Na manh� daquele 5 de setembro, a delega��o israelense estava dormindo em seus apartamentos na vila ol�mpica quando um comando do grupo palestino "Setembro Negro" os invadiu. Dois atletas israelenses morreram e outros nove foram feitos ref�ns, na esperan�a de troc�-los por 232 prisioneiros palestinos.
Israel n�o p�de intervir militarmente no solo alem�o. E a opera��o das for�as alem�s terminou com a morte dos ref�ns. Em Israel, um choque: judeus mortos na Alemanha novamente, o retorno do fantasma do Holocausto.
"� um verdadeiro choque. A natureza dos assassinatos, a impot�ncia dos atletas e o fato de que o ataque foi em solo alem�o deram uma resson�ncia particular", afirmou � AFP Ehud Barak, ex-primeiro-ministro que na �poca estava encarregado de uma unidade de elite do ex�rcito.
"Havia uma tristeza profunda, muita raiva (...) e tamb�m o sentimento secreto de vingan�a", acrescenta.
"A primeira-ministra da �poca, Golda Meir, n�o sabia o que fazer. Aharon Yariv, seu conselheiro para quest�es de terrorismo e o chefe do Mossad, Zvi Zamir, chegam para v�-la (...) e eles dizem uma coisa: agora temos que destruir o Setembro Negro", conta o historiador israelense Michael Bar Zohar.
"E acrescentam: n�o podemos matar todos os terroristas do Setembro Negro, mas se conseguirmos, e cito, 'esmagar a cabe�a da serpente', ou seja, matar o chefe, ent�o poderemos parar essa organiza��o. Golda duvidou muito", continua o historiador. "Deve autorizar alguns assassinatos em toda a Europa e no Oriente M�dio? Ela decide que sim."
O Mossad, o poderoso servi�o de intelig�ncia estrangeira israelense, lan�a ent�o uma opera��o que ficar� famosa: "C�lera de Deus". Seu objetivo � assassinar os l�deres palestinos do Setembro Negro onde quer que estejam.
Nos meses seguintes, os respons�veis pelo Setembro Negro e, �s vezes, pessoas pr�ximas � Organiza��o para a Liberta��o da Palestina (OLP) come�am a morrer misteriosamente na Europa, por agentes do Mossad operando nas sombras.
Israel n�o assume a responsabilidade por nenhum desses assassinatos pelo medo �bvio de indignar seus aliados europeus.
- Uma mulher chamada Barak -
Mas os alvos de Israel n�o est�o todos na Europa. Alguns se escondem em Beirute, como Mohammed Youssef al-Najjar (conhecido sob o nome de Abu Youssef), Kamal Adwan e Kamal Nasser.
Na madrugada de 9 para 10 de abril de 1973, a unidade de elite do ex�rcito israelense, a "Sayeret Matkal", sob dire��o do comandante Ehud Barak, e o Mossad, realizaram uma opera��o digna de Hollywood para matar tr�s l�deres palestinos em seus apartamentos em um bairro nobre de Beirute.
O comando embarca em embarca��es lan�a-m�sseis, depois nos Zodiacs, para chegar � capital libanesa onde s�o aguardados por agentes do Mossad, equipados com ve�culos alugados e fingindo ser turistas.
O objetivo � desembarcar � noite, entrar nos ve�culos e ir at� os apartamentos dos tr�s homens, mat�-los e voltar de barco para Israel.
"Mas, enquanto nos prepar�vamos, ficou claro que um grupo de 15 jovens vagando pela meia-noite nas ruas onde n�o podiam pagar um apartamento seria suspeito. Ent�o, quatro de n�s decidimos nos vestir de mulher. Como tinha um rosto infantil, eu era uma das mulheres", conta Barak, hoje com 80 anos.
"Usava uma peruca escura, batom nos l�bios e delineador azul. Pegamos meias de soldados para fingir que eram seios. N�o t�nhamos vestidos, apenas cal�as, mais largas na parte de baixo. Escondemos nossas armas sob nossas jaquetas e explosivos em miniatura nos nossos bolsos, e granadas tamb�m", acrescenta este pol�tico.
Chegando em Beirute, a equipe se divide em v�rios grupos e segue para os apartamentos. Os israelenses sofrem ataques pesados, mas matam seus tr�s alvos. A opera��o tamb�m deixa v�timas civis. E dois soldados israelenses s�o mortos.
