
"Onde todos est�o retrocedendo, n�s estamos avan�ando, porque o objetivo � ganhar almas, � salvar vidas, � levar � vida eterna."
Com essas palavras, Eduardo Bravo, bispo da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), definiu a estrat�gia da igreja fundada por Edir Macedo na guerra da Ucr�nia.
A fala foi dita em 21 de fevereiro, momento da escalada de tens�o entre Ucr�nia e R�ssia e tr�s dias antes da invas�o dos russos, num programa televisivo da Universal que teve a participa��o de dois jovens mission�rios da igreja que haviam acabado de desembarcar na Ucr�nia.
Desde ent�o, enquanto milh�es de pessoas fugiam dos ataques russos, a denomina��o brasileira inaugurou seu oitavo templo na Ucr�nia e mobilizou suas unidades em outras na��es europeias para receber refugiados ucranianos.
Outras igrejas brasileiras tamb�m t�m se engajado na crise ucraniana, oferecendo abrigo e alimentos a refugiados ou at� mesmo custeando seu transporte at� o Brasil.
Para alguns grupos mission�rios, a crise humanit�ria na Europa oferece uma oportunidade para a evangeliza��o, e a Ucr�nia � um pa�s estrat�gico para a expans�o evang�lica no continente.
Por outro lado, a perspectiva de uma vit�ria da R�ssia no conflito gera temores entre grupos protestantes (leia mais abaixo).

'Planta��o de igrejas'
A a��o de grupos evang�licos na crise ucraniana � atribu�da, em parte, � import�ncia do pa�s na difus�o da f� evang�lica no Leste Europeu e na �sia Central.
A Association of Baptists for World Evangelism (ABWE), uma das principais organiza��es mission�rias do mundo, e que atua no Brasil, diz em seu site que a independ�ncia da Ucr�nia em rela��o � Uni�o Sovi�tica, em 1991, ampliou a liberdade religiosa no pa�s e permitiu a "planta��o de igrejas (evang�licas)".
Como consequ�ncia, diz a organiza��o, a "Ucr�nia se tornou uma base para o envio de mission�rios para a Eur�sia e �sia Central, incluindo pa�ses como a R�ssia, o Cazaquist�o e o Uzbequist�o, onde h� pouca ou nenhuma liberdade religiosa".
Uma das vantagens de usar a Ucr�nia como base para o envio de mission�rios tem a ver com a l�ngua russa, amplamente falada na regi�o. Igrejas que formem sacerdotes ucranianos podem depois envi�-los a pa�ses vizinhos.
Outro fator que atrai mission�rios para a regi�o � a presen�a de "povos n�o alcan�ados", como esses grupos se referem a comunidades n�o cristianizadas. � o caso dos t�rtaros-crimeanos, minoria �tnica de religi�o mu�ulmana que habita a Crimeia, regi�o na fronteira entre R�ssia e Ucr�nia, hoje ocupada por for�as russas.
Outro chamariz � a grande popula��o local. S� a Ucr�nia tem 44 milh�es de habitantes. A R�ssia, 146 milh�es.

'Grande mar de almas'
Em texto publicado em 2018, o bispo da Universal Eder Figueiredo se refere � Europa Oriental como "um grande mar de almas".
A denomina��o brasileira est� na Ucr�nia desde 2006 e tem 17 pastores no pa�s.
Em 24 de abril, a igreja inaugurou um templo em Lviv, cidade no oeste da Ucr�nia que tem recebido grande n�mero de refugiados.
H� outros sete templos da Iurd no pa�s, onde a ampla maioria da popula��o � crist� ortodoxa.
Segundo uma reportagem da TV Universal, a abertura da unidade em Lviv atraiu "centenas de pessoas". "Na contram�o do terror, o trabalho da Universal n�o parou", disse a emissora.
Naquele mesmo dia, segundo a TV Universal, "muitos ucranianos tomaram a decis�o de se batizar nas �guas" num culto da Iurd na capital do pa�s, Kiev.

