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Estado de Minas ARTISTA

Portugal: brasileiros s�o censurados por obra que denuncia escravid�o

Instala��o em galera, que foi alvo de censura, abordava contradi��o da filantropia como subproduto da explora��o


02/06/2023 18:05 - atualizado 02/06/2023 20:07
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exposição de arte
A mostra liderada pela dupla estava instalada justamente em um hospital batizado em homenagem ao conde (foto: Wura Moraes/ Divulga��o )
Os artistas brasileiros Dori Nigro e Paulo Pinto tiveram uma obra censurada em uma exposi��o que integra a Bienal de Fotografia do Porto. A instala��o "Ado�ar a Alma para o Inferno 3" tinha alus�es � liga��o do conde de Ferreira, um famoso benem�rito portugu�s, ao tr�fico transatl�ntico de pessoas escravizadas.

 

A mostra liderada pela dupla estava instalada justamente em um hospital batizado em homenagem ao conde, que morreu sem descendentes diretos e destinou a fortuna obtida com o com�rcio, tanto de mercadorias quanto de seres humanos, a diversos projetos sociais e educacionais.

 

A obra que foi alvo de censura explorava a contradi��o entre a filantropia como subproduto da explora��o. Ainda que n�o citasse nominalmente Ferreira, uma das �reas da instala��o continha espelhos com reflex�es sobre a vida do comerciante.

 

"Quantas pessoas escravizadas valem um hospital psiqui�trico? Quantas pessoas escravizadas valem 120 escolas? Quantas pessoas escravizadas valem os t�tulos de nobre e benfeitor?", questionam os artistas em um dos objetos da instala��o.

 

A a��o de censura aconteceu em 19 de maio, dia da inaugura��o da obra. O administrador executivo do Centro Hospitalar do Conde de Ferreira, acompanhado pelo diretor cl�nico da institui��o, foi at� ao local e exigiu a retirada das pe�as com men��es ao passado escravagista.

 

Diante da recusa por parte dos artistas, os respons�veis determinaram que a parte da exposi��o que continha as refer�ncias fosse fechada. Ainda com os convidados presentes, um funcion�rio lacrou a porta de acesso com peda�os de madeira.

 

Dias depois, o hospital removeu por conta pr�pria, e sem a autoriza��o dos autores, as partes pol�micas da obra. "Foi uma viola��o em cima de uma viola��o", diz Pinto.

 

Os artistas se dizem surpresos e perplexos com a censura. "N�o teve negocia��o. Era para tirarmos as obras ou encerrariam a sala. Tudo aconteceu com o p�blico circulando", afirma Pinto. "N�s ficamos em choque porque n�o imaginamos o que viria em seguida. Est�vamos falando com o p�blico quando, de repente, passa um senhor com uma furadeira para colocar uma tarja de madeira e parafusos para tapar a porta."

 

 

Radicado em Portugal desde 2013, o casal tem um hist�rico de trabalhos que abordam o passado colonial e as mem�rias de seus antepassados. Eles afirmam ainda que deixaram claro que iriam refletir sobre o tema e afirmam que os respons�veis pelo hospital puderam acompanhar o processo de montagem.

 

A instala��o estava inserida na exposi��o "Vento (A)mar", cuja pr�pria sinopse j� menciona as reflex�es sobre colonialismo e ancestralidade. Nigro diz que a dupla j� esperava provocar algum tipo de inc�modo com a exposi��o, mas imaginava que haveria um debate construtivo.

 

"Esper�vamos, sim, uma rea��o, mas como a que acontece em muitas das nossas performances. As pessoas discutem, debatem. Ou seja, a arte provoca um di�logo que � interessante. Esper�vamos que esse di�logo transformador tamb�m fosse poss�vel. � isso que n�s queremos sempre: olhar para o nosso passado para n�o repeti-lo", ele afirma. "O que a gente n�o esperava era essa dupla viol�ncia � luz do dia. Uma censura em pleno s�culo 21."

 

Ainda no �mbito da bienal, Nigro e Pinto protagonizar�o a performance "Pin Dor Ama: Primeira Li��o", que aborda quest�es como o colonialismo, o racismo e a homofobia. A apresenta��o, marcada para 22 de junho, na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, ter� ainda debates e reflex�es sobre o tema e os �ltimos epis�dios.

 

Em nota, a Bienal de Fotografia do Porto condenou duramente a posi��o dos representantes do hospital e da Miseric�rdia do Porto. "Este ato de censura � liberdade de express�o fere um direito constitucional inalien�vel e atinge n�o s� o conjunto da obra art�stica 'Ado�ar a Alma para o Inferno 3', como toda a equipe da exposi��o e da Bienal, toda a classe art�stica e todos que defendem a democracia".

 

A organiza��o pediu ainda a reabertura do espa�o e a exposi��o ao p�blico, na �ntegra, da obra da dupla brasileira. A Santa Casa de Miseric�rdia do Porto, que tutela o hospital Conde de Ferreira, afirmou em nota que "lamenta n�o poder atender" a solicita��o de reabertura e afirma que "n�o h� condi��es psicol�gicas para a concretiza��o do pedido".

 

"A comunidade de sa�de, doentes, trabalhadores e suas fam�lias se sentem afetados pela express�o utilizada quando se referem a 'quantas pessoas escravizadas valem um hospital psiqui�trico?' 

Dizendo-se uma institui��o de esp�rito inovador e tolerante, a Miseric�rdia do Porto afirmou ainda que "n�o ter� dificuldade, na forma adequada, de discutir a sua hist�ria, os seus comportamentos, os seus benfeitores".

 

Questionado pela reportagem, o minist�rio da Cultura de Portugal, que apoia financeiramente a bienal, limitou-se a afirmar que "n�o interfere de forma alguma nas escolhas dos locais e dos conte�dos art�sticos e repudia veemente qualquer ato de censura contra obras de natureza art�stica".

 

Nascido em 1782, no Porto, Joaquim Ferreira dos Santos fez fortuna principalmente como comerciante. Vindo de uma fam�lia humilde, conquistou t�tulos nobili�rios com gra�as a generosas doa��es.

 

Entre suas atividades estava o tr�fico de pessoas escravizadas na rota entre Angola e o Brasil. Historiadores estimam que pelo menos 10 mil pessoas tenham sido vendidas por Ferreira, sozinho ou em sociedade.

 

Ele emigrou para o Brasil em 1800 e, ap�s a Independ�ncia, adquiriu a nacionalidade brasileira. Depois uma vida integrada e proeminente na corte da antiga col�nia, decidiu regressar a Portugal. Reintegrado na sociedade e novamente com a nacionalidade lusa, morre em 1866, aos 83 anos, deixando uma grande fortuna para projetos de caridade.


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