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Estado de Minas NOVO REI

Charles, novo rei do Reino Unido ap�s 70 anos como 'pr�ncipe profissional'

Com a morte da rainha Elizabeth 2�, nesta quinta-feira (8), o Charles "pr�ncipe" enfim deixar� de existir aos 73 anos. Em seu lugar, surge o Rei Charles.


08/09/2022 14:55 - atualizado 08/09/2022 16:10

Princípe Charles em evento público.
Mesmo se Charles for um monarca de transi��o, por outro lado dever� marcar o padr�o pelo qual futuros pr�ncipes herdeiros ser�o julgados. (foto: Patrick T. FALLON / AFP)
Formal ao extremo, ocasionalmente desengon�ado e com uma personalidade que se tornou sin�nimo de falta de carisma, Charles Philip Arthur George passou 70 anos como pr�ncipe herdeiro do Reino Unido, exercendo esse papel como se fosse uma profiss�o.

Com a morte da rainha Elizabeth 2ª, nesta quinta-feira (8), o Charles "pr�ncipe" enfim deixar� de existir aos 73 anos. Em seu lugar, surge o Charles soberano, o mais velho a assumir o trono brit�nico na hist�ria, o que deve fazer de seu reinado um per�odo de transi��o entre o da m�e, venerada pela dedica��o ao servi�o p�blico, e o do filho William, visto como a moderniza��o –e, para alguns, salva��o– da realeza.

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"Mas talvez n�o seja t�o transit�rio assim. Charles herdou os genes da m�e e do pai e pode muito bem reinar por 20 anos", afirma Annette Mayer, especialista em monarquia brit�nica da Universidade de Oxford.

A longa trajet�ria como pr�ncipe herdeiro, maior que a de qualquer outro na hist�ria do Reino Unido, estimulou em Charles um certo sentimento de resigna��o e at� autoironia. "Ser herdeiro do trono n�o � uma profiss�o. � uma enrascada", ele costuma dizer, bem-humorado, quando questionado sobre o tema, segundo relata a bi�grafa Catherine Mayer no livro "Born to Be King" (nascido para ser rei), de 2015.

Sob o olhar p�blico desde que nasceu, em 1948, Charles precisou encontrar cedo uma forma de conviver com essa enrascada. Nunca houve um modelo �nico de como o herdeiro do trono brit�nico deveria se comportar, e ele teve ainda de lidar com o fato de ser o primeiro pr�ncipe da era televisiva.

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Seus passos foram seguidos na juventude, durante a carreira militar e sobretudo em rela��o � atribulada vida amorosa, que incluiu o desastroso casamento com a princesa Diana e a uni�o com Camilla Parker Bowles, em 2005. Nada contribuiu mais para a imagem de homem insens�vel, e at� cruel, do que o div�rcio de Diana, cujo �pice foi a famosa entrevista dada por ela em 1995 � BBC, em que sutilmente sugeriu que Charles n�o teria condi��es psicol�gicas de ser rei e deveria passar o bast�o direto para William.

Para a professora de Oxford, o novo rei recuperou parte de sua popularidade desde os distantes anos 1990, em parte porque conseguiu focar sua atua��o �s in�meras causas ambientais e sociais que patrocina. "Ele melhorou sua imagem desde os tempos dif�ceis que teve. Charles agora � um homem mais velho e mais s�bio, ent�o � mais respeitado. Mas � dif�cil ser t�o respeitado como sua m�e", afirma.

O ativismo, que inclui um interesse especial pela Amaz�nia, tornou-se marca registrada. Nunca houve um pr�ncipe t�o engajado em assuntos que afetam diretamente os s�ditos como ele, da defesa do ambiente � educa��o para jovens desfavorecidos, causa que defende por meio da sua organiza��o Prince's Trust.

Mesmo se Charles for um monarca de transi��o, por outro lado dever� marcar o padr�o pelo qual futuros pr�ncipes herdeiros ser�o julgados. Depois dele, inaugurar pr�dios p�blicos n�o ser� o bastante.
 
Amigos dizem que o Charles distante e rob�tico que os brit�nicos se acostumaram a ver em p�blico � bem diferente de sua personalidade em privado. Afirmam que � um bom contador de piadas e que durante um bom tempo dedicou-se a aprender m�mica e ilusionismo. Outros interesses s�o jardinagem, pintura em aquarela e cria��o de ovelhas.
 