Fuga para a Pol�nia
Mas a intensifica��o da opera��o da Universal na Ucr�nia tem ocorrido em meio a grandes dificuldades.
Em 28 de fevereiro, o pastor Tiago Casagrande, que chefia a opera��o da Universal na Ucr�nia, disse ter passado quatro noites sem dormir enquanto fugia de Kiev para a Pol�nia.
Na �poca, temia-se que a R�ssia pudesse atacar a capital ucraniana a qualquer instante.
Ao lado de sua esposa, Ana Cl�udia Casagrande, o pastor relatou os percal�os da viagem ao bispo da Universal Renato Cardoso.
Durante a conversa, publicada no canal de Cardoso no YouTube, Casagrande chorou copiosamente e chegou a abandonar a transmiss�o por alguns instantes.
Nesse momento, a esposa do pastor assumiu a palavra e disse ao bispo que o casal pretendia voltar � Ucr�nia o quanto antes.
"A gente sabe que vai ser uma oportunidade ainda maior para levar a palavra, para ganhar mais almas", afirmou.
Ap�s a fuga, o casal passou a trabalhar na entrega de donativos da Universal a refugiados ucranianos na Pol�nia. O pa�s � o principal destino das cerca de 14 milh�es de pessoas que deixaram a Ucr�nia desde o in�cio da guerra.

Em nota � BBC, a Universal disse que j� destinou a refugiados ucranianos 205 toneladas de donativos, entre alimentos, roupas e produtos de higiene.
A igreja tem mobilizado suas estruturas em outros pa�ses europeus para atender os refugiados. Na Mold�via, por exemplo, um texto no site da Universal diz que as atividades do S�bado de Aleluia reuniram 500 pessoas, das quais 130 eram refugiadas ucranianas.
A igreja afirma que naquele dia 40 pessoas "se uniram � f�", ou seja, foram convertidas.
Feiti�aria e bruxaria
Uma das estrat�gias da Universal na Ucr�nia tem sido adaptar o discurso que ela usa no Brasil contra cren�as afrobrasileiras.
Em 2013, a igreja lan�ou na Ucr�nia uma tradu��o do livro "Orix�s, caboclos e guias - deuses ou dem�nios?", de Edir Macedo, o fundador da Universal.
Um v�deo divulgado pela Iurd naquela �poca diz que "macumbaria, feiti�aria, bruxaria... essas supersti��es t�m feito parte da cultura ucraniana".

Em setembro de 2021, o pr�prio Edir Macedo esteve na Ucr�nia e pregou aos fi�is locais, num sinal da import�ncia do pa�s para a estrat�gia global da igreja.
Na ocasi�o, o fundador da Universal disse orar a Deus "por este pa�s, como temos orado para todos pa�ses, para que haja paz, prosperidade e sobretudo liberdade para que o povo possa conhecer Sua palavra".
Ucranianos em Portugal
Outras igrejas e grupos mission�rios brasileiros tamb�m t�m atuado junto a refugiados ucranianos.
Numa live em 29 de abril no canal Alian�a Miss�es na Europa, no YouTube, mission�rios citaram o caso da igreja brasileira Sara Nossa Terra em Portugal.
O pastor brasileiro Marcelo Ara�jo, membro da denomina��o, disse na ocasi�o ter viajado at� a fronteira com a Ucr�nia para buscar refugiados e lev�-los a Portugal. "Muitos ucranianos em Portugal est�o sendo evangelizados", disse o pastor.
"A maioria deles s�o ortodoxos e eles est�o mais abertos, ouvindo a palavra, cantando louvores em portugu�s, desejando estar nos cultos", afirmou Ara�jo.
O pastor diz que a igreja at� contratou um ucraniano para traduzir as cerim�nias religiosas.
"N�o sei se conseguimos retornar (� Ucr�nia) para trazer mais refugiados, mas queremos", disse o brasileiro.

