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Estado de Minas DECL�NIO MORAL

O estudo que rebate ideia de que 'mundo est� cada vez mais desonesto'

Pesquisadores argumentam que 'ilus�o do decl�nio moral' � persistente em todo o mundo e traz consequ�ncias sociais e pol�ticas danosas


15/09/2023 06:36 - atualizado 15/09/2023 10:58
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imagens ilustrativas de Pinnochio
Percep��o de que valores sociais est�o se corrompendo s�o bastante difundidas, mas psic�logos dizem que se trata de uma ilus�o (foto: Getty Images)

“No meu tempo dava para confiar nas pessoas”

“O mundo ficou mais desonesto”

“A moral coletiva est� em decl�nio”

Frases do tipo refletem um sentimento comum, de que valores sociais importantes se corromperam ao longo do tempo.

No entanto, dois pesquisadores americanos acham que essa percep��o parece ser, na verdade, uma ilus�o coletiva, que acaba tendo efeitos nocivos para a sociedade e at� para a pol�tica.

“Por toda a minha vida, escutei as pessoas falando sobre o decl�nio da bondade humana”, diz o psic�logo experimental americano Adam Mastroianni, ao explicar por que decidiu colocar isso � prova em uma pesquisa cient�fica para seu p�s-doutorado na Universidade Columbia (EUA).

Os resultados, coletados por Mastroianni em conjunto com o tamb�m psic�logo Daniel Gilbert, da Universidade Harvard, foram publicados em junho na revista Nature.

A dupla de pesquisadores come�ou analisando 177 pesquisas de opini�o feitas entre 1949 e 2019, nos Estados Unidos, com uma amostra de 220 mil respondentes.

Na ampla maioria dessas pesquisas, os americanos responderam que os valores morais estavam se perdendo.

Depois, os pesquisadores decidiram observar se o mesmo comportamento se repetia no mundo. Analisaram 58 pesquisas com 354 mil participantes em 59 pa�ses, incluindo duas no Brasil, realizadas em 2002 e 2006.

Em uma, conduzida pelo instituto Pew, 94% dos participantes brasileiros afirmaram que o decl�nio moral era um problema grande ou muito grande, �ndice acima da m�dia (na casa dos 80%) geral dos demais pa�ses pesquisados.

Mastroianni destaca que a percep��o de que os valores sociais est�o corro�dos em compara��o com o passado � sentida tanto entre jovens quanto idosos, e entre pessoas alinhadas a variados espectros pol�ticos.

Nos EUA, por exemplo, pesquisas apontam que tanto conservadores quanto progressistas concordavam, mesmo que em graus diferentes, que a sociedade estava pior do que era antes.

Ou seja, essa percep��o independe do conceito subjetivo que cada indiv�duo tem sobre a pr�pria moralidade e sobre a quais valores sociais elas d�o import�ncia.

Agora, eis o ponto interessante: a segunda etapa da pesquisa de Mastroianni e Gilbert coloca em xeque essa percep��o de piora.

Nessa fase, os dois psic�logos focaram nos resultados de mais de cem pesquisas globais, conduzidas entre 1965 e 2020, em que os participantes respondiam a perguntas do tipo: "como voc� avalia o estado da moralidade no seu pa�s?".

A maioria respondia que achava a situa��o ruim. Mas esse �ndice se manteve est�vel - sem sinais significativos de piora - mesmo com o passar dos anos.

O mesmo acontecia quando as pessoas respondiam se tinham sido tratadas com respeito no dia anterior, ou se achavam as pessoas sol�citas: nada indicou que houve uma piora com o passar dos anos.

Algo que n�o bate, portanto, com a percep��o de decl�nio dos valores morais.


Compilação de pesquisas que mostram sentimento de declínio moral das pessoas
(foto: BBC)

“Se, assim como alegavam os participantes da etapa 1, a moralidade est� em decl�nio h� d�cadas, seria f�cil identificar mudan�as nas respostas das pessoas a essas perguntas (da etapa 2). (Mas) foi bastante dif�cil encontrar qualquer mudan�a nas respostas das pessoas”, afirma Mastroianni em seu blog.

“Fizemos testes estat�sticos para identificar se havia mudan�as significativas nas respostas das pessoas ao longo do tempo. N�o encontramos nenhuma. �s vezes esses indicadores morais subiam um pouco (como em 2021, no gr�fico abaixo), mas na m�dia eles n�o se moveram.”

Ou seja, faz d�cadas que muita gente acha que a sociedade est� pior do que era antes, mas Mastroianni defende que essa sensa��o n�o � corroborada pelas pr�prias pessoas entrevistadas.

“Voc� imaginaria que, em lugares que fossem menos inst�veis e agora est�o mais est�veis, menos pessoas diriam que existe um decl�nio moral acontecendo, e vice-versa”, diz Mastroianni � BBC News Brasil.

“Mas n�o vemos isso nas pesquisas, o que sugere que a sensa��o das pessoas n�o necessariamente coincide com a experi�ncia recente delas, embora elas achem que sim. Isso sugere que se trata de algo psicol�gico, e n�o da realidade”, ele agrega.

‘Como voc� pode achar que as coisas n�o pioraram?’

Mastroianni ressalta que isso n�o quer dizer que o estado atual do mundo esteja bom. S� que a compara��o com o passado n�o � produtiva.

“� muito comum eu ouvir das pessoas: ‘como voc� pode achar que as coisas n�o est�o piores? Olha quantas coisas ruins acontecem no mundo’. Mas (...) o que estamos investigando �: como as pessoas tratam umas �s outras? Nisso, temos bons indicativos de que as coisas n�o pioraram”, argumenta o pesquisador.

