de uma ponta a outra do campo e depois martelar at� ficarem em pedacinhos. Um trabalho extenuante.

A comida era t�o limitada que, certa vez, elas comeram ab�bora mofada e folhas de cenoura do lixo — Eva diz que fizeram de conta que era mel�o e salsinha.


Eva mostra a estudantes da Piedmont Middle School seu braço tatuado com o número de identificação dado pelos nazistas
Eva mostra a estudantes seu bra�o tatuado com o n�mero de identifica��o dado pelos nazistas (foto: Getty Images)

Cada vez mais magras e fracas, elas viviam diariamente sob o temor das triagens conduzidas por Mengele, que semanalmente selecionava prisioneiros para a c�mara de g�s.

"Um dia, fomos tomar banho, eu sa� primeiro, nua, e Mengele estava l�, com alguns soldados da SS, e a triagem estava acontecendo. Tive que dar uma volta, e fui aprovada."

A m�e de Eva, que j� havia perdido muito peso, foi avaliada na sequ�ncia, chegou a dar duas voltas, mas n�o passou pelo crivo de Mengele — e acabou sendo despachada para a morte junto a outras 40 prisioneiras

"Fiquei em choque. Corri para me despedir. Ela s� olhou desesperada para mim e disse: 'Tente achar Minnie'."

Para chegar at� Minnie, Eva teria que atravessar o campo sem permiss�o — e se fosse pega, seria executada.

Obviamente, era uma miss�o extremamente arriscada. Ela esperou at� anoitecer.

"Poderia facilmente ter dado errado, mas n�o deu. Eu sabia em que galp�o a Minnie estava. Ent�o corri rapidamente entre os diferentes beliches, a acordei e disse: 'Mutti (forma como Eva chamava a m�e) foi selecionada, tente pedir a Mengele para salv�-la'. Foi tudo muito r�pido, e corri de volta'."

Meses se passaram, e Eva come�ou a perder a esperan�a de ver a m�e novamente. E, com isso, suas for�as.

"Era inverno, a neve estava alta, e eu havia perdido meus sapatos, estava descal�a (...) Meus dedos estavam todos sangrando e com feridas abertas, eu estava faminta, estava sozinha."

"Honestamente, estava quase a ponto de desistir. Pensei: Minha m�e est� morta, n�o sei se Heinz e meu pai ainda est�o vivos. Estou morrendo de fome, faminta, n�o tenho for�as, n�o sou capaz de continuar."

Foi quando uma guarda a chamou do lado de fora — "ser� meu fim agora?, pensei" —, e Eva teve uma grande surpresa.

"Eu saio e vejo meu pai com um homem da SS (a mil�cia armada do Partido Nazista). Era um milagre. Claro que nos abra�amos, perguntei como Heinz estava, e ele disse que estava bem", conta Eva, que n�o fazia ideia de como o pai havia convencido o guarda a deix�-lo ver a filha.

"Ele me perguntou ent�o onde Mutti estava, e eu comecei a chorar... Disse a ele: 'Ela foi para a c�mara de g�s'."

"Pude ver o rosto do meu pai desmoronando, ele perdeu a postura, a for�a, mas logo se recuperou e disse: 'Voc� n�o pode desistir. A guerra deve acabar logo, n�s vamos conseguir, n�s tr�s ainda estaremos juntos. E Mutti cuidar� de n�s'."

A visita inesperada ajudou Eva a recuperar suas for�as — o que ela n�o sabia � que seria a �ltima vez que veria o pai.

Em janeiro de 1945, um clima de p�nico come�ou a se espalhar pelo campo � medida que o ex�rcito russo avan�ava. Mas o horror ainda estava longe de terminar.

Os guardas nazistas come�aram a destruir documentos e a demolir o cremat�rio. Corpos que haviam sido enterrados atr�s das c�maras de g�s foram desenterrados e queimados em enormes valas a c�u aberto.

"Muitos nazistas haviam ido embora, avi�es russos estavam sobrevoando, e percebemos que algo estava acontecendo. Mas n�s realmente n�o sab�amos o que era."

Em meio ao caos que se instalava, Eva encontrou algumas mulheres que conheceu durante seus primeiros dias em Auschwitz. E mais um "milagre" aconteceu.

"Elas disseram: 'Ah, que maravilha, n�s vimos sua m�e'. E eu falei: 'N�o, n�o pode ser. Voc�s est�o enganadas. Porque minha m�e foi selecionada'. E elas disseram: 'N�o, n�o. Ela est� no alojamento dos doentes com sua prima Minnie, veja se voc� consegue ir at� l�', e elas me disseram onde era."