H� ainda o caso de uma organiza��o evang�lica que tem custeado a vinda de refugiados ucranianos para o Brasil, a Global Kingdom Partnership Network (GKPN), fundada pelo pastor brasileiro Elias Dantas.
Em 20 de mar�o, um grupo de 29 refugiados que chegou ao Brasil por interm�dio da GKPN foi recebido em um culto na Primeira Igreja Batista de Curitiba (PIB).
A organiza��o j� disse a jornalistas ter planos de patrocinar a vinda e estadia de 300 refugiados ucranianos no Brasil.
'Mercado religioso global'
Para Marcos de Ara�jo Silva, doutor em Antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pesquisador do CRIA (Centro em Rede de Investiga��o em Antropologia, em Portugal), a a��o das igrejas brasileiras na Ucr�nia ou entre refugiados ucranianos se explica pela import�ncia da Europa no "mercado religioso global".
Silva � autor de v�rios artigos acad�micos sobre a a��o da Universal e de outras igrejas evang�licas brasileiras na Europa.
O pesquisador diz � BBC que, por se tratar de um continente rico, ainda que desigual, a Europa oferece "vantagens econ�micas para quem promove trabalhos mission�rios".
Uma dessas vantagens, segundo Silva, � a possibilidade de atrair fi�is com maior poder aquisitivo. Outra, a de absorver imigrantes e refugiados, que comp�em parcela cada vez maior da popula��o europeia e tendem a ser mais abertos a novas religi�es.

Para o pesquisador, o trabalho de caridade dessas entidades junto a refugiados � uma forma de atra�-los para as igrejas.
"A partir do momento que essas pessoas s�o acolhidas, elas passam a perceber que uma igreja como a Iurd pode oferecer maiores possibilidades para ela: de conseguir emprego, aconselhamento jur�dico, psicol�gico e emocional", afirma.
"Num primeiro momento, esse apoio vai vir de forma gratuita", diz o pesquisador, "mas as pessoas percebem que, se n�o se converterem e abra�arem a doutrina, v�o ficar de fora dessa rede de apoio e prote��o".
A convers�o � facilitada, segundo ele, pela fragilidade emocional dos refugiados.
"O impacto psicol�gico, os traumas, a desumaniza��o que um conflito violento provoca nas pessoas gera maior abertura � possibilidade de convers�o e de contato com novas denomina��es religiosas", afirma.
O trabalho caritativo tamb�m tem a fun��o, segundo o pesquisador, de melhorar a imagem de igrejas evang�licas brasileiras entre os europeus.

'Oportunidade de miss�es'
Alguns grupos mission�rios dizem abertamente que a crise de refugiados na Europa � uma oportunidade para a evangeliza��o.
Em artigo publicado em 2017 no site do Movimento de Lausanne, que busca conectar mission�rios mundo afora, o te�logo indiano Sam George questiona: "Ser� que Deus est� renovando a Europa atrav�s dos refugiados?"
George descreve uma viagem recente � Gr�cia e � Alemanha, onde diz ter presenciado centenas de convers�es de pessoas que fugiram da guerra na S�ria.
"Somente Deus poderia ter transformado uma situa��o t�o desesperadora em tamanha oportunidade de miss�es", afirma.
J� o comando da Igreja Cat�lica, maior entidade crist� do mundo, tem buscado tra�ar uma linha entre sua assist�ncia a refugiados e a incorpora��o de novos fi�is.
Em discurso no Dia Mundial de Imigrantes e Refugiados, em 2016, o papa Francisco disse que "n�o � correto convencer algu�m sobre sua f�" e que o "proselitismo � o veneno mais forte no caminho do ecumenismo".

