
Lisboa, Portugal — A c�pula da Organiza��o do Tratado do Norte (Otan), grupo b�lico que agrega os principais pa�ses do Ocidente, se re�ne em Madri, na Espanha, entre 28 e 30 de junho, com o objetivo de mostrar unidade e for�a ante a R�ssia e a China, vistas como amea�as � ordem global. Oficialmente, os temas principais do debate ser�o a invas�o russa na Ucr�nia e o boicote imposto ao pa�s de Vladimir Putin. Mas, mais do que dar uma demonstra��o de for�a, a Otan tentar� curar suas feridas e refor�ar a vis�o de que, mesmo com o fim da Guerra Fria, sua exist�ncia ainda � justificada.
Na avalia��o do professor �ngel Alonso Arroba, vice-reitor de Gest�o e Desenvolvimento da IE Escola Global e Rela��es P�blicas, a firmeza da Otan ser� fundamental para evitar que o mundo seja condenado a uma nova onda revisionista, em que os pa�ses fortes pensam que t�m carta branca para modificar fronteiras � vontade, ou criar regimes fantoches na sua periferia.
Para ele, “a invas�o russa de um pa�s soberano, em flagrante viola��o da Carta das Na��es Unidas, � de responsabilidade exclusiva do atual regime em Moscou”. E acrescenta: “Se voc� me pressionar, direi que tem mais a ver com a sobreviv�ncia de um regime corrupto e cleptocrata do que com um verdadeiro esp�rito nacionalista ou imperialista, que nada mais � do que um �libi que Vladimir Putin usa para se agarrar ao poder”.
O professor Alonso ressalta, ainda, que Finl�ndia e Su�cia t�m todo o direito de pleitearem ades�o � Otan, dado o que se v� na Ucr�nia. Admite que a Uni�o Europeia tem sido incapaz de propor seu pr�prio esquema de seguran�a e frisa que o mundo vive um contexto de urg�ncia em que a �nica solu��o � refor�ar os atuais mecanismos de colabora��o.
Apesar de reconhecer a relev�ncia da Otan, o vice-reitor da IE reconhece que a entrada da organiza��o na guerra da Ucr�nia seria desastrosa n�o apenas para a Europa, mas para para toda a humanidade. Ele chama a aten��o para as graves consequ�ncias dos conflitos para a popula��o mais pobre, que est� sendo obrigada a conviver com uma infla��o alt�ssima por causa da disparada dos pre�os dos alimentos e da energia el�trica. “Estamos diante de uma crise humanit�ria sem precedentes”, adverte.
A seguir, os principais trechos da entrevista de �ngel Alonso ao Correio, na qual ele tamb�m enfatiza o perigo do crescimento da extrema direita mundo afora: “�s vezes, � dif�cil pensar que a polariza��o que j� vivemos pode se tornar ainda mais pronunciada, mas, infelizmente, penso que � muito prov�vel que vejamos uma radicaliza��o maior e que a extrema direita continue a ganhar terreno, tanto a n�vel pol�tico e governamental, quanto a n�vel do discurso e do debate p�blico”.
Qual ser� o papel da Otan neste mundo de forte divis�o e com conflitos cada vez mais constantes?
N�o h� d�vida de que o papel da Otan ganhou relev�ncia num contexto internacional cada vez mais complicado e turbulento, e � muito prov�vel que continue a faz�-lo nos pr�ximos meses e anos. Infelizmente, caminhamos para um mundo mais geopol�tico, em que a seguran�a e a defesa ganham peso na agenda internacional em rela��o � economia e ao com�rcio, que t�m sido a espinha dorsal das rela��es internacionais nos �ltimos 30 anos. As alian�as militares e de defesa de natureza intergovernamental, como a Otan, s�o chamadas a desempenhar um papel maior. A chave ser� se esse papel ser� construtivo e dissuasivo ou se, ao contr�rio, refor�ar� o confronto, gerando maior tens�o. Parte da resposta est� com a pr�pria Otan e como ela administra a situa��o atual, mas outra parte tamb�m est� com os pa�ses n�o membros e como eles percebem esse fortalecimento quantitativo e qualitativo da organiza��o.
Acreditava-se que a Otan havia perdido sentido depois do fim da Guerra Fria. Por que se insiste nesse modelo?
