
Aten��o: esta reportagem cont�m detalhes que podem ser considerados perturbadores por alguns leitores.
"Deus nos livre."
Pouco depois do nascer do sol, na manh� de s�bado, 7 de outubro, surge uma mensagem nos 200 telefones celulares do grupo de WhatsApp das m�es do kibbutz Be'eri.
Minutos depois, chega outra mensagem: "Temos um terrorista na escada. Chamem algu�m."
Combatentes do Hamas haviam dado in�cio ao que seria um dia inteiro de ang�stia naquele kibbutz (comunidade coletiva) no sul de Israel. As mulheres do grupo passariam as 20 horas seguintes compartilhando seu horror, descren�a e mensagens tranquilizadoras pelo aplicativo, enquanto os militantes percorriam a vizinhan�a, matando os moradores a tiros e incendiando as casas.
Escondidas em quartos secretos, essas mulheres – algumas delas, com suas fam�lias – descreveram os gritos e explos�es que vinham do lado de fora. Elas contavam umas �s outras onde estavam os militantes, divulgavam instru��es sobre como lidar com a fuma�a que invadia seus quartos e pediam ajuda repetidamente.
E, em alguns casos, essa ajuda nunca chegou.
� medida que as horas se passavam, elas faziam perguntas. Onde est� o ex�rcito? Por que a ajuda est� demorando tanto? Algu�m pode, por favor, procurar a minha m�e? Como tranco meu quarto seguro? Devemos abrir a porta para um homem que afirma ser um soldado?Em dado momento, algu�m mudou o nome do grupo para "M�es de Be'eri – Emerg�ncia".
As conversas do grupo foram compartilhadas com a BBC por uma mulher indicada pela comunidade para falar � imprensa ap�s os ataques. Ela � uma das m�es do grupo e compartilhou os detalhes para nos mostrar como foi o desenrolar daquele dia de terror – e como aquele grupo foi a t�bua de salva��o daquelas mulheres nas horas mais desesperadoras das suas vidas (que, em muitos casos, foram tamb�m as �ltimas).
N�s n�o conseguimos buscar a permiss�o de todas as 200 mulheres que faziam parte daquele grupo. Mas tr�s delas concordaram em nos contar suas hist�rias em detalhes. E mantivemos todas as outras trocas de mensagens em forma an�nima, com o cuidado de garantir que nenhuma delas possa ser identificada, protegendo sua privacidade.
Algumas das participantes do grupo n�o foram encontradas e provavelmente est�o mortas ou desaparecidas. As sobreviventes estimam que cerca de 100 pessoas foram mortas e muitas foram capturadas como ref�ns.
Minuto a minuto, o chat revela em detalhes in�ditos como o Hamas perseguiu, assassinou e queimou pessoas nas suas pr�prias casas, indo e voltando, repetidamente. � uma percep��o do sentimento que varreu o sul de Israel enquanto os combatentes do Hamas cruzavam a fronteira e devastavam dezenas de comunidades.
Ele mostra como os moradores sobreviveram e se ajudaram. E tamb�m documenta, minuto a minuto, o desespero cada vez maior das pessoas, � medida ficava claro que elas n�o seriam resgatadas rapidamente pelo Estado israelense.
Como tudo come�ou
Dafna Gerster tem 39 anos. Ela havia vindo da Alemanha e passou a noite de sexta-feira no kibbutz onde ela cresceu.
Eles se reuniram na casa do seu pai e jogaram o jogo de tabuleiro Camel Up at� altas horas da noite, quando ela e seu marido dormiram no apartamento do irm�o dela, perto dali.
Eles sabiam que o dia seguinte era um s�bado, o dia de descanso dos judeus, quando as fam�lias poderiam se reunir novamente.
A comunidade fica ao lado da fronteira com a Faixa de Gaza. Por isso, eles est�o acostumados com m�sseis.
Mas, quando Gerster acordou com o barulho dos foguetes �s 6h30, ela imediatamente soube que algo estava diferente.

"Normalmente, voc� ouve um alarme e um disparo do [sistema de defesa antim�sseis de Israel] Domo de Ferro. Desta vez, n�o houve alarme e foi muito alto. � um som que n�o conseguimos identificar", relembra ela.