Mas ent�o por que � t�o persistente essa sensa��o de que as pessoas est�o piores?

No artigo na Nature, os pesquisadores ressaltam dois pontos:

“Primeiro, v�rios estudos j� indicaram que seres humanos tendem a buscar e a reter informa��es negativas a respeito de outras pessoas, e os meios de comunica��o em massa satisfazem essa tend�ncia com um foco desproporcional em (not�cias sobre) pessoas se comportando mal”, escrevem.

“Sendo assim, as pessoas podem acabar se deparando com mais informa��es negativas do que positivas sobre a moralidade geral, e esse ‘efeito de exposi��o enviesada’ pode explicar por que as pessoas acreditam que a moralidade atual � relativamente baixa.”

Em segundo lugar, eles dizem que “numerosos estudos j� demonstraram que, quando as pessoas relembram eventos positivos e negativos do passado, os eventos negativos t�m mais probabilidade de serem esquecidos, lembrados de modo diferente ou de terem perdido seu impacto emocional.”

Os pesquisadores tamb�m conduziram experimentos pr�prios, perguntando diretamente a uma amostra de participantes: ‘qu�o gentis/boas as pessoas s�o hoje?’, em compara��o com diferentes momentos no passado. E, curiosamente, os participantes identificavam um decl�nio moral apenas na dura��o de suas pr�prias vidas, n�o antes de terem nascido.

“� como se fosse: ‘foi s� quando eu cheguei � Terra que (a moralidade) come�ou a piorar’”, diz Mastroianni.

Impactos pol�ticos e sociais


Imagem ilustrativa de martelo da justiça
Sensa��o de decl�nio moral pode ter efeitos pr�ticos perigosos, porque fazem as pessoas quererem 'reverter uma tend�ncia imagin�ria', dizem pesquisadores (foto: Getty)

Mas por que importa se o decl�nio moral � ilus�rio ou n�o?

Mastroianni acredita que essa sensa��o pode ter consequ�ncias perigosas, inclusive na pol�tica.

No artigo cient�fico, ele e Gilbert citam uma pesquisa de opini�o realizada em 2015 nos EUA, um ano antes da elei��o presidencial, em que 76% dos entrevistados afirmavam que “lidar com a fal�ncia moral do pa�s” deveria ser uma das maiores prioridades do futuro governo.

“Os EUA enfrentam muitos problemas bem documentados, de mudan�as clim�ticas e terrorismo a injusti�a racial e desigualdade econ�mica - e, no entanto, a maioria dos americanos acredita que o governo deveria dedicar seus escassos recursos a reverter uma tend�ncia imagin�ria”, argumentam os pesquisadores.

Em outras palavras, se a fal�ncia moral for mais psicol�gica do que baseada em fatos, como combat�-la com pol�ticas p�blicas?

“Essa ideia de que as pessoas costumavam ser melhores umas com as outras - e n�o s�o mais - causa uma sensa��o muito ruim, que as pessoas ficam tentando desfazer”, detalha Mastroianni � BBC News Brasil.

“E isso � parte do perigo: voc� n�o consegue desfazer, porque a tend�ncia na realidade n�o existe. (...) O que existem s�o evid�ncias de que as pessoas agem do mesmo modo que a gera��o anterior. Ent�o quando acreditamos que vamos mudar a sociedade e trazer de volta o passado, ou a �poca em que as pessoas se respeitavam, a verdade � que n�o vamos conseguir. � como ligar o extintor de inc�ndio num pr�dio que n�o est� em chamas: voc� s� vai deixar todo mundo molhado.”

� um contexto que, na vis�o de Mastroianni, favorece pol�ticos autorit�rios, que ganham apelo tentando resgatar um passado glorioso que pode n�o ser fact�vel.

“Isso � exatamente o que aspirantes a d�spotas fazem: alardeiam que h� uma cat�strofe como forma de justificar suas medidas extremas”, afirma o pesquisador em seu blog.

Por fim, ele acha que essa percep��o tamb�m leva ao isolamento de pessoas ou de grupos, diante da resist�ncia maior em interagir com outros - aqueles que personifiquem essa suposta decad�ncia moral.

‘Sempre suspeitei disso’ x ‘tenho provas’

Desde que o artigo foi publicado na Nature, Mastroianni diz que tem recebido rea��es variadas de leitores.

“Tem gente que me escreve dizendo, ‘eu sempre suspeitei disso (que o decl�nio moral � uma ilus�o), obrigado por colocar isso na forma de dados. Vou mostrar ao meu cunhado e mostrar como ele estava errado’. Mas tamb�m tem gente que me diz: ‘tenho provas de que a moralidade est� decaindo, vejo muito mais cercas e muros no meu bairro, algo que n�o aconteceria se as pessoas estivessem sendo legais umas com as outras’”, afirma ele.

“Tamb�m observei isso nos dados que eu pr�prio coletei. (...) As pessoas que achavam que a sociedade piorou me diziam: ‘ah, agora existem as redes sociais, � t�o mais f�cil ser maldoso com algu�m que n�o est� na sua frente’. E as poucas pessoas que achavam que a sociedade melhorou diziam: ‘ah, agora existem as redes sociais, � mais f�cil perceber que os seres humanos n�o s�o t�o diferentes assim uns dos outros’. E ambas coisas s�o verdade. (...) Acho que ambas as rea��es refletem que as pessoas t�m suas pr�prias teorias sobre o mundo e elas apenas adequam as evid�ncias a essas teorias”.

*Com gr�ficos de Caroline Souza, da equipe de Jornalismo Visual da BBC


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