O fim da Guerra Fria abriu um contexto de oportunidade para melhorar a governan�a global que, infelizmente, n�o se concretizou. Por um lado, pensava-se que a expans�o da ordem liberal por meio da democracia e do com�rcio internacional levaria a uma pacifica��o gradual das rela��es internacionais. Ao mesmo tempo, houve uma reafirma��o das institui��es que formaram a espinha dorsal da ordem global ap�s o fim da Segunda Guerra Mundial por meio da incorpora��o de grande parte do antigo bloco sovi�tico a essas institui��es, assim como as do mundo emergente e em desenvolvimento. O drama de nossa hist�ria recente � que a d�cada de 1990 n�o serviu para superar um modelo de governan�a ultrapassado, pelo contr�rio, a velha ordem foi refor�ada por meio de pequenos ajustes e remendos, que n�o a atualizaram o suficiente para enfrentar os desafios da globaliza��o e da interdepend�ncia. Insiste-se no modelo da Otan porque n�o h� outro em termos de defesa, pelo menos para os pa�ses ocidentais. A pr�pria Uni�o Europeia tem sido incapaz de propor seu pr�prio esquema aut�nomo em termos de seguran�a, apesar de ter a for�a institucional da comunidade. Vivemos agora num contexto de urg�ncia, e a �nica salva��o � refor�ar os mecanismos de colabora��o existentes.
As ambi��es da Otan est�o por tr�s dos conflitos entre a R�ssia e a Ucr�nia? Por qu�?
N�o. Acho errado atribuir a uma suposta ambi��o expansionista da Otan a tr�gica guerra na Ucr�nia. A invas�o russa de um pa�s soberano, em flagrante viola��o da Carta das Na��es Unidas, � de responsabilidade exclusiva do atual regime em Moscou. E se voc� me pressionar, direi que tem mais a ver com a sobreviv�ncia de um regime corrupto e cleptocrata do que com um verdadeiro esp�rito nacionalista ou imperialista, que nada mais � do que um �libi que Putin usa para se agarrar ao poder. Putin mostra que n�o respeita o direito internacional e o princ�pio da soberania, que defende com tanta veem�ncia em outros f�runs. Os ucranianos s�o livres para escolher seu destino e seu futuro, como qualquer povo deveria ser. � verdade que a Otan poderia ter tido uma posi��o mais clara e menos amb�gua em rela��o � sua poss�vel expans�o para o Leste, e que se, em 2022, nos encontramos em uma situa��o t�o dram�tica, � porque, no passado, permitiu-se um Putin intervencionista (invas�es da Crimeia, em 2014, e da Ge�rgia, em 2008), que o levou a pensar que poderia mais uma vez se safar.
At� onde vai o papel da Otan ante a guerra entre a R�ssia e a Ucr�nia?
N�o h� d�vida de que o papel da Otan � muito relevante no contexto atual. A firmeza da organiza��o ser� fundamental para evitar que sejamos condenados a uma nova onda revisionista a n�vel global, em que os pa�ses fortes pensam que t�m carta branca para modificar fronteiras � vontade, ou criar regimes fantoches na sua periferia. Ao mesmo tempo, a Otan precisa ter cuidado para evitar a escalada e a internacionaliza��o do conflito, o que teria consequ�ncias catastr�ficas. Espero que a C�pula de Madrid sirva para que a Otan lance uma mensagem firme, mas, ao mesmo tempo, n�o beligerante: que estabele�a linhas vermelhas claras em termos de seguran�a, oferecendo sempre uma solu��o dialogada e construtiva para a crise atual.
O que significaria a entrada na Otan na guerra entre a R�ssia e a Ucr�nia? Que impacto teria sobre o mundo?
A entrada da Otan no conflito teria consequ�ncias imprevis�veis. Creio que a estrat�gia de continuar a apoiar o ex�rcito ucraniano sem entrar diretamente no conflito � o caminho a seguir pela Otan, provavelmente redobrando os seus esfor�os e enviando equipamento militar muito necess�rio para a resist�ncia ucraniana. A mensagem pol�tica a ser enviada na pr�xima C�pula em Madrid, com participa��o confirmada do presidente Wolodymyr Zelensky, tamb�m muito importante. O ponto-chave � que, se o compromisso da Otan com a Ucr�nia tivesse sido firme antes da invas�o, � muito prov�vel que a invas�o n�o tivesse tido lugar. � por isso que acredito que n�s devemos nos afastar de cen�rios que preveem a entrada da Otan na guerra, mas, em vez disso, optar por um apoio forte e decisivo � Ucr�nia e � perspectiva de prote��o a longo prazo. O que � inaceit�vel � que um pa�s invada outro no s�culo XXI. � aqui que a Otan e a comunidade internacional devem ser firmes.
