
Semanas ap�s sua chegada, um ataque americano for�ou os combatentes japoneses a se refugiar na floresta. Mas, diferentemente da maioria dos seus companheiros, Onoda permaneceu escondido na ilha por cerca de 30 anos.
O governo japon�s declarou Onoda como morto em 1959, mas, na verdade, ele estava vivo — e se dedicando a uma miss�o secreta confiada a ele: de proteger a ilha at� o retorno do ex�rcito imperial. Ele estava convencido, todo o tempo, de que a guerra n�o havia acabado.
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Agora, sua experi�ncia foi contada no filme �pico, com tr�s horas de dura��o, Onoda: 10 Mil Noites na Selva, de Arthur Harari, que foi aclamado pela cr�tica e � motivo de pol�mica desde sua estreia no Festival de Cinema de Cannes, na Fran�a, em 2021. O filme entrou em cartaz no Reino Unido e na Irlanda em 15 de abril, e sua estreia no Brasil est� prevista para agosto de 2022.

Com a produ��o deste filme, mais o romance baseado na hist�ria de Onoda a ser publicado em junho pelo cineasta alem�o Werner Herzog e o document�rio da cinegrafista filipino-americana Mia Stewart que ser� lan�ado ainda em 2022, fica claro que Onoda � um personagem fascinante.
E agora que os temas de guerra, nacionalismo e fake news s�o mais relevantes do que nunca, sua hist�ria permanece t�o envolvente e controversa como na �poca do seu reaparecimento, quase 50 anos atr�s.
Onoda foi recrutado pelo ex�rcito japon�s em 1942 e selecionado para treinamento de combate de guerrilha.
Na unidade da Escola Militar Nakano em Futamata, seu treinamento desafiou as instru��es do c�digo militar Senjinkun, amplamente distribu�das aos soldados. O c�digo proibia os combatentes japoneses de serem tomados prisioneiros e os instru�a a morrer lutando ou por autossacrif�cio.
"Voc� est� terminantemente proibido de morrer pelas pr�prias m�os", disseram a Onoda ao embarcar para Lubang, no final de 1944, segundo o relato de suas mem�rias publicadas em 1974, No Surrender: My Thirty-Year War ("Sem Render-me: Minha Guerra de 30 anos", em tradu��o livre).
"Sob nenhuma circunst�ncia voc� dever� entregar sua vida voluntariamente."
A miss�o de Onoda era destruir a pista de pouso e um cais no porto de Lubang, al�m de eventuais avi�es ou tripula��es inimigas que tentassem desembarcar.
Mas ele fracassou e, enquanto as for�as inimigas assumiam o controle da ilha, ele e seus colegas se refugiaram na floresta.
A guerra acabou logo em seguida, mas Onoda e outros tr�s recrutas que permaneciam ao seu lado n�o acreditaram nas not�cias, dando como falsos os folhetos lan�ados sobre Lubang para informar os militares isolados sobre a rendi��o do Jap�o em 15 de agosto de 1945.
Eles continuaram escondidos na selva, entre cobras e formigas, alimentando-se de cascas de banana, cocos e arroz roubado para sobreviver, convencidos de que o inimigo estava tentando mat�-los de fome.
Equipes de busca tentaram encontr�-los, mas Onoda acreditava que eram prisioneiros japoneses, for�ados a ach�-los contra a sua vontade. Tamb�m acreditou que fotografias dos seus familiares haviam sido retocadas, j� que n�o sabia que sua cidade-natal havia sido bombardeada e reconstru�da.

Ele acreditava que os jatos que ouvia sobrevoando a regi�o durante a Guerra da Coreia (1950-1953) fossem uma contraofensiva japonesa — e que os jornais lan�ados sobre a ilha informando sobre o conflito fossem "propaganda ianque".
Onoda escreveu nas suas mem�rias que, at� 1959, ele e seu companheiro Kinshichi Kozuka haviam "desenvolvido tantas ideias fixas que �ramos incapazes de compreender qualquer coisa que n�o se adaptasse a elas".
Kozuka acabou morto por tiros disparados pela pol�cia local em outubro de 1972, mas Onoda permaneceu sozinho na ilha por mais 18 meses, at� que um encontro com um exc�ntrico explorador japon�s de nome Norio Suzuki resultou em um acordo. Se Suzuki conseguisse trazer o comandante de Onoda para Lubang com ordens diretas para que ele depusesse as armas, ele obedeceria.
