
A fotografia em preto e branco mostra um homem idoso ajoelhado. Suas m�os est�o erguidas para o alto, seus olhos, cheios de terror. Em p�, sorrindo, dois oficiais da Gestapo apontam seus rifles na dire��o do homem.
Durante anos, essa foto ficou pendurada na parede do escrit�rio de Meir Dagan, antigo diretor do Mossad - o servi�o de intelig�ncia de Israel.
"Olhe para esta pessoa. Este homem � o meu av�, Erlich Sloshny, no gueto polon�s de Lukow, em junho de 1942, segundos antes de ser morto por esses b�rbaros da Gestapo."
"N�s estamos aqui, e eu estou aqui, para garantir que isso nunca mais aconte�a. Os judeus nunca mais v�o se ajoelhar e nunca haver� um segundo aniquilamento."
- O nazista que viveu por 20 anos no Brasil e foi executado no Uruguai por agentes do Mossad
- Os espi�es adolescentes recrutados pela pol�cia secreta alem� na Guerra Fria
� assim que o jornalista e escritor israelense Ronen Bergman descreve, no livro Rise Up and Kill First - The Secret History of Israel's Targeted Assassinations (em tradu��o livre, "Levante-se e Mate Primeiro - A Hist�ria Secreta dos Assassinatos Planejados por Israel"), a experi�ncia dos que visitavam o escrit�rio de Dagan.
Com base em mais de mil depoimentos, v�rios deles pelos pr�prios agentes do temido servi�o secreto israelense, o livro de Bergman conta em detalhes algumas das mais audaciosas (e por vezes ilegais) opera��es do Mossad - entre elas, o sequestro do fugitivo nazista alem�o Adolph Eichmann na Argentina, o assassinato do oficial let�o Herberts Cukurs no Uruguai e assassinatos de cientistas nucleares alem�es.
Em entrevista ao programa Start the Week, da R�dio 4 da BBC, o jornalista falou sobre o livro. E contou como convenceu os agentes de uma organiza��o cercada de mist�rio a revelar alguns de seus segredos.
No mesmo programa, o advogado e escritor Philippe Sands, especialista em direito internacional, advertiu contra a glorifica��o do que a lei qualifica como "assassinatos extra-judiciais" e reafirmou a import�ncia do caminho legal na busca de justi�a.
Ele destacou, em particular, o legado "revolucion�rio" do Tribunal de Nuremberg, onde nazistas finalmente responderam por seus crimes diante da lei, e onde surgiram conceitos jur�dicos como "genoc�dio" e "crimes contra a humanidade".
A BBC News Brasil destaca, a seguir, alguns trechos do programa. E para dar contexto � discuss�o, inserimos aqui uma breve explica��o sobre o que foi o Tribunal de Nuremberg.

Formado ap�s a Segunda Guerra Mundial por acordo entre a ent�o URSS, Estados Unidos, Gr�-Bretanha e Fran�a, o Tribunal Internacional Militar de Nuremberg (nome da cidade alem� que o sediou) julgou membros do Partido Nazista, militares e colaboradores do nazismo. Os julgamentos ocorreram entre 1945 e 1949.
No banco dos r�us estavam, por exemplo, figuras como Herman Goering, bra�o direito de Adolph Hitler.
Goering foi condenado � morte, mas cometeu suic�dio antes de ser executado.
Adolph Eichmann, 'o arquiteto do Holocausto'
Anos depois, um outro julgamento, este realizado em Jerusal�m, em 1961, chamou a aten��o do mundo. Nele, o tenente coronel nazista Adolph Eichmann, tido como o arquiteto do Holocausto, foi condenado � morte por enforcamento.

Eichmann chegou � Justi�a por uma interven��o do Mossad, que, em uma opera��o at�pica, optou por sequestrar o nazista em Buenos Aires para que ele fosse julgado em Israel.
"Foi algo muito raro", comenta Bergman.
"A maior parte do que o Mossad fazia n�o tinha nada a ver com trazer criminosos de guerra para a Justi�a. O que o Mossad fazia naquela �poca, e ainda faz hoje, � lidar com os desafios do agora."
A decis�o do ent�o primeiro-ministro de Israel, David Ben Gurion, de autorizar uma opera��o "altamente arriscada, e ilegal", de sequestrar uma pessoa em um Estado soberano - a Argentina - em vez de solicitar uma extradi��o - que a promotoria acreditava, n�o seria concedida - foi tomada porque os israelenses viam em Eichmann uma oportunidade �nica, ele explica.