"Fui at� o quarto do meu irm�o e perguntei: 'o que � isso?'"
Como as outras pessoas do kibbutz, eles correram at� o quarto seguro – um quarto feito de concreto refor�ado com portas de a�o herm�ticas e janelas projetadas para suportar ataques de m�sseis.
Mas logo ficou evidente que os m�sseis n�o eram a �nica amea�a. Surgiu no grupo de WhatsApp a not�cia de que algu�m havia sido alvejado e que havia homens armados nas ruas.
Imagens do circuito fechado de TV, verificadas pela BBC, mostram um pequeno grupo de militantes do Hamas chegando ao port�o do kibbutz antes das seis horas da manh�.
Um carro chega, o port�o se abre e os militantes correm para dentro depois de matarem os ocupantes do ve�culo. Um v�deo de alguns minutos depois mostra os mesmos dois militantes do Hamas atravessando uma pra�a, carregando suas armas.
Ao mesmo tempo em que as primeiras mensagens come�aram a ser compartilhadas no grupo de WhatsApp, as imagens gravadas pela c�mera mostram tr�s motocicletas, cada uma com dois militantes do Hamas fortemente armados, deixando a �rea pelo mesmo port�o.
Outro v�deo mostra os militantes no kibbutz �s 9h05, tr�s horas depois que eles entraram pela primeira vez. Nele, aparece o mesmo carro alvejado na primeira imagem, com pelo menos um corpo que foi arrastado e estirado na rua.
Por todo o kibbutz, a comunidade se escondeu nos seus quartos seguros. E a sensa��o de pavor no grupo aumentou quando muitas pessoas come�aram a ter dificuldade para trancar as portas dos quartos.
"Como se faz uma trava de emerg�ncia? Como sabemos se ela realmente est� trancada?", algu�m perguntou.
"Voc� consegue trancar o quarto seguro?", perguntou outra pessoa.
"Contra m�sseis, sim, mas contra terroristas, n�o."
Imagens com instru��es para trancar as portas foram compartilhadas no grupo de WhatsApp. Mas as pessoas que n�o conseguiam tranc�-las temiam que o Hamas pudesse simplesmente entrar nos quartos.
Os sons do lado de fora
Na casa de Michal Pinyan, de 44 anos, seu marido havia sa�do do quarto seguro para trancar a frente da casa. Foi quando a fam�lia ouviu gritos em �rabe no lado de fora, seguidos por tiros.
Depois de correr de volta para o quarto seguro, o marido de Pinyan construiu um dispositivo de trava com cordas e um taco de basebol, que ele ficou segurando pelas quase 19 horas que eles passaram no quarto.
No sil�ncio assustador dos quartos seguros, as pessoas n�o se arriscavam a gritar, mas digitavam freneticamente. Pinyan acompanhava o fluxo das mensagens.
Elas n�o conseguiam ouvir o que acontecia no lado de fora, exceto pelos sons abafados atrav�s das espessas paredes. Mas, do pouco que conseguiam entender, elas tentavam em conjunto compreender o que estava acontecendo.
As pessoas compartilhavam mensagens de "batidas fren�ticas" na porta enquanto os combatentes iam de casa em casa.
"N�o s�o batidas, s�o tiros", algu�m disse.
Durante a primeira hora do ataque, as pessoas contavam ao grupo que conseguiam ouvir os tiros na vizinhan�a ou fora de uma casa espec�fica. As respostas eram inevit�veis: "tamb�m ouvimos".
"Entendemos que n�o era um �nico terrorista, era um ataque em massa", conta Pinyan. "De cada canto do kibbutz, n�s ouv�amos 'eles est�o aqui, eles est�o aqui'. Eles estavam em todos os lados ao mesmo tempo."

� medida que ficava clara a escala do ataque, postagens temerosas e frustradas invadiram o grupo, perguntando quando chegaria o ex�rcito – e por que ainda n�o estava por l�.
"Voc� consegue ouvir os tiros por perto. Espero que seja o primeiro esquadr�o de resgate atirando", escreveu uma mulher. Ela se referia a uma pequena unidade do kibbutz que reage a alertas de intrusos antes de entregar os trabalhos para os militares.