A miss�o de Suzuki foi um sucesso, e a guerra de Onoda chegou ao fim em 9 de mar�o de 1974.
Resist�ncia e ilus�o
O diretor franc�s de Onoda: 10 Mil Noites na Selva, Arthur Harari, inicialmente queria fazer um filme de "aventura", inspirado por escritores como os brit�nicos Joseph Conrad e Robert Louis Stevenson.
Depois de conhecer a hist�ria de Onoda e ler o livro jornal�stico de Bernard Cendron e G�rard Chenu Onoda: Seul en Guerre dans la Jungle - 1944-1974 ("Onoda: Sozinho na Guerra dentro da Selva - 1944-1974", em tradu��o livre) — publicado em 2020, com informa��es colhidas a partir de entrevistas com Onoda, sua fam�lia, seu comandante (o major Taniguchi), Norio Suzuki e visitas dos autores a Lubang — Harari percebeu que havia encontrado a fonte perfeita.
"Toda a hist�ria era fascinante", declarou Harari � BBC. "N�o tem como n�o se impressionar com ela."
Os eventos mencionados no livro de Cendron e Chenu (e que tamb�m s�o detalhados nas mem�rias de Onoda) ganharam vida no filme de Harari, com experi�ncias �ntimas — como a tensa pol�tica de arroz do acampamento e os rituais de Ano Novo — magnificamente intercaladas com cenas de conflitos violentos e lembran�as da doutrina��o do tenente na escola militar.
A ilha de Lubang tem tanta import�ncia no filme quanto Onoda (interpretado pelos atores Yuya Endo e Kanji Tsuda). Cenas impressionantes mostram o fluxo dos c�rregos, selvas verdejantes e flores roxas desabrochando, enquanto imagens de palmeiras no litoral arenoso s�o t�o atraentes quanto os sons do vento, da chuva e dos insetos silvestres.

Onoda: 10 Mil Noites na Selva � uma hist�ria cativante de resist�ncia e ilus�o. O filme ganhou o pr�mio C�sar (o mais importante do cinema franc�s) de melhor roteiro original em fevereiro de 2022 e o pr�mio de melhor filme da Associa��o Francesa de Cr�ticos Cinematogr�ficos.
Mas a ampla aclama��o recebida pelo filme n�o foi un�nime. A revista brit�nica Sight & Sound mostrou-se especialmente cr�tica � retrata��o de Onoda por Harari e � significativa omiss�o de pontos de vista filipinos.
"Com o sentimento nacionalista novamente em crescimento no Jap�o", escreveu o cr�tico James Lattimer pouco depois da estreia do filme em Cannes, "fazer um filme que essencialmente celebra algu�m que pareceu assimilar totalmente suas ambi��es imperialistas �, no m�nimo, ing�nuo e, na pior das hip�teses, um insulto; o que est� sendo dito aqui � que os filipinos que aparecem s�o pouco mais que bucha de canh�o."
De fato, tem se alegado que o pequeno grupo de Onoda cometeu atrocidades violentas nos anos que se seguiram � Segunda Guerra Mundial. Estas a��es foram flagrantemente omitidas nas mem�rias de Onoda e relativamente reduzidas no filme de Harari.
H� relatos de at� 30 assassinatos de moradores da ilha de Lubang, "n�o apenas causados por armas de fogo", segundo a cineasta Mia Stewart declarou � BBC, mas tamb�m por ferimentos horr�veis infligidos "por espadas ou facas de cozinha".
No document�rio The Last Surrender ("A �ltima Rendi��o", em tradu��o livre), dirigido por Jonathan Hacker em 2001 para a BBC, um fazendeiro chamado Fernando Poblete descreve a assustadora descoberta do cad�ver de um vizinho: "o corpo foi encontrado em um lugar e a cabe�a, em outro".
Harari admite que esperava que seu filme fosse pol�mico — e, embora n�o defenda as a��es de Onoda, ele justifica sua surpreendente tomada de decis�o.
O objetivo do filme, segundo ele, � "apresentar [Onoda] como um membro do seu grupo", para poder compreender a experi�ncia de um soldado "totalmente aprisionado" no seu ponto de vista. Harari tra�a um paralelo com as teorias da conspira��o, nega��o e fanatismo observadas atualmente pelo mundo e as a��es perigosas que muitas vezes as acompanham.
Assumir este ponto de vista n�o significa concordar com Onoda, segundo Harari, que ressalta as cenas de semific��o inclu�das no filme, nas quais moradores locais s�o mortos a sangue frio como resultado das a��es perpetradas por Onoda.