Questionada pela BBC sobre sua a��o junto a refugiados ucranianos, a Universal disse em nota que "n�o trabalha para aumentar o n�mero de seguidores, membros, fi�is".
"Ela (Universal) prega o Evangelho da Salva��o, obedecendo � B�blia Sagrada, com o objetivo de salvar almas para o Reino dos C�us. O prop�sito n�o � aumentar o n�mero de templos. Muito menos buscar crescimento em determinado pa�s em tempo de guerra", afirmou a entidade.
A Universal disse ainda que, "apenas em 2021, os 17 programas sociais mantidos pela Igreja beneficiaram 12,6 milh�es de pessoas no Brasil e em mais 115 pa�ses, tais como detentos, refugiados, viciados, pessoas em situa��o de rua, jovens abrigados, idosos, menores em institui��es socioeducativas e adultos analfabetos".
E se a R�ssia ganhar?
Para algumas correntes mission�rias, o papel da Ucr�nia na expans�o do cristianismo evang�lico pela Europa seria amea�ado se o pa�s liderado por Vladimir Putin vencer o conflito.
Em entrevista ao jornal Gazeta do Povo em abril, o ucraniano Anatoliy Shmilikhovskyy, pastor da Igreja Batista Central em Lviv, diz que uma vit�ria russa faria a Ucr�nia mergulhar no "mundo russo", o que provocaria uma "limita��o das atividades mission�rias e evangel�sticas".
A legisla��o na R�ssia trata todas as religi�es como iguais e pro�be a interfer�ncia do governo no setor. Na pr�tica, no entanto, mission�rios afirmam que as regras r�gidas para o registro de igrejas na R�ssia dificultam a liberdade religiosa.
H� ainda igrejas que foram banidas da R�ssia por serem tratadas como "seitas" pelo governo.

Em debate recente no canal Alian�a Miss�es na Europa, pastores brasileiros citaram o caso das Testemunhas de Jeov�, grupo religioso que desde 2017 � considerado ilegal na R�ssia.
Mission�rios disseram ainda que o governo russo acompanha de perto as atividades das igrejas evang�licas que operam no pa�s. Leialdo Pulz, pastor brasileiro que atua na R�ssia, disse na transmiss�o que "existem pessoas dentro das igrejas que est�o l� (nos) observando, s�o espi�es".
Alguns mission�rios usam ainda argumentos religiosos para se contrapor � R�ssia no conflito.
Em v�deo no canal de m�sica gospel brasileira WillSong, que tem 776 mil seguidores no YouTube, o pastor ucraniano Anatoliy Shmilikhovskyy afirma que Putin "� cercado por pessoas demon�acas".
"Ao redor dele, h� pessoas xam�s, como chamamos aqui, e eles gostam muito de n�meros", diz o pastor, citando o fato de que a R�ssia iniciou a guerra da Ge�rgia em 08/08/08 e a da Ucr�nia, em 22/02/22.
Neutralidade na guerra
Por�m, diferentemente de outras igrejas evang�licas, e ainda que seja a maior denomina��o brasileira na Ucr�nia, a Universal n�o assumiu nenhum lado no conflito com a R�ssia.
O antrop�logo Marcos de Ara�jo Silva, que j� pesquisou a a��o da Universal na R�ssia, cita dois poss�veis motivos para a atitude. O primeiro seria o receio de prejudicar as opera��es da Iurd na R�ssia, onde a igreja tem uma licen�a do governo russo para atuar e gerencia quatro templos.
O segundo seria uma afinidade da Universal com a R�ssia num dos campos onde a guerra tem sido travada: o dos costumes.
Nessa frente, diz Silva, a posi��o da Igreja Ortodoxa Russa, que defende a invas�o da Ucr�nia, tem grande peso. O patriarca Kirill, representante m�ximo da igreja, disse que a guerra ajudaria a combater o avan�o na Ucr�nia de bandeiras que ele considera anti-religiosas, como os direitos LGBTQIA+.
Como a Universal tamb�m contesta essas bandeiras, e para n�o arriscar sua posi��o na R�ssia, a neutralidade se mostrou a melhor op��o para a igreja brasileira, diz o pesquisador.
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