At� a meia-idade jogou polo e participou de ca�adas a raposas, duas atividades que s�o a express�o m�xima da nobreza brit�nica. Abandonou a primeira por problemas nas costas, e a segunda, n�o devido ao interesse pelo ambiente, mas apenas porque foi banida pelo governo.
 
Uma afinidade inusitada � com a dan�a, o que n�o quer dizer que seja bom nela, como mostrou ao sambar totalmente sem jeito numa visita ao Rio de Janeiro em 1978, imagem que correu o mundo.
 
Met�dico, Charles toma todos os dias um caf� da manh� com ovos e cereais e n�o almo�a, para desespero de assessores que o acompanham durante longos dias de compromissos.
Costuma calcular a quantidade de �gua que precisa beber para n�o sentir sede nem vontade de ir ao banheiro, algo especialmente �til em dias de agenda pesada. Antes de dormir, dispara por escrito pedidos para auxiliares relacionados �s tarefas do dia seguinte.
 
Seu c�rculo de conv�vio social � pequeno, em sua maioria restrito a conhecidos da juventude, incluindo algumas namoradas pr�-Diana, como um dia a pr�pria Camilla foi. Uma das amigas mais famosas � a atriz Emma Thompson, que, ao menos at� onde se sabe, nunca esteve romanticamente envolvida com ele.
 
Na inf�ncia, o futuro rei era t�mido e considerado inseguro pelo pai, o pr�ncipe Philip, morto em 2021 aos 99 anos. "O duque [Philip] notou que Charles era uma crian�a sens�vel -ao contr�rio de sua irm� mais nova, Anne– e concluiu que o melhor curso de a��o seria endurec�-lo", afirma a bi�grafa do novo rei.
 
Do choque de personalidades nasceu uma rela��o mal resolvida com o pai severo e uma liga��o bem mais pr�xima com o tio-av� Louis Mountbatten, um militar condecorado, o �ltimo vice-rei da �ndia e uma esp�cie de tutor para o jovem Charles. O assassinato de Mountbatten num atentado a bomba cometido pelo IRA (Ex�rcito Republicano Irland�s) em 1979 � tido como o maior trauma da vida do novo rei.
 
Num gesto de moderniza��o not�vel nos anos 1950, Charles foi o primeiro herdeiro a n�o receber educa��o domiciliar. Assim, frequentou diversas escolas da elite brit�nica. Tamb�m cumpriu o ritual de servir nas For�as Armadas e aos dez anos recebeu o t�tulo pelo qual ficaria conhecido: pr�ncipe de Gales.
 
Em 1977, conheceu Diana Spencer, de fam�lia aristocr�tica, com quem se casaria em 1981 e teria dois filhos, William e Harry. A tumultuada rela��o, desfeita em 1996, com direito a infidelidade conjugal de lado a lado, seria o per�odo mais danoso n�o apenas para a imagem do pr�ncipe, mas de toda a monarquia.
 
A morte de Diana, num acidente de carro em Paris, em 1997, gerou como��o global e acusa��es de falta de empatia pela fam�lia real. Pela primeira vez imprensa e especialistas trataram seriamente da possibilidade de o pa�s virar uma Rep�blica. Desde ent�o, a monarquia readquiriu grande parte de seu prest�gio, e hoje pesquisas indicam que tem apoio em torno de 70%.
 
Mas a ascens�o de Charles poder� destravar o sentimento republicano, ao menos num primeiro momento, diz Mayer, de Oxford. Ela faz um paralelo entre a sucess�o de Elizabeth 2ª e a de outra mulher que marcou sua �poca, a rainha Vit�ria, que morreu em 1901 ap�s um reinado de quase 64 anos.
 
"Quando a rainha Vit�ria morreu, n�o houve quest�es sobre a sobreviv�ncia da institui��o. Mas haver� muito rapidamente perguntas sobre para onde vai a monarquia agora", afirma ela.
 
Isso acontece, diz a acad�mica, porque falta a Charles o peso hist�rico da m�e, coroada quando o Reino Unido ainda era uma pot�ncia, embora j� na descendente. Hoje, ao contr�rio, o pa�s vive uma crise de identidade e � claramente um ator secund�rio na geopol�tica global. Al�m de ter optado por uma guinada isolacionista com o brexit, o div�rcio com a Uni�o Europeia, tem sua pr�pria exist�ncia sob risco.
 