H� reais justificativas para que pa�ses como Su�cia e Finl�ndia se unam � Otan? Por qu�?
Certamente. Se fosse finland�s ou sueco e tivesse visto o que aconteceu na Ucr�nia, n�o h� d�vida de que estaria batendo � porta da Otan. Vemos isso na dram�tica reviravolta da opini�o p�blica nesses pa�ses no que se refere ao apoio � ades�o � Otan. A Su�cia e a Finl�ndia tinham renunciado � ades�o � organiza��o militar devido a compromissos hist�ricos e a uma equidist�ncia que seguia uma l�gica que foi quebrada a 24 de fevereiro deste ano pela invas�o russa da Ucr�nia. � preciso recordar que a R�ssia tinha se comprometido a respeitar a soberania e a integridade territoriais ucranianas em 1994, com o Memorando de Budapeste, quando Kiev renunciou ao seu arsenal nuclear. Moscou demonstrou que n�o respeita as regras internacionais e, no atual cen�rio, � l�gico que a Su�cia e a Finl�ndia procurem a prote��o preventiva conferida pela ades�o � Otan e o escudo protetor oferecido pelo famoso Artigo V do Tratado do Atl�ntico Norte. Se a Ucr�nia tivesse sido membro da Otan, Moscou n�o teria invadido o pa�s, nem agora nem em partes desde 2014.
O senhor acredita na possibilidade de os conflitos hoje restritos � R�ssia e � Ucr�nia ultrapassarem as fronteiras atuais? A Europa est� preparada para isso? Por qu�?
Penso que vivemos num contexto internacional muito vol�til, e n�o devemos descartar qualquer cen�rio. O que temos de fazer � trabalhar ativamente para que as perspectivas mais dram�ticas n�o se concretizem, e n�o h� d�vida de que uma expans�o do conflito na Ucr�nia para al�m das fronteiras daquele pa�s seria catastr�fica, n�o s� para a Europa, mas para toda a humanidade. N�o creio que isso v� acontecer, e espero que n�o aconte�a, porque uma escalada do conflito levaria a uma guerra planet�ria. A Europa n�o est� preparada para isso, nem qualquer outro pa�s, muito menos a humanidade como um todo.
Pa�ses como a Alemanha voltaram a investir pesadamente em armamentos? Isso � justific�vel num mundo onde as quest�es sociais est�o latentes, como o aumento da fome?
Esta � uma vis�o muito pessoal, mas deixe-me dizer que n�o apoio o aumento das despesas militares que estamos assistindo a n�vel mundial, especialmente em v�rios pa�ses europeus como resposta � atual guerra. H� um compromisso dos membros da Otan de gastar 2% do PIB com defesa, e a Europa tem ficado historicamente para tr�s. Washington tem, tradicionalmente, condenado o parasitismo europeu, mas acho obsceno que pensemos em armas quando o mundo luta contra a pobreza e a fome. Cada d�lar gasto em muni��es � um d�lar que n�o gastamos na educa��o, na sa�de, na alimenta��o, em servi�os b�sicos para os muitos que precisam desesperadamente de oportunidades e de um n�vel de vida m�nimo. Os pa�ses deveriam come�ar por gastar melhor na defesa, investir mais na diplomacia e no desenvolvimento econ�mico e humano. Estou certo de que ver�amos o n�vel de tens�o e conflito diminuir.
H� recursos suficientes no mundo para suportar as consequ�ncias desastrosas de uma guerra mais ampla e prolongada? Ser� um fardo muito pesado. O mundo ter� que voltar a emitir moeda?