"Eichmann era o centro desse plano maligno", diz o escritor.

"Ele era o c�rebro por tr�s de grande parte do Holocausto e oferecia uma grande oportunidade n�o apenas de julg�-lo e fazer justi�a, mas tamb�m de trazer ao mundo, pela primeira vez, a hist�ria do Holocausto. E contar ao povo de Israel - que, de certa forma, n�o queria ouvir os sobreviventes - o que tinha acontecido na Europa naqueles seis anos."
Eichmann foi executado no dia 30 de maio de 1962.
Herberts Cukurs - sentenciado sem julgamento
Uma outra opera��o detalhada no livro de Bergman levou os agentes do Mossad ao Brasil e ao Uruguai.
Trata-se do assassinato do oficial da For�a A�rea da Let�nia Herberts Cukurs, um caso que repercutiu de forma bastante negativa para Israel e para o Mossad.
Cukurs desembarcou no Rio de Janeiro com sua fam�lia em 1946 e viveu 20 anos no Brasil antes de ser morto.
Em seu pa�s, era tido como um her�i aviador, mas no Brasil tornou-se empres�rio. De in�cio, abriu uma empresa de aluguel de pedalinhos na lagoa Rodrigo de Freitas.
Em 1950, foi acusado pela Federa��o das Sociedades Israelitas do Rio de Janeiro de ser um criminoso de guerra.
Durante a ocupa��o nazista da Let�nia, iniciada em 1941, Cukurs integrara o Comando Ar�js, um dos principais grupos colaboracionistas do pa�s. Entre o in�cio da ocupa��o e o final da guerra, em 1945, a comunidade judaica let�, composta por cerca de 80 mil pessoas, tinha sido praticamente extinta.
- Como eram as rotas de fuga pelas quais muitos nazistas escaparam para a Am�rica do Sul ap�s a 2ª Guerra
- A segunda morte de Josef Mengele no Brasil
Depois da guerra, Cukurs foi acusado por sobreviventes de executar, muitas vezes de maneira s�dica, milhares de pessoas, incluindo mulheres e crian�as. Tamb�m teria praticado tortura e estupros. Ele admitiu ter integrado um grupo colaboracionista, mas sempre negou as acusa��es.
Assediado pela imprensa, mudou-se para S�o Paulo.
Atra�do por um agente do Mossad posando como homem de neg�cios, Cukurs viajou para um balne�rio pr�ximo a Montevid�u, no Uruguai, para inspecionar uma propriedade que pretendia comprar.
Ao chegar, no dia 23 de fevereiro de 1965, foi emboscado pelos israelenses. O plano, segundo depoimento de um dos agentes, era imobiliz�-lo, ler para ele sua "senten�a" e depois execut�-lo.

Mas Cukurs reagiu e acabou sendo morto a marteladas e tiros.
Seu corpo s� foi encontrado no dia 6 de mar�o, dentro de um ba�. Junto, um bilhete dizia: "Considerando a gravidade dos crimes de que � acusado Herberts Cukurs, especialmente o assassinato de 30 mil homens, mulheres e crian�as, n�s o condenamos � morte."
Assinavam o bilhete "aqueles que n�o esquecer�o".
Uma oportunidade perdida?
Uma das raz�es oferecidas na �poca para a opera��o contra Cukurs seria a de que um assassinato conduzido de forma espetacular obrigaria o mundo a se lembrar de que, 20 anos ap�s o final da guerra, ainda havia nazistas impunes e � solta.
Na realidade, pela forma como foi conduzida, a opera��o foi desastrosa para o servi�o secreto de Israel, comenta Bergman.
Registros oficiais sobre a miss�o nunca foram publicados, mas com base em suas entrevistas, o jornalista relata a seguinte cena, ocorrida durante uma reuni�o de chefes do Mossad para falar sobre fugitivos nazistas:
"Quando o oficial que chefiava o escrit�rio de intelig�ncia (que coletava informa��es sobre os nazistas) leu a lista (de fugitivos), e leu o nome de Herberts Cukurs, o chefe de intelig�ncia desmaiou", conta Bergman.
"Quando ele voltou a si, disse que Cukurs era a pessoa que tinha queimado sua fam�lia na Let�nia."
Embora Cukurs n�o fosse alem�o e n�o fosse um oficial de alto escal�o, em sinal de apre�o pelo colega, e em ato simb�lico de uma vingan�a pessoal, o chefe do Mossad "deu ordens para que se fizesse um esfor�o especial para pegar Cukurs", diz.