O irm�o de Gerster, Eitan Hadad, fazia parte daquela unidade e correu para ajudar, deixando o casal no quarto seguro. Mas aquela seria a �ltima vez em que ele seria visto.
"Ele saiu e n�s ficamos no quarto seguro", ela conta. "Foi simplesmente um horror."
"Voc� n�o sabia o que estava acontecendo, voc� s� ouvia os tiros a todo momento, bombas e lutas. E n�o parava por um minuto."
A unidade de resgate de cerca de 10 pessoas claramente n�o foi p�reo para os militantes do Hamas.
No WhatsApp, as pessoas relatavam cada vez mais tiros e homens falando �rabe no lado de fora. Os apelos desesperados por ajuda ficaram mais frequentes.
"Estou em casa sozinha e muito assustada", escreveu uma moradora.
Em outro ponto do kibbutz, Shir Gutentag estava tentando confortar calmamente suas filhas de oito e cinco anos de idade, enquanto acompanhava as mensagens no WhatsApp sem acreditar no que lia.
"Primeiro, quando percebi que havia terroristas no kibbutz, fiquei abalada", ela conta. "Fiquei em choque. Mas logo disse para mim mesma, 'voc� precisa ficar calma', porque elas est�o olhando para mim, minhas filhas, vendo minhas rea��es e come�ando a ficar em p�nico."
"Ent�o, disse a elas que estava tudo bem. Tudo iria ficar bem", relembra ela.
J� haviam se passado horas desde o in�cio do ataque e a crise s� piorava. O Hamas invadia as casas das pessoas e amea�ava os quartos seguros. Enquanto isso, os membros do grupo de WhatsApp imploravam por ajuda.
'Seu pai n�o est� bem'
Pinyan lia os pedidos de ajuda e enviava mensagens para sua fam�lia, em um grupo separado no WhatsApp. Ela compartilhou com a BBC o conte�do daquele grupo, que mostra uma percep��o assustadora do desespero da fam�lia enquanto detalhava o ataque do Hamas em tempo real.
Por volta das 9h30, a m�e de Pinyan escreveu no grupo da fam�lia que estava ouvindo vozes em �rabe fora de casa. Quinze minutos depois, outra mensagem confirmou que o pai de Pinyan havia sido ferido.

Pinyan havia tentado ficar em sil�ncio no seu quarto seguro at� ent�o. Mas ela simplesmente n�o conseguiu permanecer quieta e ligou para sua m�e, que atendeu o telefone sussurrando.
"Eles est�o aqui, eles atiraram no seu pai, ele n�o est� bem", ela disse. "E, em seguida, ela desligou", segundo Pinyan.
Sua m�e continuou escrevendo no grupo da fam�lia: "socorro, socorro".
Os combatentes do Hamas usaram uma arma para arrombar a porta do quarto seguro e atiraram no pai de Michal Pinyan quando ele tentou revidar. Em seguida, eles atiraram granadas.
Sua m�e escreveu um apelo final por socorro �s 10h15. A partir dali, ela n�o respondeu mais �s mensagens dos filhos. Ela tamb�m havia sido morta.

Enquanto seus pais estavam sendo atacados, Pinyan enviava mensagens desesperadamente no grupo das m�es, pedindo que algu�m os ajudasse. Ela continuaria postando mensagens por todo o dia, na esperan�a de que, de alguma forma, eles houvessem sobrevivido.
E ela n�o foi a �nica. Outras pessoas continuavam implorando para que algu�m, qualquer pessoa, procurasse pelos seus pais, amigos, primos.
Mas ningu�m conseguia. Todos estavam na mesma situa��o, em barricadas nos seus pr�prios quartos seguros.
Casas incendiadas
As armas do Hamas eram pistolas e granadas, mas eles tamb�m incendiaram casas.
"Toda a casa � s� fuma�a", escreveu uma moradora. "O que devo fazer? Digam-me o que fazer."
"Temos fogo dentro do quarto seguro", "a janela do quarto seguro est� toda preta", diziam outras mensagens.
