
"Todo dia eu vejo mortes de pessoas que conhe�o", diz o tucano em entrevista � BBC News Brasil. "Isso s� n�o mexe com uma pessoa com o cora��o muito ruim: impot�ncia, falta de recursos, e morrendo gente, morrendo gente."
Ele prossegue, citando o epis�dio em que o filho de um homem que morreu pelo coronav�rus na capital amazonense atacou um dos profissionais respons�veis pelo enterro.
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"O coveiro! O coveiro. Se tivesse que espancar, espancasse o governador, espancasse a mim. Mas o coveiro..."
Segundo ele, o n�mero de mortes na cidade passou da m�dia hist�rica de 20 a 30 enterros por dia para um pico de 140. "Agora estamos estabilizados em uma m�dia de 120, o que � muito."
O prefeito, no entanto, resiste � recomenda��o do Minist�rio P�blico do Estado de implementa��o de um lockdown (confinamento obrigat�rio), citando risco de caos social em Manaus.
"(Algu�m) joga uma pedra em algu�m, come�a um tiroteio com bala de borracha que pode cegar algu�m, come�a a rea��o das pessoas, que vivem uma situa��o de desespero. Algo que termina dando em tiro, dando em morte", avalia.
Na �ltima d�cada, as regi�es Norte e Nordeste se revezaram no topo entre as �reas mais violentas do Brasil. Segundo o Atlas da Viol�ncia do ano passado, feito com dados de 2017,
Manaus era a nona capital entre as l�deres em taxas de homic�dios no pa�s - no topo estava Fortaleza (CE), seguida de Rio Branco, Bel�m, Natal (RN), Salvador (BA), Macei� (AL), Recife (PE) e Aracaju (SE).
Por outro lado, cientistas em todo o mundo apontam o lockdown como medida eficaz e necess�ria para a conten��o da doen�a. Nesta semana, em meio ao processo de reabertura parcial em pa�ses como Alemanha e Espanha, a epidemiologista da Organiza��o Mundial da Sa�de Maria Van Kerkhove alertou para os riscos associados ao relaxamento. "Se as medidas de lockdown forem levantadas abruptamente, o v�rus pode decolar."
A entrevista acontece dias depois de Arthur Virg�lio enviar v�deos pedindo ajuda a personalidades internacionais - do presidente franc�s Emmanuel Macron ("se ele tem toda essa preocupa��o com a Amaz�nia, deveria ajudar") � ativista Greta Thunberg ("Pirralhos mentais a chamam de pirralha").
Segundo ele, que diz n�o se "preocupar nem um pouco" com a rea��o do presidente Jair Bolsonaro aos apelos, chegou a hora de perceber se as falas de l�deres internacionais sobre a regi�o amaz�nica "s�o da boca para fora ou s�rias".
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil - Uma das v�rias imagens que rodaram o mundo nesta crise � especificamente de Manaus: aquelas valas comuns abertas em cemit�rios da cidade, aqueles tratores abrindo longas fileiras que posteriormente receberiam v�timas do coronav�rus especialmente. Qual � a situa��o do sistema funer�rio da cidade neste momento?
Arthur Virg�lio Neto - Bem, agora est� controlada. N�s estamos preparando um projeto de memorial em nome de todas as pessoas ali enterradas. Estamos trabalhando a separa��o, para cada uma ser identificada.
Mas os hospitais t�m cenas que tamb�m correram o mundo e � obvio que as pessoas morreram e n�o tinha como enterr�-las. Porque n�s subimos de 20 a 30 enterros por dia para um pico de 140 e n�o sei quantos, e agora estamos estabilizados em uma m�dia de 120, o que � muito.
A gente sabe que guerra � guerra. N�s temos uma guerra. Eu encaro o corona como uma guerra. N�s tivemos que enterrar as pessoas. N�s n�o poder�amos simplesmente olhar um para o outro, indecisos, como aconteceu em alguns hospitais, doentes juntos com mortos. N�s n�o pod�amos fazer isso.
