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Estado de Minas HONG KONG

'Mulas' de droga latinas enchem as pris�es de Hong Kong


28/07/2022 16:17

Zoila Lecarnaque Saavedra selou seu destino quando concordou em transportar um pacote de sua casa no Peru para Hong Kong, decis�o que lhe custou mais de oito anos de pris�o.

Um quarto dos prisioneiros de Hong Kong s�o mulheres, uma porcentagem recorde motivada por "mulas", mulheres estrangeiras pobres muitas vezes enganadas ou for�adas a transportar drogas.

Rec�m-libertada e aguardando deporta��o, Lecarnaque Saavedra, de 60 anos, contou de seu abrigo lotado como perdeu sua aposta por dinheiro f�cil.

Foi em 2013 e ela estava falida. Seu marido, o principal sustento da fam�lia em Lima, foi embora e ela precisava fazer uma cirurgia no olho.

Sua situa��o ficou conhecida no bairro e ela foi abordada por uma mulher que lhe ofereceu um acordo: voar para Hong Kong para pegar alguns aparelhos eletr�nicos livres de impostos que ela poderia vender quando voltasse. Receberia 2.000 d�lares em troca.

"Eles procuram por pessoas que est�o em uma situa��o econ�mica prec�ria e, neste caso, essa pessoa fui eu", acrescentou.

Uma mulher de baixa estatura cujo rosto reflete as dificuldades da vida, ela conta que quer alertar outras pessoas que possam ser tentadas por essas ofertas. Fala com serenidade, mas sua voz falha ao relatar o momento em que um policial de Hong Kong a abordou e ela percebeu que n�o veria sua m�e e filha por muitos anos.

Lembrou como os policiais encontraram dentro de sua mala duas jaquetas cheias de preservativos com mais de 500 gramas de coca�na l�quida.

"Com o tempo percebi, meditei sobre os danos que causei � minha fam�lia, aos meus filhos, � minha m�e, porque eles se sentiram pior do que eu e isso me d�i", admitiu com os olhos cheios de l�grimas.

Para reduzir a pena, Lecarnaque Saavedra se declarou culpada, embora assegure que n�o sabia da coca�na e que nunca recebeu o dinheiro prometido.

"Aqui temos muitas mulas, porque viemos por encomenda, por um pagamento. E os donos est�o livres", declarou.

- Recorde mundial de mulheres presas -

A hist�ria � comum nas alas femininas dos pres�dios de Hong Kong, onde h�, al�m das latino-americanas, muitas mulheres de pa�ses asi�ticos e africanos.

As estat�sticas oficiais de Hong Kong indicam que, em 2021, um quarto das 8.434 pessoas presas eram mulheres. � a taxa mais alta do mundo, de acordo com o World Prison Brief, um banco de dados global de pris�es do Birkbeck College, da Universidade de Londres.

Em segundo lugar, o Catar tem 15% da popula��o carcer�ria feminina e apenas 16 outros pa�ses ou territ�rios t�m mais de 10%.

O Servi�o Correcional de Hong Kong indica que 37% dos prisioneiros estrangeiros s�o mulheres, mas se recusou a comentar por que tantos estrangeiros est�o atr�s das grades.

Ativistas, volunt�rios, advogados e mulheres detidas com quem a AFP conversou nas �ltimas semanas afirmaram que a maioria das mulheres presas s�o "mulas" estrangeiras.

Hong Kong tem uma localiza��o ideal e seu porto e aeroporto s�o muito movimentados, por isso tem sido uma base global para qualquer tipo de com�rcio, seja legal ou criminoso.

As quadrilhas de traficantes preferem usar as mulheres como mulas porque acreditam que elas atraem menos aten��o das autoridades.

O padre John Wotherspoon, capel�o carcer�rio cat�lico com d�cadas de trabalho com mulas, conta que a maioria das mulheres traficantes de drogas � de estrangeiras vulner�veis.

"A coer��o � um grande problema e pode vir de v�rias formas, financeira, f�sica e emocional", disse ele � AFP em seu escrit�rio em um bairro de Hong Kong conhecido pela prostitui��o.

O padre de 75 anos viajou diversas vezes para a Am�rica Latina para tentar ajudar as fam�lias das detidas.

Ele comparece a muitos dos julgamentos por tr�fico de drogas nos tribunais de Hong Kong, arrecada doa��es para as condenadas e ajuda a manter um site que identifica as pessoas que ele acredita que deveriam estar presas.

"O grande problema � que os mentores, os figur�es, n�o s�o muito mencionados", disse ele.

- V�timas de tr�fico humano? -

As mulas s�o f�ceis de detectar para a pol�cia e os promotores em Hong Kong, onde uma confiss�o antecipada de culpa pode reduzir em um ter�o a senten�a de pris�o.