Na rua mais pr�xima � Faixa de Gaza, a casa do pai de Dafna Gerster, Meir Hadad, estava sendo queimada. Hadad � portador de necessidades especiais.
No seu grupo da fam�lia, a cuidadora de Hadad, Bhing Sol, filipina de 52 anos, implorava aos seus filhos que buscassem socorro.
"Eles est�o aqui", escreveu ela, referindo-se ao Hamas, em uma mensagem �s 9h44.
"Est� cheio de terroristas", escreveu Sol mais tarde. Ela disse que eles pilharam a casa antes de atear fogo.
"O quarto seguro estava cheio de fuma�a", ela conta. "Continuei pedindo a todos que nos ajudassem porque n�s poder�amos ser queimados vivos. Mas ningu�m podia nos ajudar porque todos estavam apavorados."
No grupo das m�es, outras pessoas tamb�m pediram ajuda para Meir.
Como pouca coisa poderia ser feita para atender a todos os apelos, elas ofereciam sugest�es pr�ticas umas �s outras – pequenas dicas de sobreviv�ncia dom�stica que as ajudassem e, talvez, at� salvassem suas vidas, nos momentos em que elas estivessem mais indefesas.
Este era o esp�rito do grupo de WhatsApp, n�o s� naquele dia, mas ao longo dos seus anos de exist�ncia. Era um lugar onde as mulheres podiam desabafar, oferecer conselhos e apoiar-se mutuamente.
"Toda a casa est� cheia de fuma�a, o que devo fazer?", perguntou algu�m. "Tente colocar um pano �mido sobre o rosto. Ou urina", respondeu outra moradora.
Em outra troca de mensagens, uma moradora escreveu: "n�o consigo respirar dentro de casa, acho que h� um inc�ndio, socorro, urgente".
"Fique no quarto seguro e n�o saia, coloque um peda�o de pano sobre o nariz", respondeu uma vizinha.
Enquanto a esposa e os filhos de Golan Abidbol (de 44 anos) se abrigavam no quarto seguro da fam�lia, ele se p�s na cozinha com uma arma, enquanto via os militantes do Hamas atirarem um coquetel molotov em outro pr�dio.
Enquanto ele assistia, ele viu uma fam�lia saltar da janela do segundo andar e correr para o quarto seguro do vizinho.

"Foi uma inje��o de adrenalina", ele conta. "Se algu�m entrasse na minha casa, eu teria a luta da minha vida."
"Mandei fotos para o vizinho de baixo porque a casa dele come�ou a pegar fogo", prossegue ele. "Eu disse: 'agora. N�o vejo ningu�m. � uma boa hora.' Ele ent�o saiu para o abrigo de outro vizinho."
Abidbol conta que esta � a "ess�ncia do kibbutz".
"Somos uma grande fam�lia", afirma ele. "Se precisarmos abrir a porta quando h� terroristas no lado de fora e deixar os vizinhos entrarem para que eles sobrevivam, n�s abrimos. Ningu�m sequer hesitou."
Perto do meio-dia, dois ou tr�s homens tentaram entrar na casa de Abidbol. Ele puxou o gatilho.
"Eles incendiaram a casa e sa�ram", ele conta. "N�o sei por que eles decidiram fazer aquilo, mas eles sa�ram e n�o me enfrentaram mais."
Ao mesmo tempo, mensagens devastadoras continuaram a mostrar no grupo que o Hamas estava invadindo as casas e tentando entrar nos quartos seguros.
"Disparos na porta do nosso quarto seguro", dizia uma mensagem. "Socorrooo. Qualquer um."
Enquanto isso, na casa incendiada de Bhing Sol e Meir Haddad, militantes haviam come�ado a atirar no quarto seguro, que se encheu de fuma�a.

"Assumi o risco e abri a janela do quarto seguro, pensando que o ar iria entrar, mesmo por um espa�o pequeno", conta Sol.
"Eles continuaram lan�ando bombas, granadas ou algo assim, dentro de casa. Eu sabia que ela estava queimando porque a porta estava quente como fogo", segundo ela. "Mas continuei segurando a porta com um cobertor porque eu n�o sabia se eles conseguiriam abrir a porta."