Eva ainda n�o conseguia acreditar que a m�e estava viva. Mas poucos dias depois, conseguiu ir at� o complexo do hospital para ver com seus pr�prios olhos.

"Minha m�e estava na cama de cima. Eu chamei: 'Mutti, Mutti'. E sua cabecinha, muito fraca, apareceu: 'Eva, Eva...' Ela n�o conseguia acreditar. Foi fant�stico."

Por interm�dio de Minnie, Eva e a m�e passaram a dividir a mesma cama e ficaram juntas novamente.

"Foi maravilhoso."

"Na ocasi�o, eu estava muito otimista de que tudo ficaria bem", afirma.

Pouco tempo depois, os nazistas abandonaram o campo de Auschwitz e levaram muitos prisioneiros com eles, no que ficaria conhecido como marcha da morte.

Os presos foram for�ados a caminhar pela neve para cidades a mais de 50 km de dist�ncia — muitos morreram de frio, fome, exaust�o ou fuzilados pelos guardas alem�es ao longo do trajeto.

"Uma noite, eles entraram no alojamento e falaram: 'Todas para fora, vamos marchar. E se voc� n�o vier, vamos trancar o alojamento e queimar todo o acampamento'. � o que estavam dizendo."

Mas a m�e de Eva estava muito fraca — e n�o tinha condi��es de marchar.

"� claro que eu tamb�m fiquei. Em todo o campo, ainda havia cerca de 300 ou 400 pessoas, que estavam muito fracas ou n�o podiam ir e ficaram para tr�s", recorda.

"E ent�o, n�s acordamos uma manh�, e os alem�es tinham ido embora, levando com eles a maioria dos presos."

Mas ainda n�o havia motivo para comemorar. Depois que eles foram embora, Eva teve que encarar a morte de frente. As pessoas ao seu redor estavam definhando — havia muito pouca comida, muito pouca �gua. E muita gente simplesmente n�o sobreviveu.

"Eu tive que levar os corpos para fora, porque era uma das pessoas que ainda tinha for�a. E n�o consegu�amos nem sequer fechar suas p�lpebras porque estavam congeladas."

"Foi terr�vel, porque eu tinha falado com aquelas pessoas no dia anterior e, de repente, tinha que colocar (seus corpos) para fora. Foi, na verdade, a pior experi�ncia para mim. Tive pesadelos com isso durante muitos e muitos anos", conta.

"Minha m�e tamb�m estava muito fraca, mas como est�vamos juntas, t�nhamos um pouco de for�a extra de alguma forma."

Naquela �poca, Eva passava grande parte do dia em busca de �gua e comida — "se encontrasse um pouco de p�o, eu levava para as pessoas que n�o podiam sair", diz ela.

E, certa vez, decidiu fazer uma incurs�o at� o acampamento masculino de Auschwitz, junto a outra sobrevivente, no intuito de descobrir o que aconteceu com seu pai e irm�o.

Quando chegou l�, n�o os encontrou, mas viu um rosto conhecido.

"Fui at� ele e disse: 'Voc� me parece um pouco familiar'. E ele olhou para mim e perguntou: 'Voc� � Eva Geiringer'? E eu disse: 'Sim, sim'. 'Sou Otto Frank, pai da Anne'."

Ele n�o tinha not�cias da mulher e das filhas, mas contou a Eva que seu pai e irm�o haviam deixado o campo na marcha com os nazistas.

"Naquela �poca, n�o sab�amos sobre as marchas da morte. Achamos que era uma boa not�cia. Eles ainda estavam vivos, e tinha certeza de que iam conseguir."

Eva e a m�e foram finalmente salvas de Auschwitz pelo ex�rcito sovi�tico — e Otto Frank se juntou a elas.

"Ainda est�vamos ansiosos, tudo havia sido bombardeado, era uma situa��o de caos. Acho que a primeira vez que nos sentimos realmente seguras, foi quando est�vamos de volta a Amsterd� em nosso apartamento. Mas ainda est�vamos muito ansiosas, porque n�o t�nhamos not�cia da nossa fam�lia."

Os tr�s voltaram para Amsterd� em junho de 1945. Enquanto Otto procurava as filhas e a esposa, Eva tentava encontrar o pai e o irm�o.

"Era um momento de muita ansiedade, mas ainda de esperan�a."

Esta esperan�a acabou em agosto de 1945, quando Eva descobriu que seu pai e irm�o foram for�ados a marchar at� Mauthausen, na �ustria, o �ltimo campo de concentra��o a ser liberado pelos aliados.