Penso que a quest�o n�o � se existem ou n�o recursos financeiros ou monet�rios, mas se temos a capacidade planet�ria para resistir a uma grande e prolongada guerra. � claro que as nossas economias j� est�o sofrendo muito com a situa��o atual, uma crise que se soma �s dificuldades que enfrentamos desde o in�cio da pandemia. Vemos a infla��o, que atinge as condi��es de vida de muitas fam�lias, mas tamb�m a escalada dos pre�os da energia e das mat�rias-primas e, muito mais preocupante, a crise alimentar que vivemos. � claro que a conta ser� enorme, como j� vemos. A quest�o � o quanto as coisas podem piorar nos pr�ximos meses devido a essas din�micas. Isso sem entrar no efeito que essas emerg�ncias ter�o sobre as pol�ticas necess�rias para promover o desenvolvimento e proteger o meio ambiente, tais como a Agenda 2030 e os objetivos de combate �s altera��es clim�ticas.
A disparada da infla��o e o aumento da pobreza, agravados pela guerra entre a R�ssia e a Ucr�nia s�o dram�ticos, al�m da consequente alta dos juros mundo afora, fazem parte de um movimento duradouro?
Infelizmente, acredito que a infla��o e, especialmente, o aumento dos pre�os dos alimentos ter� um efeito duradouro, porque a guerra na Ucr�nia apenas acelerou um processo que se arrasta h� muito tempo, e que tem a ver com problemas mais profundos na economia global. O que estamos vendo � um aprofundamento desses efeitos, o que pode conduzir a uma crise humanit�ria sem precedentes. Ao contr�rio de muitos outros observadores, a minha estimativa � de que a guerra na Ucr�nia n�o ser� t�o prolongada como muitos pensam, pelo menos n�o com o grau de intensidade que temos visto nos �ltimos quatro meses. Penso que caminhamos para uma localiza��o do conflito em Donb�s, com uma intensidade semelhante � que temos observado desde 2014. Mas acredito que os efeitos econ�micos ser�o muito mais profundos e duradouros devido � combina��o de infla��o com estagna��o, bem como da crescente fragmenta��o das cadeias de valor globais. O problema � que ainda n�o t�nhamos nos recuperado da crise anterior, e esta nos apanha em uma situa��o muito ruim.
A guerra entre a R�ssia e a Ucr�nia acelerou o fim da globaliza��o, quadro que j� vinha se desenhando durante a pandemia. Esse movimento � irrevers�vel? Por qu�?
N�o acredito que nada seja irrevers�vel, mas n�o h� d�vidas de que vivemos um per�odo em que a globaliza��o sofre muito, e vemos sinais claros n�o s� de exaust�o mas tamb�m de invers�o em v�rias �reas. A pandemia fez parar o processo de globaliza��o: de um dia para o outro, alterou tanto a oferta quanto a demanda globais, e levou a um repensar da depend�ncia de muitos pa�ses. Da� que o conceito de autonomia estrat�gica tenha surgido como um novo mantra. N�o h� d�vida de que a guerra na Ucr�nia fragmentou ainda mais o nosso mundo em blocos, agora marcados pela defensiva e pelas diferen�as pol�ticas. Penso que � importante estar atento a quest�es como a resili�ncia, que t�nhamos sacrificado em prol do mercado, bem como o impacto ambiental da globaliza��o. Mas me preocupa que o ajuste a ser feito tenha mais a ver com ideologia, e que comecemos a virar as costas a elementos positivos da globaliza��o, tais como efici�ncia e complementaridade. O que dever�amos rever � o nosso modelo de produ��o e consumo, tanto em termos de sustentabilidade quanto em termos de bem-estar e felicidade.
Que for�as v�o emergir deste mundo menos globalizado?
Penso que vamos assistir � acelera��o e ao aprofundamento de for�as que j� est�o presentes, mas que v�o assumir uma nova face. Creio que continuaremos a ver for�as centr�fugas que ousaria descrever como prejudiciais para o bem da humanidade, tais como o nacionalismo de exclus�o e o supremacismo, que tendem a exigir um regresso a um passado idealizado e fict�cio, que � falso. Defender�o o fechamento das fronteiras, um certo estatismo e um regresso a um sistema internacional menos baseado na coopera��o e regido pela lei do mais forte. Mas creio que tamb�m assistiremos a um ressurgimento de novas ideias e for�as centr�petas que encorajam uma maior e melhor integra��o da governan�a global. Os seres humanos t�m essa capacidade �nica de dar o seu melhor em situa��es de adversidade. Tenho confian�a nos jovens, que j� demonstraram a sua capacidade de mobiliza��o e maturidade durante a emerg�ncia clim�tica. Viveram num mundo globalizado e creio que t�m a capacidade de discernir o que � bom na globaliza��o e quanto precisa de ser melhorado sem a necessidade de se desglobalizar, mas sim de assegurar que os benef�cios sejam partilhados por todos e n�o apenas por uns poucos.
