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Estado de Minas REVELA��ES

A surpreendente guinada de evang�licos sobre aborto ap�s filme e rea��o feminista

Muitos n�o sabem que aborto por muitos anos foi um assunto deixado de lado por religiosos %u2014 e que um document�rio dos anos 1970, seguido por protestos feministas, mudou essa hist�ria.


06/05/2022 07:40 - atualizado 06/05/2022 12:59


Ativistas antiaborto e feministas protestam em Washington em 4 de maio
Ativistas antiaborto e feministas protestam em Washington neste 4 de maio (foto: Getty Images)

O direito ao aborto � um dos temas mais pol�micos dos tempos atuais — provocando embates por vezes violentos entre ativistas dos dois lados. Tanto nos Estados Unidos como em outros pa�ses, como o Brasil, o aborto � central nas chamadas guerras culturais, a briga sobre valores, cren�as e costumes que coloca religiosos e feministas em campos opostos.

O tema voltou � tona este m�s com o recente vazamento de um rascunho de parecer de um juiz da Suprema Corte americana — que indicava que os EUA podem derrubar a famosa decis�o Roe contra Wade, de 1973, que vem garantindo em �mbito federal o direito constitucional ao aborto desde ent�o.

O que muitos n�o sabem � que o aborto — hoje central na pauta das guerras culturais americanas — por muitos anos foi um assunto completamente ignorado por evang�licos.

Isso s� mudou nos anos 1970, depois do lan�amento de um document�rio feito por um carism�tico l�der evang�lico americano, cuja prega��o introduziu o tema na pauta pol�tica americana.

Essa hist�ria est� contada no podcast Things Fell Apart, da BBC, que entrevistou Frank Shaeffer, filho do l�der evang�lico Francis Schaeffer.

Frank foi respons�vel por produzir um segmento contra o aborto em um dos document�rios de seu pai. Esse segmento inspirou diversos evang�licos nos EUA a organizarem campanhas contra o direito de mulheres de interromperem a gravidez. O document�rio tamb�m foi citado como inspira��o por um ativista antiaborto que assassinou um m�dico que realizava o procedimento nos EUA nos anos 1990.

Hoje arrependido de sua contribui��o no debate sobre o aborto e cr�tico de seu j� falecido pai e do movimento evang�lico nos EUA, Frank Schaeffer contou ao jornalista Jon Roston, da BBC, a hist�ria desse document�rio que ajudou a mudar o rumo das guerras culturais nos EUA e no mundo.

De Bob Dylan � palavra de Deus

Frank Schaeffer cresceu nos Alpes Su��os, na comunidade evang�lica de L'Abri, fundada nos anos 1950 por seu pai, o pastor e te�logo Francis Schaeffer.

"Eu era um menino disl�xico vagando pelos Alpes, crescendo em uma estranha comunidade evang�lica americana fundamentalista", lembra Frank Schaeffer, em depoimento ao podcast da BBC.

"[Meu pai] era um sujeito completamente exc�ntrico e maravilhoso. Pode parecer contradit�rio, mas nas manh�s de domingo ele fazia prega��es sobre o que ele chamava de a palavra infal�vel de Deus e no s�bado anterior ele podia estar dando uma palestra sobre as letras de Bob Dylan."

Nos anos 1970, L'Abri era frequentado por muitos ocidentais que peregrinavam em dire��o ao Oriente ou a Israel. A esses viajantes, Schaeffer — um l�der diferente de todos os evang�licos da sua gera��o — dava palestras sobre como os crist�os deveriam se relacionar com arte moderna ou com o festival de Woodstock.

Schaeffer atra�a p�blicos ecl�ticos. At� mesmo o m�sico Eric Clapton frequentou L'Abri. Entre os visitantes da comunidade estava Billy Zeoli, produtor de filmes evang�licos que poucos anos depois trabalhou na Casa Branca como l�der espiritual do presidente Gerald Ford.


Protesto no Brasil no dia 22 de marco de 2022
No Brasil, aborto tamb�m � assunto que divide feministas e evang�licos (foto: Getty Images)

"As pessoas falavam para meu pai que ele deveria pegar as palestras que dava sobre as rela��es entre arte, cultura e cristianismo e colocar em filme. Ele deveria fazer um document�rio. Billy Zeoli juntou US$ 3,5 milh�es para financiar o projeto, o que naquela �poca era dinheiro demais para um document�rio", lembra Frank Schaeffer.

Sucesso estrondoso

Francis acreditava no potencial de seu filho Frank como diretor de cinema. Fascinado por cineastas como Federico Fellini, Frank se empolgou com a ideia. Ele conta que n�o tinha muita vontade de fazer um document�rio sobre temas religiosos — mas que viu no filme a chance de come�ar sua carreira no mundo do cinema.