O jornalista prossegue:
"Cukurs foi escolhido porque era t�o v�vido ver esse general desmaiar e dizer, 'ele queimou minha fam�lia, vamos mat�-lo', que eles foram l� e fizeram isso."
Por ter sido um piloto famoso antes da guerra, Cukurs teria sido facilmente identificado por suas v�timas e pelos sobreviventes. No entanto, o fato de n�o ter respondido pelas acusa��es em vida, diante de um tribunal, deixa margem para d�vidas.
Cukurs foi alvo de uma investiga��o criminal p�stuma na Let�nia. Nela, seu envolvimento em crimes do Holocausto foi questionado e, na aus�ncia de muitas das testemunhas, ent�o falecidas, v�rias das evid�ncias dos crimes que o piloto teria cometido foram invalidadas.
A ca�a aos cientistas nucleares alem�es
Rise Up and Kill First tamb�m descreve campanhas do Mossad na d�cada de 1960 para matar e intimidar cientistas alem�es previamente envolvidos em programas nazistas para desenvolver armas. Ap�s a guerra, tinham ido trabalhar para o governo eg�pcio.
"O Mossad descobriu muito tarde que Nasser (Gamal Nasser, presidente do Egito entre 1954 e 1970) tinha contratado cientistas e engenheiros alem�es que tinham trabalhado para a SS (tropa paramilitar ligada ao Partido Nazista)", conta Bergman.
Durante a guerra, os cientistas tinham constru�do as bombas voadoras V-1 e os m�sseis de longa dist�ncia V-2, as chamadas "armas da Vingan�a", para Adolph Hitler. Mas com o fim do conflito, haviam ficado desempregados, explica o jornalista.
"Receberam ofertas generosas para ir para o Egito construir para o Nasser uma esquadrilha de m�sseis com a qual, ele dizia, iria destruir todos os alvos ao sul de Beirute."
Ronan Bergman descreve o clima em Israel no in�cio da d�cada de 1960 quando os planos do governo eg�pcio foram revelados aos israelenses:
"Imagine a histeria em Israel, em 1962, antes da Guerra dos Seis Dias, antes de que Israel se tornasse um superpoder e tivesse armas nucleares, as ruas cheias de sobreviventes do Holocausto com n�meros (tatuados) nas palmas de suas m�os", diz.
"Agora, ficam sabendo que os mesmos cientistas que tinham trabalhado na constru��o da 'arma do apocalipse' para Adolph Hitler est�o trabalhando para Nasser, que Ben Gurion chamava de o 'segundo Hitler."
Foi nesse contexto que o Mossad iniciou uma ofensiva e "come�ou a matar os cientistas", diz Bergman. Alguns, ele conta, foram sequestrados na Alemanha.
"Um deles, chamado Heinz Krug, simplesmente desapareceu. A filha e o filho dele nunca souberam o que tinha acontecido. Fui eu, 50 anos mais tarde, que contei a eles."
Segundo relatos de Bergman a outros ve�culos, Krug teria sido levado para Israel e submetido a violentos interrogat�rios antes de ser morto.
O jornalista conta, no entanto, que depois de um tempo os agentes israelenses conclu�ram que teriam de mudar de estrat�gia. Matar os cientistas n�o colocaria fim ao projeto de Nasser porque ele simplesmente oferecia um monte de dinheiro aos sobreviventes.
"Eles s� tinham um caminho: contratar algu�m que fosse muito pr�ximo dos cientistas. E esse algu�m era o chefe de opera��es especiais de Hitler, o general da SS Otto Skorzeny", diz o escritor.
Skorzeny tinha sido um nazista dedicado. Incendiara sinagogas e matara judeus.
Procurado pelo Tribunal de Nuremberg, Skorzeni tinha fugido para a Espanha.
Dois anos ap�s a execu��o de Adolph Eichmann, o Mossad procurou Skorzeni e ofereceu a ele algo que ningu�m mais poderia lhe proporcionar, prossegue Bergman. "Uma vida sem medo."

O general aceitou trabalhar para os israelenses em troca de um passaporte novo, dinheiro e uma carta de imunidade do primeiro-ministro de Israel.
"Skorzeny tornou-se um importante ativo do Mossad no in�cio da da d�cada de 60", conta.
"E resolveu o problema dos cientistas alem�es trabalhando para Nasser."