N�s t�nhamos que enterrar. E a ordem que dei para o secret�rio de Limpeza P�blica era que procurasse dar um m�ximo de dignidade, mas que enterrasse com presteza, para evitarmos que aquilo virasse algo muito pior.

BBC News Brasil - O senhor falou da m�dia normal de enterros na cidade, que variava entre 20 e 30. Na ter�a-feira, 111 pessoas foram sepultadas, portanto pelo menos 80 a mais que a m�dia hist�rica. Destas 111 sepultadas, s� 13 tiveram o diagn�stico de covid-19. Dezenas foram enterradas com insufici�ncia respirat�ria ou "causa desconhecida". Isso exp�e uma poss�vel subnotifica��o brutal na cidade.
Virg�lio Neto - Quando eu vejo insufici�ncia respirat�ria grave, eu leio covid. Quando vejo causas n�o identificadas, eu n�o rio porque n�o � hora de rir, mas…
Eu estou no hospital, a� eu morri e ningu�m sabe por que eu morri? � complicado. Eu leio covid. Quando eu leio pneumonia nos boletins dos hospitais, eu leio covid. � obvio que h� subnotifica��o aqui e no Brasil.
BBC News Brasil - O senhor gravou alguns v�deos com apelos para l�deres mundiais. O que o levou a pedir ajuda externa, uma vez que a gente espera que a ajuda venha de dentro do pr�prio pa�s. Por que apelar para fora?
Virg�lio Neto - Primeiro, porque n�o estava chegando nenhuma ajuda aqui. Come�ou agora, depois da conversa com o ministro da Sa�de, uma pessoa muito agrad�vel, mas veio uma coisa m�nima, �nfima.
� uma regi�o de interesse planet�rio. Tem obviamente soberania nacional, mas � uma regi�o de interesse planet�rio. � hora desse interesse planet�rio se manifestar de maneira concreta, n�o s� fazendo cobran�a.
N�o sou do tipo que vive de passado, n�o uso esses argumentos, que s�o muito parecidos com os do presidente, que acha que devastar n�o faz mal. Eu sou contra garimpo no Amazonas, contra agroneg�cio no Amazonas. Fa�a em outro lugar.
Sou a favor de aproveitar o nosso banco gen�tico, mant�-lo intacto, para trazer prosperidade para o nosso povo. Precisamos, neste campo, tamb�m de coopera��o nacional e internacional. E se n�s somos essa regi�o importante, e se o Amazonas � o cerne dessa regi�o, eu n�o entendo como que, em uma hora de afli��o, na �nica vez em que o Estado pode alguma coisa, ele n�o � atendido. Deve ser atendido. Ou o discurso dos l�deres mundiais � da boca para fora, � para fazer bonito perante a imprensa, ou esse discurso � s�rio.
Tudo o que acontece de ruim para o povo do Amazonas se reflete na floresta, se reflete nos rios, se reflete na conten��o do aquecimento global.
Eu acabei de falar com um jornal franc�s, uma das ajudas que eu espero claramente � a do presidente Emmanuel Macron. Porque o discurso dele indica isso. Eu gosto de juntar meu discurso e a minha pr�tica. Se ele tem toda essa solidariedade e preocupa��o inteligente com uma boa governan�a na Amaz�nia, deveria ajudar.

BBC News Brasil - O apelo ao presidente Macron especificamente, aquele que foi o mais enf�tico durante os inc�ndios, pode gerar desconforto com presidente brasileiro. Bolsonaro se colocou frontalmente contra Macron, inclusive na Assembleia-Geral da ONU. Como lida com esta tens�o?
Virg�lio Neto - Vou te dizer como lido com o Bolsonaro. Bolsonaro todos os dias me cria tens�o. Quando ele briga com fulano, com beltrano, com n�o sei quem. Ele tem um inimigo por dia. E eu crio de vez em quando problemas para ele quando respondo, quando falou ou dou uma entrevista.
