"Diga-me quem tem sat�lites de reconhecimento neste pa�s al�m da EPSD [Empresa Provedora de Servi�os de Defesa] Wagner", disse ironicamente seu chefe, Yevgueni Prigozhin, em abril, no Telegram, referindo-se �s capacidades espaciais limitadas do Ex�rcito regular russo.
Ap�s um longo trabalho investigativo, a AFP conseguiu esclarecer os v�nculos entre o grupo Wagner e as empresas chinesas que facilitaram informa��es obtidas por sat�lite aos mercen�rios russos.
Segundo uma fonte de seguran�a europeia, algumas destas imagens ajudaram-no, inclusive, a se preparar para seu motim em junho, a maior amea�a que o presidente russo, Vladimir Putin, enfrentou em duas d�cadas no poder.
E levanta uma d�vida: o que a China sabia sobre os projetos do grupo Wagner contra seu aliado russo?
De acordo com um contrato comercial redigido em ingl�s e russo e assinado em 15 de novembro de 2022, a empresa Beijing Yunze Technology Co. Ltd vendeu, por 235 milh�es de iuanes (em torno de 31 milh�es de d�lares, ou 164 milh�es de reais, na cota��o da �poca) a Nika-Frut, uma empresa da gal�xia Prigozhin, dois sat�lites de observa��o de alt�ssima resolu��o (75 cm) pertencentes ao gigante chin�s do setor espacial Chang Guang Satellite Technology (CGST).
O acordo tamb�m prev� o fornecimento de imagens da constela��o CGST, mediante solicita��o. Segundo a fonte de seguran�a europeia, isso permitiu ao Wagner obter imagens da Ucr�nia e da �frica (L�bia, Sud�o, Rep�blica Centro-Africana e Mali, por exemplo), onde operam seus mercen�rios.
- Um motim em forma��o -
A empresa russa chegou a encomendar cerca de 80 imagens do territ�rio russo no final de maio de 2023, especificamente do trajeto entre a fronteira ucraniana e Moscou que os mercen�rios percorreram no m�s seguinte durante seu breve motim, segundo esta fonte.
Este motim, frustrado em 24 horas, consumou a ruptura definitiva entre Putin e Prigozhin, semanas antes de sua morte.
A AFP n�o p�de verificar de forma independente esta informa��o, que n�o aparece no contrato citado.
Mas este vazamento de informa��o poderia explicar por que os servi�os de Intelig�ncia dos Estados Unidos sabiam que o chefe de Wagner preparava um motim, como revelou a CNN no final de junho. Seus hom�logos franceses tamb�m estavam cientes, segundo o jornal L'Opinion.
No momento, o grupo Wagner se encontra em fase de reorganiza��o, mas boa parte das suas lucrativas atividades no exterior poderiam permanecer sob a �gide de outros grupos paramilitares, ou de uma nova lideran�a controlada por Moscou.
Segundo informa��es coletadas pela AFP, o contrato espacial continua vigente e prev� a aquisi��o de dois sat�lites chineses, JL-1 GF03D 12 e JL-1 GF03D 13, em �rbita a 535 quil�metros de altitude.
Por meio deste contrato, o cliente tamb�m adquiriu direitos sobre os sat�lites restantes da constela��o operada pela chinesa CGST, que conta, hoje, com cerca de 100, e espera atingir 300 unidades at� 2025.
O acordo estabelece que, ap�s receber cada encomenda de seu cliente, "o fornecedor orientar� os sat�lites" com base nas imagens solicitadas, antes que estas sejam enviadas para uma esta��o terrestre para processamento e fornecimento.
"O cliente baixar� os dados da imagem da nuvem" e poder� ret�-los por sete dias.
At� o momento, os grupos Nika-Frut e Beijing Yunze n�o responderam �s perguntas da AFP.
- Capacidades limitadas russas -
Por que o Ex�rcito russo n�o podia fornecer diretamente essas imagens ao grupo Wagner?
"A R�ssia n�o tem esse tipo de capacidade. Seu programa de sat�lites n�o tem funcionado bem recentemente", explica � AFP Gregory Falco, pesquisador da Universidade Cornell, em Nova York.
Wagner demonstrou v�rias vezes, no entanto, ter uma capacidade de Intelig�ncia superior � das For�as Armadas russas, acrescenta o especialista.
O fornecimento de imagens de sat�lite � gal�xia Wagner pela China n�o surpreender� os Estados Unidos. O Departamento do Com�rcio dos EUA decidiu, em 24 de fevereiro de 2023, incluir a Beijing Yunze Technology Co. Ltd e a corretora de imagens de sat�lite Head Aerospace Technology em sua lista de san��es.
"Essas empresas contribu�ram significativamente" para ajudar o Ex�rcito russo na Ucr�nia e "est�o envolvidas em atividades contr�rias � seguran�a nacional dos Estados Unidos e aos [seus] interesses", segundo um documento oficial on-line.
