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Estado de Minas GITEGA

Fantasma do massacre de 1972 ainda aterroriza o Burundi


28/04/2022 09:11

Laetitia Ngendakumana tem 60 anos, mas ainda chora como a menina de 10 anos que era em 1972, quando seu pai desapareceu em meio a uma onda de massacres �tnicos no Burundi, agora classificado como genoc�dio por uma comiss�o do governo.

O mundo de Ngendakumana desabou meio s�culo atr�s, quando o governo do Burundi, controlado pelos tutsis, prendeu seu pai, um banqueiro hutu, em Bujumbura, a maior cidade do pa�s.

"N�s nunca soubemos para onde levaram papai. O que eu sei � que perdemos tudo o que t�nhamos", conta, torcendo as m�os durante uma entrevista � AFP em sua casa, cercada por planta��es de banana perto de Gitega, capital pol�tica do Burundi.

Nem seu casamento com um professor, nem o nascimento de seus 14 filhos (dos quais 12 sobreviveram), nem o fim da viol�ncia apagaram sua dor, que parece t�o viva quanto em 1972.

Durante muito tempo, os massacres foram um tabu na esfera p�blica e os burundineses referem-se a esse per�odo entre o final de abril e junho de 1972 como "ikiza" ("flagelo" na l�ngua kirundi, oficial no pa�s).

Mas em 2019, uma Comiss�o de Verdade e Reconcilia��o (CVR) criada pelas autoridades anunciou um plano para abrir as valas comuns para contar e possivelmente identificar as v�timas.

Ngendakumana entrou em contato com a comiss�o.

Identificar restos humanos depois de cinco d�cadas era uma tarefa quase imposs�vel, mas ela se agarrou a uma esperan�a: a dentadura de seu pai.

"Meu pai sofreu um acidente e perdeu os dentes, ele usava pr�teses de ouro", disse.

A dentadura met�lica levou � descoberta dos restos mortais de seu pai em uma encosta arborizada a poucos quil�metros de sua casa, nas proximidades de Gitega.

- Crime de lesa-humanidade -

Desde sua independ�ncia em 1962, centenas de milhares de burundineses morreram em viol�ncia �tnica entre hutus e tutsis, bem como em uma guerra civil.

O massacre de 1972, considerado por alguns como o cap�tulo mais sombrio da hist�ria do Burundi, come�ou em 29 de abril, quando extremistas hutus atacaram os tutsis, principalmente no sul do pa�s.

Posteriormente vieram as repres�lias, que rapidamente se transformaram em massacres da elite hutu, incluindo executivos, professores e estudantes.

Entre 100.000 e 300.000 pessoas foram mortas na viol�ncia, principalmente hutus que representam 85% da popula��o do Burundi. Os tutsis s�o 14%.

Os assassinatos envolveram todo o pa�s, mas Gitega foi o epicentro, com um acampamento militar onde as v�timas foram mantidas em tr�nsito antes de serem mortas e enterradas em valas comuns.

Das quase 20.000 v�timas cujos restos mortais foram exumados em todo o pa�s, cerca de 7.000 foram encontrados em nove valas comuns em Gitega e arredores.

Muitas sepulturas jamais foram encontradas.

"Quando dizemos 7.000 v�timas, estamos nos referindo apenas �s sepulturas que j� encontramos, confirmamos e exumamos", explica � AFP o presidente da CVR, Pierre-Claver Ndayicariye.

Ap�s uma investiga��o de tr�s anos, a CVR publicou um relat�rio preliminar em dezembro, no qual afirma que os assassinatos constitu�ram genoc�dio e um crime contra a Humanidade.

"Em 1972, o Estado matou seu povo", diz Ndayicariye, enfatizando o papel desempenhado pelo ent�o presidente Michel Micombero, um tutsi, na orquestra��o do genoc�dio.

"� um genoc�dio porque o Estado planejou, organizou e executou esse genoc�dio", aponta.

- Agenda pol�tica -

Mas suas opini�es n�o s�o un�nimes, com alguns observadores acusando o atual regime dominado pelos hutus de explorar a CVR para seus pr�prios objetivos.

A CVR, cujos membros em sua maioria pertencem ao partido no poder, enfrentou acusa��es de parcialidade por concentrar suas escava��es em locais onde os hutus foram enterrados, ignorando os t�mulos das v�timas tutsis.

"H� um problema de agenda pol�tica nesta hist�ria", comentou � AFP o historiador Evariste Ngayimpenda.

"Quando os tutsis estavam no poder (...) o tema constante era evitar a amea�a hutu e hoje � o oposto, o tema constante � evitar a amea�a tutsi".

De acordo com o reitor da Universidade do Lago Tanganyika, em Bujumbura, os esfor�os da CVR mostram tamb�m "limita��es metodol�gicas" em rela��o � data��o dos t�mulos e por n�o recorrer a especialistas internacionais, em particular da ONU.

� medida que o 50� anivers�rio dos massacres se aproxima, cr�nios, ossadas e sacos de roupas encontrados perto de Gitega se acumulam em uma sala escura dentro de um pr�dio do governo, aguardando o dia em que far�o parte de um pequeno memorial.

As autoridades n�o anunciaram planos para marcar o anivers�rio, mas Ngendakumana e seu marido, Emmanuel Berakumenyo, esperam que o governo aproveite a oportunidade para curar o passado doloroso do pa�s.

"S�o conflitos que podem acabar aos poucos, mas o governo tem que ajudar", diz Berakumenyo, ex-professor que sobreviveu aos massacres.


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