Sol relata que, mais tarde, ocorreu um milagre: uma rachadura se formou no teto do quarto e a �gua come�ou a pingar sobre a cabe�a de Hadad. Ela apertou as bochechas de alegria quando as primeiras gotas ca�ram e ela esfregou as m�os sobre o rosto.
Enquanto esperavam, Sol e Hadad conseguiam ouvir ref�ns sendo levados em dire��o � Faixa de Gaza.
"Ouvi muitas pessoas que foram levadas para fora. Depois, ouvi gritos e o Hamas rindo e comemorando que havia capturado algu�m", conta Sol.
A primeira refer�ncia no grupo das m�es a algu�m sequestrado surgiu �s 12h09.
A BBC verificou as filmagens daquele dia, que mostram militantes do Hamas conduzindo cinco ref�ns, incluindo uma idosa, pela rua no kibbutz Be'eri. N�o sabemos o hor�rio daquelas imagens.
Israel afirma que, ao todo, cerca de 150 pessoas foram raptadas e levadas para a Faixa de Gaza. N�o se sabe quantas delas vieram do kibbutz Be'eri.
� espera de socorro
Enquanto algumas pessoas eram levadas embora pelo Hamas, outras se perguntavam quando chegaria o ex�rcito.
Shir Gutentag lia as mensagens enquanto tentava confortar suas filhas, colocando continuamente uma das m�os sobre cada uma delas.
"Ouvi mensagens de voz terr�veis", ela conta. "Houve uma mulher que disse que sua beb� estava morta. Ela gritava, pedindo ajuda."
"Outra viu sua m�e ser morta e estava esperando h� horas no quarto seguro, sussurrando para pedir ajuda, dizendo 'salve-me, n�o quero morrer'."
Outras mensagens no grupo de WhatsApp contam ferimentos horr�veis, incluindo um familiar sangrando, com uma ferida enorme.
Existem muitas mensagens naquele chat. Algumas descrevem ferimentos, mas n�o conseguimos determinar o destino de todas as participantes do grupo.
Enquanto esperavam pela chegada dos soldados israelenses, sentadas nos quartos seguros, as moradoras do kibbutz continuavam a apoiar umas �s outras.
Gutentag fez liga��es silenciosas para as vizinhas que postavam mensagens expondo sua ang�stia, dizendo "respire comigo".
"Postei muitas mensagens de incentivo: tenho certeza de que o ex�rcito est� a�, tenho certeza de que eles est�o chegando, tenha paci�ncia, respire", ela conta. Outras pessoas do grupo fizeram o mesmo.
Em uma troca de mensagens, algu�m perguntou: "algu�m pode dizer alguma coisa para nos acalmar?" Foi quest�o de segundos at� que uma vizinha respondesse "eu posso" e descrevesse como o ex�rcito iria lidar com a quest�o.
Perto das 15 horas, Gutentag recebeu uma liga��o de vizinhos pedindo para ir para a sua casa porque a deles estava cheia de fuma�a.
Ela correu para a porta da frente e come�ou a desfazer uma pilha de m�veis que ela havia colocado contra a porta, para impedir que algu�m entrasse. Ela ent�o deixou a fam�lia de quatro pessoas passar, levando-os para o quarto seguro antes de montar novamente a barricada.
Poucos minutos depois, outra mulher entrou em contato pedindo para entrar e Gutentag conduziu novamente o mesmo processo.
Enquanto sua fam�lia aguardava o resgate que elas n�o tinham certeza se iria acontecer, Michal Pinyan conta que colocava as m�os sobre seus tr�s filhos e "dava beijinhos, mas em sil�ncio".
Uma mensagem no grupo do WhatsApp ofereceu conselhos sobre como manter as crian�as calmas. A mensagem dizia que o medo � normal e aconselhava a acalmar as crian�as com um abra�o.
A chegada das for�as de seguran�a
� tarde, as atualiza��es compartilhadas no grupo indicavam que os soldados das For�as de Defesa de Israel (IDF, na sigla em ingl�s) haviam chegado e come�avam a avan�ar.
"Os soldados, agora, est�o lutando... mais dois batalh�es est�o a caminho", dizia uma mensagem, enviada pouco depois das 15h30.