O comando retorna por mar para Israel. Ao amanhecer, Ehud Barak entra em sua casa, com marcas de maquiagem no rosto. "Por um tempo, (minha esposa) ficou desconfort�vel. Ela disse 'o que h� de errado? Eu n�o podia dizer a ela, mas ela ligou o r�dio e eles j� estavam falando sobre o que tinha acontecido'."
- O "pr�ncipe vermelho" -
Barak diz que durante a opera��o ele e seus homens se sentiram "muito confiantes". Mas esse excesso de confian�a dos israelenses talvez seja a origem dos fracassos que se seguiram.
Tr�s meses depois de Beirute, o Mossad acredita ter localizado em Lillehammer, na Noruega, Ali Hassan Salam�, considerado o chefe das opera��es do Setembro Negro e apelidado de "pr�ncipe vermelho" por sua vida de d�ndi.
Um comando viaja para assassin�-lo. Mas o Mossad se engana e mata Ahmed Bushiki, um gar�om de origem marroquina.
Os agentes do Mossad estavam "muito seguros de si", considera Bar Zohar, autor de v�rios livros sobre o servi�o de intelig�ncia israelense.
"Eles tinham quase certeza de que aquela j� era uma opera��o de rotina e ignoraram todos os sinais que provavam que n�o era ele (Salame). Por exemplo, eles viram que o homem que estavam seguindo morava em um bairro pobre, andava de bicicleta e estava sozinho em uma piscina. Um chefe terrorista n�o faz isso", afirma.
Ap�s matarem por engano o marroquino, tr�s agentes israelenses s�o presos na Noruega e passam 22 meses na pris�o.
Um ano depois, o Mossad desta vez lan�a uma opera��o de longo prazo para chegar a Salam�. O agente "D" � enviado para morar em Beirute, onde frequenta a mesma academia que Salam�, faz amizade com ele e sua esposa, a ex-miss Universo Georgina Rizk.
Durante anos, "D" descobre os costumes e movimentos de Salam�, suspeito por outro lado de estar em contato com os americanos.
"Eu o considero um amigo e um inimigo mortal. N�o � f�cil. Voc� sabe, no fundo, que ele deve morrer", diz esse agente, cuja identidade n�o foi revelada em 2019 em um document�rio do canal israelense 13.
Em janeiro de 1979, cinco anos ap�s o in�cio da opera��o, Salam� morre na explos�o de seu ve�culo em Beirute.
- Ir� -
O suposto chefe de opera��es do Setembro Negro morreu, mas a campanha de assassinatos seletivos continuou durante as intifadas - revoltas palestinas em territ�rios ocupados pelo ex�rcito israelense - antes de se ramificar no Ir�.
"Depois de Munique, Israel entendeu que, se n�o tomasse a iniciativa, ningu�m em seu lugar impediria os ataques", disse � AFP Ronen Bergman, historiador israelense especializado em Mossad.
"H� uma liga��o direta entre o que aconteceu e o que estamos observando atualmente, o fato de Israel usar assassinatos seletivos como uma das principais armas em sua pol�tica de defesa de sua seguran�a nacional", acrescenta, referindo-se aos assassinatos de cientistas ligados ao programa nuclear iraniano e atribu�dos a Israel.
"� claro que os assassinatos seletivos foram muito eficazes contra os organizadores dos ataques (anti-israelenses), mas ainda h� debate para saber at� que ponto os assassinatos de cientistas do programa nuclear, a partir de 2007, s�o realmente eficazes. � dif�cil de mensurar, mas o certo � que essa pol�tica vai continuar", afirmou Bergman.
Israel acusa o Ir� de querer se equipar com a bomba at�mica para destru�-lo, algo que Teer� nega. Os israelenses se op�em �s negocia��es entre as pot�ncias mundiais e o Ir� para relan�ar o acordo sobre o programa nuclear da Rep�blica Isl�mica.
Com ou sem acordo, o primeiro-ministro israelense Yair Lapid foi claro ao afirmar que seu pa�s "continuar� fazendo tudo o que puder para impedir que o Ir�" adquira uma arma nuclear.
JERUSAL�M