"Tentei mostrar que a viol�ncia vivida [pelos filipinos] � ultrajante e nada pode justific�-la... [mas] � uma posi��o perigosa e muito dif�cil para a dire��o do filme, j� que tentei gerenciar os dois sentimentos", afirma.
Naoko Seriu, professora de Estudos Estrangeiros da Universidade de T�quio, no Jap�o, e autora do ensaio Le retour du soldat Onoda et s�s r�sonances ("O retorno do soldado Onoda e suas repercuss�es", em tradu��o livre), elogia a inclus�o das cenas, que contribuem para o que ela entende como uma interpreta��o n�o t�o heroica do personagem.
"O filme mostra que Onoda era temido e odiado pelos habitantes", declarou ela � BBC Culture, "[e embora] essas cenas n�o correspondam � crueldade dos fatos, elas podem levantar d�vidas, perturbar o p�blico e, quem sabe, convidar � reflex�o."
Como enfatiza o filme de Harari, Onoda ainda era muito jovem — tinha apenas 23 anos — na �poca da rendi��o do seu pa�s e provavelmente bastante doutrinado pela ideologia imortalizada pelo Jap�o durante a guerra.
"Esperava-se que os soldados morressem pela causa", escreveu Onoda em suas mem�rias (o que � confirmado pelo fato de o pa�s ter treinado at� cinco mil combatentes kamikaze na Segunda Guerra Mundial), e o soldado que abandonasse certas tarefas ou deixasse de adotar padr�es tradicionais enfrentava severas consequ�ncias.
"Mesmo se a pena de morte n�o fosse levado a cabo, [um soldado em desgra�a] sofria o ostracismo completo dos demais, como se tivesse sido morto", segundo Onoda.
Para complicar ainda mais, as ordens secretas recebidas por Onoda para que sobrevivesse usando todos os meios necess�rios, protegendo o territ�rio at� o retorno do ex�rcito imperial, acabaram por isol�-lo dos seus companheiros. E teria pesado muito sobre ele o fato de j� ter fracassado em sua miss�o de destruir o cais e a pista de pouso de Lubang.
"A ideologia de n�o se render durante a guerra era poderosa", segundo Beatrice Trefalt, professora de estudos japoneses da Universidade Monash, na Austr�lia. Mas ela dificilmente explica a tamanha dedica��o de Onoda.
"� claro que h� muitas pessoas que se suicidam ou entram em batalhas perdidas como um �ltimo esfor�o desesperado, sabendo que v�o morrer. Mas, se a ideologia dos tempos de guerra era t�o poderosa e todos eram fan�ticos, como eles deixaram de ser fan�ticos em 1945? A resposta � que n�o era, e eles n�o eram, de forma que a rendi��o foi muito bem recebida pela maioria das pessoas", segundo a professora.
Trefalt conclui que Onoda provavelmente era "uma pessoa muito intransigente" que se recusou a abandonar seus princ�pios.
"Esta recusa custou a vida n�o apenas de dois de seus amigos/companheiros, mas de muitos civis em Lubang. Por isso, quando se deparou com o fim, Onoda pode ter achado mais f�cil convencer-se de que n�o sabia [que a guerra havia terminado], em vez de enfrentar a destrui��o engendrada pela estupidez do seu pr�prio orgulho."
Onoda n�o foi o �nico soldado que teve dificuldade de acreditar que a guerra havia terminado. Na verdade, v�rios grupos japoneses continuaram lutando por muito tempo depois da rendi��o do pa�s.
Em 1951, por exemplo, 21 soldados foram cercados na ilha de Anatahan, nas Marianas do Norte. O soldado nipo-taiwan�s Teruo Nakamura permaneceu na floresta por 29 anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, na ilha de Morotai (hoje pertencente � Indon�sia). E Shoichi Yokoi ficou escondido na selva da ilha de Guam at� 1972, quando revelou que sabia que a guerra havia acabado h� mais de 20 anos — mas estava muito assustado para se entregar.
A principal diferen�a, segundo Seriu, � que muitos outros soldados japoneses remanescentes da guerra "encontraram formas de viver no pa�s anteriormente ocupado" e chegaram at� a formar fam�lia, em alguns casos. J� Onoda "recusou-se a viver em colabora��o com os habitantes [de Lubang]".

Recebido como her�i?
Quando Onoda retornou ao Jap�o, em 1974, ele foi saudado por uma multid�o de cerca de oito mil pessoas — com transmiss�o ao vivo pela televis�o p�blica japonesa, NHK.