As pessoas continuavam a postar seus endere�os, na esperan�a de que algu�m viesse salv�-las. Elas acrescentavam informa��es r�pidas, como "terroristas escondidos".

Mas a confus�o continuava a dominar a todos e ningu�m parecia saber quantos soldados haviam chegado, nem se eles vinham em um grupo organizado em condi��es de controlar a situa��o.
As pessoas relataram ouvir gritos de "IDF, IDF!" no lado de fora, mas n�o sabiam se podiam confiar no barulho. Talvez fosse o Hamas disfar�ado para tentar fazer os moradores abrirem suas portas.
Abidbol continuava de p� com sua arma na cozinha. Ele conta que conseguia ver os militantes com granadas, gritando "IDF, IDF".
"Enviei mensagens para os vizinhos dizendo que eu n�o achava que fosse a IDF", ele conta. "Eles tinham sotaque e n�o estavam adequadamente vestidos – estavam de uniforme, mas n�o estavam vestidos direito."
Esta mensagem tamb�m foi compartilhada no grupo. "Eles tamb�m se disfar�aram de soldados, n�o atendam ningu�m do lado de fora", dizia uma das mensagens.
A evacua��o
� medida que a noite se aproximava, as mensagens come�aram a trazer mais esperan�a.
Os sons ouvidos pelas pessoas nos seus quartos seguros eram diferentes. Muitos come�aram a ouvir mais vozes falando em hebraico.
Eles haviam esperado por socorro quase um dia inteiro.
Em uma das primeiras mensagens no grupo, uma das participantes disse �s pessoas que n�o se preocupassem e que elas n�o precisavam do ex�rcito. Tudo estaria resolvido em breve.
Mas, poucos minutos depois, as pessoas estavam implorando pela chegada dos soldados.
Agora que a ajuda finalmente havia chegado, os moradores tentavam coordenar com os soldados os locais para onde as tropas das IDF deveriam ser enviadas para lutar.

"Quem precisa de ajuda e onde? Mandem as localiza��es das casas", escreveu algu�m.
Pouco antes das 18 horas, circulou uma mensagem dizendo que as principais for�as do ex�rcito estavam cuidando do incidente.
"At� agora, voc�s foram incr�veis e corajosos. Permane�am nos quartos seguros e o incidente ir� terminar. Todos est�o cientes da situa��o e as informa��es est�o chegando a todo momento", dizia a mensagem.
Foi perto desse hor�rio que Bhing Sol e Meir Hadad foram resgatados do seu quarto seguro.
A casa � sua volta, onde a fam�lia estava reunida em torno do jogo de tabuleiro na noite anterior, agora eram cinzas. Mas, de alguma foram, eles sobreviveram, presos em um quarto min�sculo, enquanto todos os seus pertences queimavam.
Sol olhou para tr�s enquanto eles sa�am escoltados pelos soldados. Pelo celular, ela tirou uma foto do que sobrou da sua casa.

De volta ao grupo, uma mensagem enviada �s 18h08 dizia: "est�o come�ando um processo de evacua��o". Esta postagem foi seguida pelas primeiras mensagens de pessoas contando que haviam sido salvas.
Mas o processo foi lento. Muitas continuaram a pedir ajuda noite adentro.
"Muitas balas tamb�m por aqui. N�o para. Por favor, eles est�o aqui", disse uma mensagem enviada pouco depois das 19 horas.
Os militares chegaram ao apartamento do irm�o de Gerster �s 20 horas, dizendo a ela e ao seu marido que eles seriam resgatados em uma hora.
Participantes do grupo das m�es come�aram a compartilhar as senhas que os soldados iriam fornecer para que os moradores pudessem confirmar que eram realmente eles. As pessoas continuavam preocupadas se, na verdade, n�o seria o Hamas tentando entrar nas suas casas.
Enquanto isso, o som dos disparos prosseguia. Eles foram informados que n�o havia acabado, mas, como eles haviam passado o dia inteiro sem ver nada, mas ouvindo tudo, a sensa��o era que eles n�o conseguiam diferenciar nada, nem confiar em ningu�m.