Isso a� n�o me importa o m�nimo. Eu n�o concordo com a pol�tica externa dele, n�o concordo com o ministro de Rela��es Exteriores dele. N�o � uma escolha sequer madura, se tratava de um embaixador j�nior. Ent�o, n�o estou nem um pouco preocupado.
Ent�o, eu me dirigi ao G7, aos l�deres principais. Me dirigi a eles. Se ajudarem, ajudaram, se n�o ajudarem, � porque n�o compreendem a causa amaz�nica.
E por que a Greta? O pessoal do Bolsonaro cai em cima de mim. Quando vejo a chamarem de pirralha, eu j� sei de onde vem.
BBC News Brasil - De onde vem?
Virg�lio Neto - Bolsonaro. Do pessoal dele. Ser pirralho era t�o bom, eu tenho tanta saudade. Terr�vel � se eu fosse um pirralho governando o pa�s, n�?
E a Greta, a quem chamam irresponsavelmente de pirralha, alguns pirralhos mentais a chamam de pirralha, � quem est� conversando conosco para chegarmos a alguma coisa objetiva, alguma coisa pr�tica.
A ajuda que vier � bem-vinda. Precisamos de medicamentos, equipamentos de prote��o individual, tom�grafos.
BBC News Brasil - O senhor j� fez diversas cr�ticas � condu��o do presidente Bolsonaro nesta crise, disse que n�o pode esperar nada dele, e ao mesmo tempo se mostra otimista em rela��o ao apoio dos pa�ses do G7. O senhor tem mais esperan�a na ajuda vinda de fora do que na vinda de dentro?
Virg�lio Neto - � dif�cil mensurar o que representa uma declara��o de uma Greta. � dif�cil mensurar o que se passa na cabe�a de uma pessoa que n�o conhe�o, mas admiro � dist�ncia, que � o presidente Macron. � dif�cil mensurar o que se passa na cabe�a de um homem que poderia ter morrido de covid, o primeiro-ministro (brit�nico) Boris Johnson.
Dos l�deres do G20 e dos pa�ses que se pode considerar expressivos, n�s temos o �nico l�der que insiste em contradizer seu pr�prio Minist�rio da Sa�de. Eu tenho esperan�as no ministro da Sa�de, porque ele assumiu o compromisso comigo, acredito nele. E tamb�m tem uma coisa, eu n�o vejo o presidente Jair Bolsonaro sentar e despachar.
BBC News Brasil - O Minist�rio P�blico entrou com uma a��o civil p�blica pedindo que a Prefeitura de Manaus e o governo do Estado decretassem lockdown. E o senhor classificou a medida como extrema e arriscada. Mas o senhor j� disse que viu "cenas de terror" na capital, disse que defende medidas mais duras, chegou a chorar ao narrar o que acontece na cidade. Quando se sugere uma medida que vem sendo adotada em todo o mundo, nas principais capitais, o senhor diz que � extremo. N�o h� contradi��o a�?
Virg�lio Neto - N�o, voc� d� como �nica solu��o o lockdown. Mas eu penso, por exemplo, numa rebeldia popular grande. Daqui a pouco tem elei��o. Um oportunista joga uma pedra… Eu j� enfrentei uma ditadura. Apesar da minha idade, se tivesse outra, e n�o vai ter, eu enfrentaria de novo. Eu sei o que � a repress�o, ela nem sempre depende do comandante. Dizia-se que na ditadura, n�o se tinha tanto medo do general, tinha medo do guarda da esquina.