Est�o no horizonte um novo referendo sobre a independ�ncia da Esc�cia, press�es crescentes para a integra��o da Irlanda do Norte � Rep�blica da Irlanda e at� um ressurgente nacionalismo em Gales –algo particularmente doloroso para um homem que ficou tanto associado � regi�o.
 
"N�o h� nada que ele possa fazer caso haja uma divis�o, e � algo que pode acontecer. Ele sofrer� muito, afinal foi pr�ncipe de Gales e tem liga��es fortes com a Esc�cia [onde estudou na inf�ncia]", diz Mayer.
 
Sem autoridade pol�tica real, restar� ao novo soberano o "poder suave" de tentar influenciar o humor do eleitorado, enfatizando as vantagens de manter o reino intacto, em pronunciamentos e eventos.
 
Segundo especialistas na realeza, ele tentar�, logo de in�cio, tomar atitudes para fugir um pouco da longa sombra da m�e e marcar um estilo pr�prio. Charles dever� simplificar rituais da monarquia, reduzir seus custos e focar a riqueza do reino como uma na��o multicultural. Especula-se que, na coroa��o, far� uma adapta��o do juramento, prometendo defender "as f�s", em vez de "a f�" anglicana, religi�o oficial do pa�s.
 
Outra diferen�a prov�vel � na maneira de se expressar sobre temas cotidianos. Como pr�ncipe, Charles notabilizou-se por falar o que pensa sobre diversos assuntos e chegou a enviar memorandos a ministros, arranhando o princ�pio basilar, que sua m�e sempre respeitou, de n�o envolver a Coroa na pol�tica.
 
A grande quest�o � saber se manter� essa pr�tica como rei, o que no limite poderia levar a crises constitucionais. Analistas da monarquia apostam que Charles sabe que, sentado no trono, precisar� ser mais cuidadoso com as palavras. Uma importante exce��o dever� ser a quest�o ambiental, indelevelmente associada � imagem do novo monarca.
 
Neste sentido, a rela��o do trono brit�nico com o Brasil poder� se aprofundar, diz o diplomata aposentado Fl�vio Perri, que coordenou no Itamaraty a organiza��o da confer�ncia ambiental da ONU Rio-92, em que Charles foi uma das principais estrelas. "Lembro-me de um cavalheiro de alta estirpe, de educa��o aprimorada, culto, que tinha curiosidade sobre o Brasil, queria conhecer mais, saber das coisas brasileiras", afirma Perri, sobre os contatos com o pr�ncipe durante o evento.
 
Embora tivesse um papel cerimonial, Charles comportava-se como um verdadeiro chefe de delega��o, diz o diplomata. "Em uma monarquia constitucional como a brit�nica, todo o poder se realiza por meio do primeiro-ministro. Mas o pr�ncipe Charles teve o valor de trazer o prest�gio da Coroa brit�nica para a confer�ncia do Brasil, um efeito simb�lico muito importante naquele momento", afirma.
 
A presen�a do herdeiro do trono brit�nico se tornou, durante a confer�ncia, uma esp�cie de contraponto � do ent�o presidente dos EUA, George Bush, que confirmou sua participa��o apenas na �ltima hora e era visto como porta-voz dos interesses das empresas petrol�feras do seu pa�s.
 
Charles � presidente de honra do World Wildlife Fund (WWF) no Reino Unido, uma das mais influentes ONGs do planeta, al�m de ter criado em 2010 a International Sustainability Unit, esp�cie de guarda-chuvas de todas as suas iniciativas ambientais. Dificilmente abrir� m�o totalmente dessas atividades, embora certamente n�o poder� dedicar tanto tempo a elas.
 
Ap�s sete d�cadas de ativismo, exposi��o p�blica e esc�ndalos que o tornaram uma das personalidades mais conhecidas do planeta, o septuagen�rio Charles chega ao ponto final da trajet�ria que foi tra�ada para ele no ber�o, sem que tivesse podido escolher. A figura vista mundialmente mais como pr�ncipe do que como ser humano viveu per�odos turbulentos, em que sofreu desprezo e at� �dio em escala mundial.
 
Hoje, afirma sua bi�grafa, dificilmente haja algu�m que odeie Charles, mas tamb�m � dif�cil encontrar algu�m que o adore. Essa personalidade cinzenta talvez combine bem com um reinado de transi��o.
 
Para Charles, come�a uma nova enrascada.


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