A combina��o desses tr�s elementos — as ideias religiosas de Francis Schaeffer, a vis�o cinematogr�fica de Frank e o dinheiro de Zeoli — resultou na s�rie de document�rio em dez epis�dios How Should We Then Live (Como Devemos ViverEnt�o, em tradu��o livre), de 1976. O document�rio tinha um grande or�amento, com segmentos em pa�ses diferentes, como It�lia e Fran�a.

A mensagem do filme era que, sem Deus, a humanidade estaria perdida moralmente.

Um dos segmentos do document�rio falava sobre o aborto, condenando a pr�tica. A inclus�o do tema foi ideia de Frank — at� ent�o evang�licos n�o costumavam discutir o assunto.

"A maioria dos crist�os evang�licos viam isso [aborto] como um assunto 'de cat�licos'. E naqueles dias n�s n�o quer�amos ter nenhuma rela��o com cat�licos, se fosse poss�vel. Ali�s, a nossa teologia dizia que os cat�licos iriam para o inferno", lembra Frank.

"Foi por sugest�o minha a meu pai que os �ltimos dois epis�dios da s�rie foram sobre Roe versus Wade e a legaliza��o do aborto. Minha sugest�o veio do contexto de eu ser um pai adolescente. Era um assunto muito pessoal para mim, n�o tinha nada a ver com um argumento filos�fico."

A s�rie de document�rios foi um sucesso estrondoso nos EUA. O lan�amento foi feito com uma tour em 16 cidades americanas, em arenas com p�blicos de cerca de 20 mil pessoas. Em Nova York, o lan�amento foi no famoso Madison Square Garden.

"Nosso tempo em uma comunidade pequena no interior da Su��a tinha chegado ao fim. Agora meu pai era um grande l�der evang�lico nos EUA."


Protesto no Brasil em 2018
Aborto segue sendo tema pol�mico nas guerras culturais em diversos pa�ses (foto: Getty Images)

Apesar da enorme influ�ncia de Francis Schaeffer entre evang�licos, ele continuava sendo ignorado pela grande m�dia. Frank Schaeffer afirma que os livros de seu pai estavam vendendo cinco vezes mais do que os best-sellers da �poca — mas como as publica��es eram vendidas em igrejas evang�licas, e n�o em livrarias, o livro n�o aparecia na lista dos mais lidos nos jornais.

Mil bonecas no Mar Morto

Algo no sucesso do document�rio incomodava Frank: o p�blico evang�lico n�o gostou dos epis�dios sobre aborto. Os espectadores religiosos n�o se sensibilizavam com esse tema.

Frank Schaeffer convenceu seu pai ent�o a fazer uma nova s�rie de document�rios — desta vez apenas sobre aborto — chamado Whatever Happened to the Human Race? (O que aconteceu com a ra�a humana?, em tradu��o livre).

"Eu comecei a ser agressivo com meu pai. Eu dizia: 'Se voc� n�o fizer uma s�rie sobre aborto, � como se voc� fosse pr�-aborto'. Eu estava usando todos os truques que eu conhecia. E para ele, a quest�o era 'tudo bem, isso � s� mais um dinheirinho extra para o meu filho ent�o vou fazer isso por ele'."

Frank ousou artisticamente na nova s�rie de document�rios, com imagens extravagantes e avant-garde de crian�as fantasmag�ricas vagando pelo mundo e um m�dico anti-aborto diante de mil bonecas no Mar Morto em Israel.

Como na s�rie anterior, os Schaeffer realizaram outra tour de promo��o. Mas desta vez ela foi um fracasso completo. Para tentar salvar a empreitada, pai e filho embarcaram em outro tipo de tour: uma viagem pelos EUA em busca de apoio de outros pastores evang�licos.

Um dos primeiros a serem contatados foi W.A. Criswell, da Conven��o Batista do Sul, a segunda maior denomina��o crist� dos EUA, atr�s apenas da Igreja Cat�lica.

"Eles n�o queriam nem ouvir falar sobre o assunto", lembra Frank.

"O doutor Criswell dizia: 'por que vou me envolver com isso? Por que eu tenho que dizer a alguma mulher que est� gr�vida que ela precisa ter o filho. Eu n�o vou pregar isso.' N�s tentamos convencer o conselho editorial da revista Christianity Today. Eles responderam: 'N�s achamos que voc�s est�o errados. N�s n�o somos pr�-vida. N�s achamos que isso � um assunto ambivalente, na melhor das hip�teses. N�o vamos nos envolver com isso'."

Feministas x evang�licos

Mas uma resenha elogiando o filme no jornal New York Post mudou os rumos da hist�ria do document�rio. Outros jornais replicaram a coluna, o que atraiu a ira de feministas.