Em 12 de abril de 2023, Washington tamb�m sancionou "80 entidades e indiv�duos que continuam permitindo e facilitando a agress�o russa".
Entre os primeiros est� a Head Aerospace Technology, por distribuir "imagens de sat�lite de locais na Ucr�nia para empresas afiliadas � EPSD Wagner e Yevgueni Prigozhin".
A AFP conseguiu verificar a identidade do signat�rio do contrato do lado russo: Ivan Mechetin. Segundo v�rias fontes, este homem de 40 anos � o diretor-geral da empresa Nika-Frut, subsidi�ria do grupo Concord, liderado por Prigozhin.
"A Nika-Frut est� registrada como uma empresa de com�rcio de alimentos, mas faz muitas outras coisas. � um modelo conhecido na gal�xia Prigozhin", explica Lou Osborn, da ONG de pesquisa digital All Eyes on Wagner (AEOW).
Segundo investiga��es realizadas com fontes de livre acesso, a Nika-Frut enviou v�rias encomendas de produtos alimentares � Rep�blica Centro-Africana em 2019 para a mineradora Lobaye Invest.
Esta empresa � uma subsidi�ria hist�rica da M-Finans, que Prigozhin controlou no passado e que est� ligada �s opera��es do grupo Wagner neste pa�s africano. A Lobaye Invest est� sujeita a san��es europeias desde fevereiro.
De acordo com a AEOW, Mechetin tamb�m fez carreira em uma unidade de apoio militar que forneceu armas e muni��es ao GRU, a Intelig�ncia militar russa, durante a invas�o da pen�nsula ucraniana da Crimeia em 2014.
A Beijing Yunze negocia tecnologias de defesa em nome de Pequim. A empresa Head Aerospace, por sua vez, tem, segundo v�rios especialistas, um acordo de comercializa��o com a fabricante de sat�lites CGST.
A CGST "� o monstro das opera��es espaciais chinesas. Fez muita espionagem industrial", comenta Gregory Falco, evocando as capacidades de resolu��o "espetaculares" dos seus sat�lites.
Sua centena de sat�lites tamb�m permite que eles passem v�rias vezes ao dia pelo mesmo ponto, o que oferece um n�vel de informa��o muito atualizado.
- O que Pequim sabia? -
Uma das principais d�vidas � se as autoridades de Pequim sabiam que Wagner encomendou as imagens de sat�lite do territ�rio russo desde o final de maio, semanas antes de seu motim contra Putin.
Segundo a fonte de seguran�a europeia, essas imagens interessavam ao quartel-general das opera��es russas na Ucr�nia, em Rostov-on-Don, que Wagner assumiu sem combates. Interessavam tamb�m a outras cidades a caminho de Moscou e a outros locais de interesse militar, como Grozny, reduto do l�der checheno pr�-Putin, Ramzan Kadyrov.
A d�vida que fica �: os altos escal�es do poder chin�s sabiam que Wagner solicitava essas informa��es sens�veis, quando se sabia que Prigozhin mantinha m�s rela��es com o chefe do Estado-Maior Russo, Valery Gerasimov, e com o ministro da Defesa, Sergei Shoigu?
O Minist�rio das Rela��es Exteriores da China disse � AFP que "n�o tinha conhecimento".
"A China sempre se mostrou respons�vel com suas exporta��es e tomou medidas prudentes, aplica rigorosamente leis e regulamentos nacionais e respeita suas obriga��es internacionais", acrescentou.
Para um especialista europeu do setor espacial, que pediu anonimato devido � sensibilidade do assunto, � "evidente" que as mais altas autoridades chinesas s�o informadas sobre as encomendas sens�veis feitas � CGST.
"N�o h� d�vida de que isso chega diretamente" ao poder central chin�s, estima.
Em tese, a lei chinesa confirma que um contrato como esse n�o pode ser cumprido em segredo. De acordo com o artigo 7 da lei sobre Intelig�ncia nacional, promulgada em 2017, "todas as organiza��es e cidad�os devem apoiar, ajudar e cooperar com os esfor�os dos servi�os nacionais de Intelig�ncia".
Mas outros especialistas s�o mais cautelosos.
"O n�vel de centraliza��o da China � superestimado. Qualquer opera��o pode ser alvo de competi��o entre l�deres, administra��es, unidades da mesma administra��o. Isso causa opacidade, reten��o e at� sabotagem", disse Paul Charon, especialista sobre China do Instituto de Pesquisa Estrat�gica da Escola Militar (IRSEM), em Paris.
Outra hip�tese seria que os chineses, como muitos outros, "n�o entenderam o que estava acontecendo nas semanas anteriores ao motim".
"As imagens solicitadas sobre a R�ssia tamb�m poderiam estar relacionadas com a Ucr�nia, com a identifica��o de falhas no dispositivo russo. � poss�vel que os objetivos por tr�s do pedido n�o tenham sido questionados", acrescentou.
PARIS