Otto Skorzeni morreu de c�ncer, na Espanha, em 1975. Fotos de seu funeral mostram pessoas fazendo sauda��es nazistas. "O pragmatismo prevaleceu. Skorzeny foi recrutado para resolver quest�es do presente. Fantasmas do passado foram deixados de lado", diz o jornalista. Mas ele pergunta:
"Voc� pode recrutar o dem�nio para prevenir outros males?".
A opera��o que matou o cientista nuclear iraniano Mohsen Fakhrizadeh
Uma outra quest�o que os assassinatos de cientistas nucleares levantam �: seria justific�vel matar hoje uma pessoa para impedir que ela - possivelmente ou at� provavelmente - cometa atos malignos no futuro?
A resposta do Mossad, ao longo de v�rias d�cadas, para essa pergunta, parece ter sido um sim.
"O modus operandi adotado na d�cada de 1960 para lidar com os cientistas alem�es no Egito continuou a ser usada contra cientistas iraquianos e eg�pcios nos anos 70 e continua a ser usado agora contra cientistas iranianos", diz Ronan Bergman.

Segundo o jornalista, a mais importante opera��o desse tipo em anos recentes foi o assassinato, em novembro de 2020, do homem que chefiara, nas tr�s d�cadas at� ent�o, o programa nuclear iraniano: o professor Mohsen Fakhrizadeh.
L�deres do Ir� culparam Israel pelo assassinato do cientista, morto a tiros enquanto dirigia um carro em uma rodovia nos arredores de Teer�. Israel n�o confirmou nem negou seu envolvimento no ataque.
Mas o jornal americano New York Times publicou um relat�rio detalhado descrevendo como o ataque foi realizado por Israel.
O ex-chefe do Mossad revelou mais tarde que o cientista havia sido um alvo "por muitos anos", e que a ag�ncia de intelig�ncia israelense estava preocupada com seu conhecimento.
De acordo com Bergman, enquanto planejava o assassinato, o Mossad se deu conta de que o professor era t�o protegido que seria imposs�vel mat�-lo sem que os assassinos se envolvessem em um tiroteio com as for�as de seguran�a iranianas.
"(Fakhrizadeh) era a segunda pessoa mais protegida do Ir� depois do supremo l�der", explica.
"Alguns (dos agentes) poderiam morrer, e no Mossad existe uma regra fundamental: o sucesso da opera��o � t�o importante quanto o resgate dos assassinos."
O Mossad decidiu ent�o testar uma tecnologia nova, de �ltima gera��o, para assassinar o cientista, escreveu Bergman em uma reportagem publicada no jornal americano New York Times. Os agentes usaram um rob� acoplado a uma metralhadora e dotado de m�ltiplas c�meras posicionado em um local estrat�gico dentro do Ir� (uma estrada por onde, o Mossad sabia, Fakhrizadeh iria passar em seu carro) e controlado por computador. Em frente � tela do computador estava um "sniper" - um experiente atirador, trabalhando em local n�o revelado a mais de mil quil�metros de dist�ncia.
Questionamentos
O governo iraniano afirma que seu programa nuclear tem fins pac�ficos.
N�o h� confirma��o oficial, pelo governo de Israel, sobre a autoria do assassinato do Fakhrizadeh, mas a opera��o foi caracteristicamente eficiente. Bergman conta que a miss�o foi realizada com tal precis�o que a mulher do cientista, que viajava com ele, escapou ilesa do atentado.
Em sua entrevista � BBC, Bergman relata, por�m, um epis�dio que pode surpreender muita gente. O momento em que uma pr�pria agente do Mossad teria questionado a legitimidade da opera��o.
"Meu pai trabalha para o comit� at�mico de Israel. Se voc�s dizem que esse cientista iraniano � um alvo leg�timo, ent�o meu pai tamb�m � um alvo leg�timo", teria dito a oficial da intelig�ncia israelense.
O jornalista diz que a agente n�o est� sozinha. Outros na organiza��o v�m expressando ambival�ncia em rela��o a essas a��es - entre eles, o pr�prio Meir Dagan, tido como o c�rebro por tr�s do programa de assassinatos do Mossad.
Dagan morreu em 2016. Segundo Bergman, em seus �ltimos anos de vida, ele teria se dado conta de que havia um limite para o uso da for�a.
O ex-diretor do Mossad teria compreendido que "se todas essas opera��es incr�veis, dram�ticas e bem sucedidas, n�o fossem seguidas por uma estrat�gia pol�tica de negocia��es internacionais, n�o se chegaria a lugar algum".
Ou seja, diz o jornalista: "N�o havia outra solu��o sen�o o di�logo com o inimigo."