Que papel ter�o os Estados Unidos neste mundo novo?
Ser�, sem d�vida um papel central, porque os EUA continuam a ser a grande pot�ncia hegem�nica do nosso tempo. A quest�o � se ser� um papel construtivo ou n�o, e muito depender� do futuro da pr�pria pol�tica interna do pa�s. Teremos de assistir com particular interesse �s pr�ximas elei��es legislativas em novembro, que determinar�o a real capacidade de manobra do presidente Joe Biden, e claro, as elei��es presidenciais dentro de dois anos, que poder�o muito facilmente voltar a um cen�rio adverso como o que vivemos durante os anos de Donald Trump. Acredito, sinceramente, na capacidade dos Estados Unidos de serem uma for�a para o bem nos pr�ximos anos e que muito do segmento mais progressista do pa�s compreendeu a necessidade de abordar as rela��es internacionais de uma perspectiva mais humilde e inclusiva, muito longe do sentido de destino manifesto que tantas vezes manchou a pol�tica externa dos EUA. N�o h� quest�o mais transcendental para o futuro da humanidade do que a compreens�o construtiva entre Washington e Pequim, e aqui a Europa tamb�m pode desempenhar um papel muito importante, n�o a partir de uma posi��o de equidist�ncia, e certamente sem hipotecar valores fundamentais como o respeito pelos direitos humanos, mas estendendo a sua m�o para a colabora��o nas grandes quest�es globais, nas quais o futuro da nossa esp�cie e do planeta est� em jogo.
Veremos um mundo mais polarizado, com a extrema direita ganhando terreno? Quais s�o as consequ�ncias disso?
�s vezes, � dif�cil pensar que a polariza��o que j� vivemos pode se tornar ainda mais pronunciada, mas, infelizmente, penso que � muito prov�vel que vejamos uma radicaliza��o maior e que a extrema direita continue a ganhar terreno, tanto a n�vel pol�tico e governamental, quanto a n�vel do discurso e do debate p�blico. A trag�dia dos �ltimos anos � precisamente que a presen�a da extrema direita no poder se normalizou, e que tamb�m tem utilizado essa posi��o para reduzir gradualmente as liberdades e tornar aceit�vel para uma grande parte da popula��o o que anteriormente era inaceit�vel: racismo, misoginia e sexismo, homofobia, ataques � laicidade do Estado, etc. As consequ�ncias s�o terr�veis, porque no final s�o grupos espec�ficos e pessoas que sofrem com essa involu��o n�o s� na pol�tica, mas tamb�m na sociedade: imigrantes, mulheres, o coletivo LGTBQIA+... � importante que o pensamento progressista n�o caia no jogo da extrema direita, e que encontremos novas formas de di�logo e compreens�o que nos permitam reconstruir o contrato social a um n�vel global. Preocupa-me que haja cada vez mais fragmenta��o do pensamento, menos exposi��o � dissid�ncia e demasiadas eco c�maras.
� poss�vel ser otimista neste contexto de tanta turbul�ncia e tantos retrocessos?
Sim, absolutamente sim. Sempre defendo que � preciso ser otimista porque um mundo melhor n�o se constr�i a partir do pessimismo. Outra quest�o � que as perspectivas atuais o convidam e, claro, acho que vivemos em um contexto bastante negativo. Mas como disse antes, � nos momentos mais adversos que o ser humano, por vezes, traz � tona o melhor de si mesmo, e nos quais temos que repensar o mundo que temos. Tenho confian�a nas gera��es futuras e tamb�m acredito que vivemos um momento de oportunidade, em que podemos corrigir muitos dos erros e deficits na governan�a global que nos levaram a esta situa��o atual. Espero que saibamos acompanhar os tempos.