"Eles n�o est�o dizendo a senha, ajudem", escreveu uma moradora.

Quando os militares chegaram � casa de Michal Pinyan, ela inicialmente se recusou a abrir a porta. Uma das pessoas da unidade de emerg�ncia do kibbutz ligou para o marido de Pinyan, para ter certeza de que realmente eram as IDF.
"Eles disseram que eles iriam voltando e gritar", conta ela. "E ele disse a eles que gritassem o nosso nome e eles abririam."
Os soldados formaram um c�rculo em volta da fam�lia e do cachorro de estima��o. E os escoltaram para fora do kibbutz.
"Eles nos disseram 'vamos sair em sil�ncio e, em algum momento, voc�s ir�o precisar cobrir os olhos dos seus filhos, pois existem muitos corpos no lado de fora'."
"Ent�o, n�s andamos, com o cachorro e ele, realmente, estava muito calmo. Levamos, eu acho, 15 minutos para sair do kibbutz at� onde eles reuniram todas as pessoas. Os soldados visitaram todas as fam�lias desta forma, ent�o levou muito tempo."
Pinyan cobriu os olhos das crian�as, mas manteve os seus abertos.
"Eu queria olhar", relembra ela. "Vi corpos. Meu marido disse que viu corpos de pessoas do kibbutz, mas eu vi corpos de terroristas."
Outras pessoas n�o conseguiam olhar para os restos da sua comunidade. "Eu olhava para baixo", conta Gutentag. "Acho que isso salvou a minha alma."
Enquanto eles esperavam para serem levados embora, um atirador abriu fogo perto deles. Aquilo ainda n�o havia acabado.
Os moradores foram levados em caminh�es do ex�rcito para uma cidade pr�xima, antes de serem transportados para um hotel no Mar Morto.
Dafna Gerster viu os militares pela primeira vez �s 20 horas, mas s� foi resgatada depois de uma hora da manh�. Ela havia passado as �ltimas 19 horas em um estado de tens�o e horror t�o grande que n�o havia se preocupado muito com seu irm�o.
Ela descobriu que ele morreu lutando. E n�o foi o �nico.
Uma mulher postou �s 10 horas que militantes do Hamas estavam dentro da sua casa e fez repetidos pedidos de ajuda por toda a manh�. Ela ficou em sil�ncio por boa parte da tarde, at� enviar uma enxurrada de postagens perto das 17 horas.
A primeira mensagem foi de voz, um sussurro devastador: "preciso de ajuda".
Outras pessoas responderam que ela permanecesse ali.
�s 18 horas, ela postou de novo: "precisamos ser evacuados".
Estas foram as �ltimas mensagens daquela mulher observadas pela BBC no grupo de WhatsApp. Seus amigos afirmam que ela deve estar morta ou ter sido capturada.
Os moradores do kibbutz agora relembram a vida que tinham antes daquela primeira mensagem que dizia "Deus nos livre" – um tempo em que aquela comunidade, para eles, era um para�so.
Eles descrevem um belo cen�rio, uma comunidade de m�es e amigos que confiavam uns nos outros e cuidavam dos seus vizinhos.
Os sobreviventes afirmam que est�o reunindo for�as com a sua comunidade desfeita, mas n�o conseguem esquecer aqueles que perderam.
"Eles s�o nossos amigos, s�o nossa fam�lia, s�o tudo para n�s", lamenta Golan Abidbol. "N�s os conhecemos. Eles fizeram parte das nossas vidas desde que nascemos e os queremos de volta."
Os moradores passaram d�cadas construindo uma comunidade no kibbutz Be'eri. Para eles, parecia algo indestrut�vel. Agora, muitos n�o sabem para onde ir e o que fazer.
"N�o sei nem mesmo se teremos uma casa para onde ir depois disso", lamenta Gerster. "Viv�amos na ilus�o de que est�vamos seguros."
* Com tradu��o das mensagens originais de Shaina Oppenheimer, Jonathan Beck, Liora Schurr e Jonathan Shamir, entre outros.
Design e visualiza��o de Tural Ahmedzade e Joy Roxas.
Verifica��o pela equipe BBC Verify.
Edi��o: Samuel Horti.