Associa��es progressistas e de feministas come�aram a protestar em frente a cinemas que exibiam o filme — e isso, por sua vez, atraiu a aten��o da grande imprensa.

"Cada vez que isso [o protesto das feministas] aparecia na imprensa, multid�es de evang�licos iam para as ruas para nos apoiar contra essas feministas raivosas, que eles viam como inimigas", lembra Frank Schaeffer. "Eles n�o iam protestar por causa do aborto em si, mas por causa de todo o resto da agenda delas, de queimar suti�s e defender que mulheres tenham carreiras profissionais."

"As feministas estavam nos fazendo um grande favor. Quanto mais [mulheres protestando], melhor. N�s passamos a ser not�cia por causa dessas manifestantes."

Mas o que come�ou como manifesta��es pac�ficas aos poucos foi ganhando contornos violentos — e a viol�ncia virou a t�nica do embate sobre o aborto nas d�cadas seguintes. Mulheres passaram a ser alvo de viol�ncia nas proximidades de cl�nicas de aborto.

Assassinato

Em 1998, um ginecologista que fazia abortos foi assassinado por um ativista. Barnett Slepian foi morto por James Charles Kopp em Amherst, no Estado de Nova York.

A sobrinha de Slepian, Amanda Robb, que diz ter virado jornalista investigativa por causa do assassinato de seu tio, dedicou parte de sua vida entrevistando ativistas anti-aborto que cometeram assassinatos. Em suas entrevistas, ela diz que encontrou um padr�o comum: todos eles citaram o document�rio de Schaeffer como o estopim de seu ativismo contra o aborto.

"Essas pessoas viram o filme, que era exibido em igrejas, e ele iam a cl�nicas e bloqueavam a entrada. Eles acabavam presos, mas liberados com uma multa de US$ 50 e de noite j� estavam em casa", disse Robb � BBC.

Entre os investigados por Robb estava James Charles Kopp, que assassinara seu tio. Antes de cometer o crime, Kopp havia viajado � Su��a para conhecer a comunidade de L'Abri. Ele tamb�m havia escrito uma carta aos Schaeffer elogiando os document�rios.

A essa altura da vida, Frank Schaeffer j� n�o participava mais de campanhas contra o aborto — e rejeitava boa parte das doutrinas defendidas por seu pai, que morreu em 1984. Frank conta que se desiludiu com seu pai depois que ele se juntou a Jerry Falwell, pastor evang�lico do movimento Moral Majority, que prega contra a homossexualidade.

Francis, que inicialmente incluira o tema do aborto no document�rio apenas para agradar seu filho, se tornara um ferrenho ativista contra a pr�tica. Seu livro A Christian Manifesto (Um Manifesto Crist�o, em tradu��o livre), de 1981, � at� hoje influente entre os evang�licos que lutam contra o aborto.

Remorso

Frank conseguiu estabelecer uma carreira como diretor em Hollywood em diversos g�neros — de com�dia pastel�o a fic��o cient�fica apocal�ptica.

Mas com o passar dos anos, ele passou a sentir remorso pelas consequ�ncias de seu document�rio sobre aborto.

"Eu passei os �ltimos 30 anos da minha vida tentando desfazer o dano que causei com aquele document�rio. N�o acho que eu tenha conseguido qualquer avan�o em mudar a mentalidade dos evang�licos, mas o que eu acho que consegui foi falar com pessoas que se desiludiram com o movimento evang�lico e o abandonaram", conta.

Frank Schaeffer escreveu um livro de mem�rias e passou a fazer campanha contra a direita religiosa nas m�dias sociais.

"Meu pai e eu temos sangue nas nossas m�os por causa da morte de Barnett Sleppian e muitos outros provedores de aborto. Existe uma linha direta entre o que n�s Schaeffers fizemos at� Jim Kopp matar um m�dico por ter lido os livros antiaborto de meu pai e visto os filmes que eu produzi. Eu n�o tenho palavras para expressar o meu remorso e a profundidade do meu arrependimento por minha estupidez e insens�vel descaso pela dec�ncia e valor pela vida humana."

"Eu imploro por perd�o. Eu sou ardentemente pr�-escolha e trabalho para defender os direitos das mulheres que eu e meu pai tanto atacamos nos anos 70 e 80."

Mas apesar do arrependimento, a obra de Schaeffer continua tendo a repercuss�o que sempre teve entre americanos que s�o contra o aborto — a de angariar novos ativistas.

Rusty Thomas, religioso evang�lico que lidera a Opera��o Salve a Am�rica — a maior iniciativa contra o aborto nos EUA, em que ativistas visitam comunidades para pregar sobre o assunto — resume a influ�ncia que os Schaeffer tiveram em moldar o debate sobre o aborto nos EUA.

"A maioria das pessoas consideram Schaeffer o pai do combate ao aborto."

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