Aqui, fazendo um balan�o do que seria para ele a mensagem final de Rise Up and Kill First, Ronan Bergman diz:
"Por serem capazes de comandar opera��es em territ�rio inimigo com um simples toque dos dedos, todos os l�deres israelenses ao longo dos anos conclu�ram, erroneamente, que tinham o poder de mudar a Hist�ria."
"No final das contas, essa �, tamb�m, uma hist�ria de falta de compreens�o e de um fracasso estrat�gico muito perigoso."
E por que, depois de tantos anos de sil�ncio, tantos dos participantes nessas opera��es decidiram contar suas hist�rias?
A principal li��o que o Holocausto deixou na mente das pessoas, verdadeira ou n�o, � que "sempre vai haver algu�m por a� pronto para fazer o segundo aniquilamento", diz Bergman.
"E quando voc� se defronta com a possibilidade de extin��o, voc� faz o que precisa ser feito. Em alguns casos, a resposta �, levante-se e mate primeiro", prossegue o autor, fazendo refer�ncia ao t�tulo de seu livro.
"Essas pessoas (os entrevistados) queriam ter certeza de que suas pegadas ficariam gravadas na Hist�ria. Queriam se gabar e compartilhar suas experi�ncias, vistas por eles, e pela maioria da popula��o de Israel, como um mal necess�rio."
"O que outros pa�ses veem como assassinatos e atos ilegais brutais significa, para os israelenses, manter a guarda, tomar conta e defender Israel."
Em tom mais leve, o jornalista acrescenta:
"E se algu�m se recusava a falar, bastava eu dizer que fulano ou ciclano estava levando o cr�dito pela miss�o dele. A� sim, me contava tudo!".
Em debate: Queremos uma sociedade sem leis?
Em contraponto � poderosa narrativa do jornalista israelense, o especialista em direito internacional e direitos humanos Philippe Sands faz um alerta contra a glorifica��o do que, no final das contas, s�o atos ilegais.
"Segundo as leis internacionais, voc� n�o pode sair por a� matando as pessoas por acreditar que representem uma amea�a e existem v�rios exemplos de gente que foi morta por engano", diz.
Ele prossegue: "Me preocupa que (alguns pensem que) esse seja o caminho a ser seguido, que isso possa trazer Justi�a no longo prazo."
Sands reconhece que a lei n�o alcan�a todos.
"A justi�a criminal s� pega alguns", admite. "As fam�lias dos que n�o s�o pegos v�o dizer, 'ele morreu inocente'."
Por isso, no caso da Segunda Guerra Mundial, o advogado disse fazer uma distin��o para assassinatos que s�o "repres�lias por atos anteriores".
"Isso era o que se fazia antes de 1945, era leg�timo, acontecia e n�o havia lei contra isso. Mas a mudan�a que ocorreu ap�s 45 foi dizer que o poder do Estado n�o � ilimitado. Voc� n�o pode sair por ai fazendo essas coisas, seres humanos t�m direitos e esses direitos s�o protegidos segundo as leis dom�sticas e internacionais."
Esse, ele diz, � o legado de Nuremberg.
"Nuremberg foi um momento singular e revolucion�rio onde, pela primeira vez, l�deres foram responsabilizados por cometer crimes", explica.
"E os crimes eram, em grande parte, novos. Crimes de guerra j� existiam, mas crimes contra a humanidade e genoc�dio, e o crime de fazer uma guerra ilegal, foram inventados. Isso mudou o mundo. Todos esses crimes hoje est�o cobertos (por um sistema jur�dico)".
Sands diz que esse projeto, ainda em seus primeiros anos, est� novamente em discuss�o por causa do conflito na Ucr�nia.
"Existe um desejo, pelo menos no lado da Ucr�nia, de colocar o conflito no contexto legal, focar nos crimes de guerra, focar nos crimes contra a humanidade. Isso � o momento Nuremberg", diz o advogado.
Por outro lado, comenta, "alguns est�o falando em matar o presidente da R�ssia. No contexto do que estamos discutindo nesse programa, esse � um caminho que muitas pessoas achariam atraente", diz.
"Este n�o � um caminho dispon�vel hoje segundo a lei internacional, e isso � uma consequ�ncia de Nuremberg."
"A quest�o �, queremos rasgar o momento 1945 e voltar para 'n�o, que ven�a o mais forte'? Ou queremos manter a ideia de que existem limites para o que Estados podem fazer para se proteger contra atos passados ou futuros? Essa � a quest�o central, e esse � o debate a respeito do papel da lei na nossa sociedade."
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63792332