Foi o que aconteceu quando, em meados de fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro foi � R�ssia no momento de uma desescalada do conflito com a Ucr�nia. Em seguida, usu�rios passaram a compartilhar satiricamente que o presidente brasileiro teria "evitado a 3� Guerra Mundial".
O tipo das publica��es era variado: desde um v�deo falso de Vladimir Putin reconhecendo a ajuda, at� uma montagem da revista Time declarando Bolsonaro o "Nobel da Paz de 2022". Os autores das postagens garantem que se tratavam apenas de memes, mas o conte�do passou a convencer alguns usu�rios.
Para as professoras da �rea da Educa��o Adriana Rocha Bruno, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, e Lucila Pesce, da Universidade Federal de S�o Paulo, isso pode acontecer devido a uma caracter�stica intr�nseca dos memes: o humor.
"O humor nos afeta de modo muito singular, pois � relaxante, descontra�do e passa a ideia de 'inofensivo'. Da� o perigo enorme que os memes podem representar para a desinforma��o, pois podem ser facilmente aceitos de forma acr�tica", explicaram.
A mensagem atrav�s do humor
"Quando eu uso uma piada para dizer, por exemplo, que Bolsonaro foi � R�ssia para resolver a guerra, isso come�a a ser naturalizado. As pessoas riem, acham engra�ado, mas v�o capturando a ideia", concordou Raquel Recuero, do Laborat�rio de Pesquisa em M�dia, Discurso e An�lise de Redes Sociais da Universidade Federal de Pelotas.
Outros exemplos n�o faltam nas redes: em julho de 2021, durante a campanha de vacina��o contra a covid-19 no Brasil, passou a circular a alega��o de que a ex-presidente Dilma Rousseff teria dito que "se a segunda dose da vacina � a que garante a imuniza��o, ent�o deveriam dar a segunda dose primeiro". N�o havia registro da frase e a assessoria da ex-presidente negou a alega��o ao AFP Checamos.
No entanto, em janeiro de 2022, a mesma declara��o voltou a circular nas redes mencionando a terceira dose. Apesar do tom c�mico, muitos usu�rios reagiram �s publica��es questionando como a autora de uma frase do tipo poderia ter ocupado o Pal�cio do Planalto.
Vi�s de confirma��o e educa��o digital
Para Yasmin Cuzri, coordenadora do projeto Modera��o de Conte�do Online, da FGV-Rio, essas interpreta��es podem se dar pelo fato de nem todos os usu�rios saberem ler um conte�do na internet de forma racionalizada.
"A educa��o digital no Brasil � muito atrasada. As pessoas precisam aprender nas escolas a diferenciar o que � uma informa��o cient�fica do que � somente uma informa��o sem verifica��o, sem base", apontou a especialista.
A esse ponto se soma o vi�s de confirma��o, que faz com que os usu�rios tenham maior predisposi��o a acreditar em conte�dos que estejam de acordo com as suas cren�as pessoais.
"Ent�o, mesmo quem tem educa��o digital, �s vezes cai no vi�s de confirma��o. Enquanto as pessoas que n�o t�m educa��o digital nem sequer sabem como se defender disso", pontuou Cuzri.
Nas m�os de figuras p�blicas, essa combina��o de elementos pode levar a um resultado perigoso: a aus�ncia de responsabiliza��o.
Quando a alega��o sat�rica de que Bolsonaro teria evitado a 3� Guerra Mundial viralizou, o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles compartilhou uma imagem sugerindo que a emissora CNN havia reportado a influ�ncia do presidente brasileiro no conflito russo-ucraniano.
Diversos usu�rios reagiram perguntando ao pol�tico se a imagem era real, ou elogiando a atua��o de Bolsonaro. Mas, ao ter o conte�do marcado com o alerta de "informa��o falsa", o ex-ministro alegou se tratar da "ironia do meme".
Viktor Chagas, professor e coordenador do projeto de extens�o Museu de Memes da Universidade Federal Fluminense, explica que essa pode ser uma estrat�gia para "inverter o jogo": "Sob o argumento de que a minha inten��o era outra, eu lan�o m�o da estrat�gia ret�rica de afirmar que aquilo era apenas uma piada, para inverter o jogo. De vil�o, passo a ser v�tima".
Assim, aqueles que compartilham desinforma��o sob o argumento do humor podem fugir da responsabiliza��o, pontuaram Rocha Bruno e Pesce, "visto que h� certo consenso de que piadas, brincadeiras, n�o se checam".
Por isso, "hoje, mais do que nunca, precisamos, ao acessar ou criar memes, questionar a servi�o de que ou quem aquela ideia est� sendo direcionada. Quem se beneficia se prejudica com aquele meme?", recomendam as professoras.
RIO DE JANEIRO