Heinz morreu de exaust�o, e seu pai faleceu apenas tr�s dias antes do fim da guerra.

"Eu n�o queria aceitar, n�o acreditava. Era imposs�vel. Meu pai era um homem t�o forte, estava bem alguns meses atr�s, eu o tinha visto", diz Eva.

Mais ou menos na mesma �poca, Otto tamb�m descobriu que era o �nico sobrevivente da fam�lia.

Os tr�s passaram ent�o a se apoiar mutuamente — e, certa vez, Otto apareceu para fazer uma visita, segurando um livro que pertencia � sua filha Anne.

"Estava em um pequeno pacote, ele abriu com muito, muito cuidado e disse: 'Preciso mostrar o que achei. Um milagre. Encontrei o di�rio da Anne. Posso ler algo para voc�s?'."

"N�s dissemos: 'Claro'. Ele lia uma passagem, mas sempre acabava caindo em prantos. Levou tr�s semanas para ler. Ele simplesmente n�o tinha for�as."

Com a ajuda da m�e de Eva, Otto publicou o Di�rio de Anne Frank em holand�s em 1947. Traduzido posteriormente para 70 idiomas, se tornaria o documento mais lido sobre o Holocausto. Mais de 30 milh�es de c�pias foram vendidas at� hoje.

Para Eva, a descoberta do di�rio de Anne reavivou a lembran�a da �ltima conversa que teve com o irm�o, Heinz, dentro do trem a caminho de Auschwitz.

Ele e o pai haviam come�ado a se dedicar � pintura durante a ocupa��o nazista — na aus�ncia de telas, usavam panos de prato, fronhas de travesseiro, qualquer superf�cie que pudessem encontrar.

E Heinz contou a ela que havia escondido todas as suas obras de arte sob o assoalho da casa onde estavam escondidos. Se ele n�o sobrevivesse, Eva teria que busc�-las.

"A casa estava ocupada por um jovem casal, mas eles disseram: 'N�o, n�o, n�o tem nada na nossa casa'. E fecharam a porta", recorda.

"Eu comecei a chorar, e minha m�e falou: 'A gente volta outro dia'. Eu disse: 'N�o, n�o, n�o'. Ent�o fomos l� de novo, e eles falaram: 'Ok, entrem e vejam, mas n�o tem nada na nossa casa'."

"Mas claro que tinha. E, claro, foi incr�vel!"

"Abrimos as t�buas do assoalho e vimos todas aquelas pinturas com um bilhete em cima: 'Pertencem a Heinz Geiringer, depois da guerra vamos voltar para busc�-las'. Foi muito emocionante, foi incr�vel."

Em 1951, Eva se mudou para Londres para estudar fotografia.

Foi l� que ela conheceu o marido, Zvi Schloss, um judeu alem�o que fugiu para a Palestina durante a guerra depois que o pai foi preso no campo de concentra��o de Dachau.

"Ele me pediu em casamento, e eu disse n�o. Falei para ele que tinha uma m�e vi�va em Amsterd� e era muito pr�xima dela, n�o podia imaginar me casar e deix�-la sozinha."

Mas quando Otto foi visit�-la, e Eva contou esta hist�ria para ele, teve uma grata surpresa.

"Ele ficou um pouco envergonhado e disse: 'Sua m�e e eu tamb�m nos apaixonamos, e depois que voc� se casar, n�s gostar�amos de nos casar'."

"Ent�o eu voltei para aquele rapaz e disse: 'Voc� pode se casar comigo agora'", relembra.

Eva construiu uma nova vida com o marido em Londres, onde vive at� hoje, e teve tr�s filhas.

Como cofundadora da Anne Frank Trust UK, ela preserva a mem�ria n�o s� da irm� p�stuma, mas tamb�m do irm�o.

Ao longo dos anos, Eva esteve envolvida na montagem de uma pe�a de teatro sobre Heinz — h� tamb�m um document�rio em andamento.

Mas o maior legado de Heinz �, obviamente, sua arte. Ele deixou vinte pinturas, que Eva doou ao Museu da Resist�ncia Holandesa em Amsterd�.

"Meu pai prometeu a ele que ele viveria tamb�m no que conquistou em sua curta vida", diz ela, lembrando de uma conversa que o pai teve com o irm�o durante a ocupa��o nazista, quando ele estava com medo de morrer.

"Certamente, ele n�o ser� esquecido."

Ou�a a �ntegra da entrevista de Eva Schloss ao programa de r�dio Outlook — parte 1 e parte 2 (em ingl�s).

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