Tentar evitar uma condena��o � arriscado, devido �s leis antidrogas r�gidas de Hong Kong. O transporte de 600 gramas ou mais de coca�na est� sujeito a uma pena m�nima de 20 anos.

Em 2016, a venezuelana Caterina foi condenada a 25 anos de pris�o por n�o conseguir convencer um j�ri de que foi for�ada a servir de mula. Ela alegou que foi sequestrada no Brasil depois de responder a um falso an�ncio de emprego. Disse que foi repetidamente estuprada e sua fam�lia amea�ada at� que ela concordou em viajar para Hong Kong.

"Eles me trataram como um trapo. Eu tinha medo de que me matassem", contou.

Caterina, que pediu para n�o revelar seu nome verdadeiro para proteger sua fam�lia, falou � AFP em uma pris�o de Hong Kong. Gr�vida antes do sequestro, esta mulher de 36 anos deu � luz um menino na pris�o.

"Trabalho com pessoas vulner�veis h� muitos anos, mas este � um caso que me atormenta", disse � AFP Patricia Ho, advogada que ajudou Caterina. "O que eu n�o consigo tirar da cabe�a � que eu teria feito exatamente o mesmo que ela", afirmou.

De acordo com Ho, uma das quest�es que os defensores enfrentam � que Hong Kong reconhece o problema do tr�fico de pessoas, mas n�o tem leis que o pro�bam.

Por esta raz�o, promotores, ju�zes e j�ris raramente consideram se a mula � v�tima de tr�fico humano.

"Por for�a ou coer��o, como voc� quiser chamar, ela foi for�ada a cometer um crime. Isso para mim se encaixa perfeitamente na defini��o de tr�fico humano", considera Ho.

- M�e e filho separados -

Outros sabem o que podem estar carregando, mas se sentem obrigados a correr o risco por causa de sua pobreza ou pelas circunst�ncias.

� primeira vista, o perfil de M�rcia Sousa no Facebook parece o de qualquer outra jovem brasileira, com selfies e festas com amigas na praia. Mas h� quatro anos, suas atualiza��es acabaram: ela foi presa no aeroporto de Hong Kong com 600 gramas de coca�na l�quida em seu suti�.

Depois disse ao tribunal que vinha de uma fam�lia pobre do norte do Brasil, sua m�e precisava de di�lise renal e recentemente ela engravidou. Deu � luz na pris�o enquanto aguardava julgamento.

A ju�za Audrey Campbell-Moffat concedeu � mulher de 25 anos circunst�ncias atenuantes por ter se declarado culpada desde o in�cio, por cooperar com a pol�cia e ser uma m�e exemplar com seu filho, de acordo com relat�rios da pris�o.

"Havia pouco mais que voc� poderia ter feito para demonstrar arrependimento", disse a ju�za, reduzindo a senten�a para 10 anos e seis meses, em vez do m�nimo de 20 anos.

Algumas semanas depois, a AFP visitou Sousa, que pediu para usar um pseud�nimo para proteger sua fam�lia de poss�veis repres�lias.

"Eu tentei o meu melhor para pedir � ju�za que me perdoasse. Sei que fiz algo criminoso, mas foi pelo meu filho", disse ela em um telefone da pris�o.

"Fiquei chateada, mas depois percebi que ela estava certa em me condenar, foi equilibrada", admitiu.

Nos primeiros anos de vida do filho, Sousa cuidou dele na pris�o. Mas � medida que seu terceiro ano se aproximava, ele foi tirado dela e agora vive em um orfanato at� que possa ser levado � fam�lia de Sousa no Brasil.

"Ele chorava muito e n�o comia", lembrou Sousa sobre as primeiras semanas de separa��o. Todos os seus pensamentos giram em torno de reencontr�-lo um dia.

"Penso no futuro, em cuidar do meu filho", declarou. Mas esse futuro foi suspenso quando os promotores apelaram de sua senten�a por consider�-la muito leve, acrescentando mais dois anos de pris�o.

- Aumento p�s-pandemia -

Em todo o mundo houve um decl�nio acentuado no uso de mulas para o tr�fico de drogas devido � pandemia de coronav�rus, que desacelerou o tr�fego a�reo.

Em vez disso, eles usaram correio e empresas de frete.

Mas a flexibiliza��o das restri��es significa que as mulas quase certamente voar�o novamente. Com isso, mais mulheres como Zoila ser�o tentadas a entrar no com�rcio alimentado por contrabandistas e consumidores.

Em junho, Zoila foi deportada de Hong Kong, um dia com o qual sonhava h� anos. Ela sorria enquanto empurrava o carrinho de bagagem pela sa�da do aeroporto de Lima, com destino � casa de sua fam�lia a uma curta dist�ncia.

"Chorei porque foram quase nove anos", disse � AFP. "Agora vou para casa. Minha m�e, meus irm�os, meus filhos est�o me esperando. Toda a fam�lia est� me esperando em casa", contou ansiosa.


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