Naquela �poca, o Jap�o vivia seu pior desempenho econ�mico em duas d�cadas, enquanto vis�es mais progressistas da guerra — que inclu�am compensa��es pelos crimes — eram cada vez mais defendidas.
Onoda ofereceu um lembrete oportuno das virtudes japonesas tradicionais de bravura, lealdade, orgulho e comprometimento, que haviam sido difundidos no tempo da guerra. Seu reaparecimento forneceu um instrumento de propaganda �til para os poderosos conservadores do pa�s — ou, pelo menos, uma boa distra��o.
"Ele se aliou com a fac��o dos poderosos e desempenhou o papel que permitiu a ele conseguir os maiores benef�cios", segundo Trefalt.
"O dinheiro que ele ganhou com o frenesi da imprensa sempre foi maior que a m�sera pens�o de veterano de guerra."
Em seu livro, Japanese Army Stragglers and Memories of the War in Japan, 1950-1975 ("Os Soldados Isolados do Ex�rcito Japon�s e Mem�rias da Guerra no Jap�o, 1950-1975", em tradu��o livre), Trefalt descreve as pol�micas geradas pelo livro de mem�rias best-seller de Onoda.
Em um dos incidentes, veteranos de guerra confrontaram Onoda em um evento p�blico de lan�amento do livro, "questionando seu relato em voz alta... e acusando-o de inventar um monte de mentiras", segundo ela.
Dois anos mais tarde, o ghostwriter das mem�rias, Ikeda Shin, publicou seu pr�prio relato, intitulado Fantasy Hero ("Her�i de Fantasia", em tradu��o livre), acreditando que era sua responsabilidade informar ao p�blico que ele acreditava que Onoda n�o foi um her�i, nem soldado, e tampouco um homem corajoso.
"Onoda foi saudado como her�i", afirma Naoko Seriu sobre a amplitude de interpreta��es do seu car�ter, "mas, ao mesmo tempo, ele era considerado v�tima e criticado como a materializa��o do militarismo". A recep��o de Onoda, segundo ela, "nunca foi un�nime".

'Robinson Cruso�'
Se a nova vers�o da hist�ria de Onoda por Harari (um filme de "fic��o", mas que � bastante fiel aos relatos factuais subjetivos) � ingenuamente rom�ntica, ela n�o est� sozinha.
A editora Penguin Random House enfatiza este ponto na sua descri��o do romance de Werner Herzog a ser lan�ado, O crep�sculo do mundo, parcialmente baseado nas conversas mantidas por Herzog com Onoda antes da morte do tenente, em 2014.
"Parte document�rio, parte poesia e parte sonho... uma esp�cie de conto de Robinson Cruso� dos tempos modernos", diz a descri��o da editora.
Evidentemente, os elementos fant�sticos da saga de Onoda s�o t�o atraentes quanto suas controversas verdades.
Mia Stewart, que est� terminando um document�rio que oferece o ponto de vista filipino dos acontecimentos, concorda. Na p�gina de capta��o de recursos de Search for Onoda ("Em busca de Onoda", em tradu��o livre), Stewart descreve como sua pr�pria m�e cresceu em Lubang ouvindo as hist�rias de um "soldado lend�rio" que se escondia perto da sua aldeia e machucaria quem se aproximasse.
"� f�cil romantizar o soldado viajante do tempo que se recusa a se render, o esp�rito samurai, o sobrevivente", relata Stewart. "Eu [tamb�m] admirei Onoda quando ouvi sobre ele pela primeira vez."
Mas o trailer do filme de Stewart mostra a importante verdade que talvez seja menosprezada pelos outros relatos da mesma hist�ria. A guerra n�o terminou em 1945 para Onoda — mas ela tamb�m n�o acabou ali para os filipinos em Lubang. E a voz do povo filipino precisa ser ouvida, "para opor-se � imagem de Onoda como her�i e chamar a aten��o e fazer justi�a para as v�timas e suas fam�lias", afirma ela.
Stewart incentiva a todos os que assistirem ao filme de Harari ou lerem o livro de Herzog que procurem o seu document�rio. E, para uma hist�ria t�o complexa, envolvente e controversa como a de Onoda, uma conclus�o simples talvez seja a mais l�gica. Em toda hist�ria, h� v�rios lados — e a verdade, por mais bizarra, fant�stica ou terr�vel que seja, exige que todos estes lados sejam levados em considera��o.
Leia a �ntegra desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Culture.
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