Ent�o, joga uma pedra em algu�m, come�a um tiroteio com bala de borracha, que pode cegar algu�m, come�a a rea��o das pessoas, que vivem uma situa��o de desespero. Algo que termina dando em tiro, dando em morte. Eu acho que � uma medida que deve ser tomada em ultim�ssimo grau, assim como n�s fazemos com a entuba��o. �ltimo grau…

BBC News Brasil - Prefeito, qual � o �ltimo grau, se o senhor j� classificou a situa��o como colapso na sa�de p�blica, como filme de terror? O que mais precisa acontecer?
Virg�lio Neto - A situa��o de horror � amenizada, se Deus quiser, com a chegada, que foi uma interven��o benigna do ministro (Nelson) Teich e do general (Eduardo) Pazuello, chegou muita gente para o governo do Estado. Se essas pessoas v�o resolver ou n�o, a gente vai ver daqui a pouco, se vai melhorar... Acho que piorar n�o pode, dever� melhorar.
Nosso hospital de campanha vai crescendo a cada momento. Estamos com organiza��o nos sepultamentos. Acabou aquela algazarra, aquela confus�o. Aquela hist�ria de o filho de algu�m que morreu querer agredir o coveiro, que � o sujeito mais exposto ao coronav�rus.
BBC News Brasil - Ent�o o senhor enxerga no lockdown uma janela para uma poss�vel convuls�o social, � isso?
Virg�lio Neto - Eu queria ter certeza de que n�o, para poder apoiar o lockdown. Eu falei com todas as pessoas importantes nesse epis�dio do lockdown e n�o encontrei seguran�a nenhuma. Nenhuma. Ningu�m seguro que este � o melhor caminho.
Eu encontrei pessoas que dizem que n�s n�o temos instrumentos de repress�o para sequer reprimir de verdade uma rebeldia popular de grandes propor��es. Ent�o, eu olho com responsabilidade o lockdown. O MP sugeriu, sugeriu. Vamos analisar, fazer uma teleconfer�ncia e discutir. Mas, eu n�o posso declarar um lockdown sem ter absoluta seguran�a de que preciso dele como a gente usa um respirador. A gente usa o respirador mec�nico s� quando a gente acha que a pessoa vai morrer.
BBC News Brasil - Agora, prefeito, n�o est� um pouco em cima da hora, ou tarde para saber se o lockdown faz sentido ou n�o e qual seria a alternativa?
Virg�lio Neto - Eu acabei de falar que chegou um refor�o brutal para o governo do Estado. Dois Boeings (com insumos).
Mas, quando voc� se referiu ao epis�dio em que eu chorei na televis�o. Eu sou um cara muito sentimental. Muito sens�vel. E tamb�m n�o fui criado em uma fam�lia em que homem n�o chora. Chora homem e chora mulher. Na minha fam�lia, sai na porrada homem, sai na porrada mulher. Na minha fam�lia, a gente topa tudo. Tem de tudo l�.
Eu explodi sim porque voc� v� a prega��o do "vai para a rua", e eu dizendo "n�o vem para a rua", e o pessoal n�o me atende e vai para a rua. E as pessoas morrem.
Diferentemente do H1N1, que matou v�rias pessoas no mundo, eu n�o tenho de cabe�a o nome de nenhuma pessoa que tenha morrido de H1N1, uma pessoa pr�xima a mim. Eu n�o lembro de ningu�m. Hoje, todo dia eu vejo mortes de pessoas que conhe�o. Ou pessoas humildes dos bairros, cujos nomes eu identifico, ou pessoas ricas que eu conhe�o tamb�m, pessoas de classe m�dia que eu conhe�o.
Todo santo dia eu vejo isso. Isso s� n�o mexe com uma pessoa com o cora��o muito ruim. Um cora��o muito desonesto at�, voc� n�o sentir uma coisa dessa. E a impot�ncia, e a falta de recursos, os recursos n�o vinham, e n�o vieram ainda, n�s estamos lutando com nossas pr�prias for�as. E morrendo gente, morrendo gente.
Coveiro quase espancado por filho de uma pessoa que ia ser enterrada. O coveiro! O coveiro! Se tivesse que espancar, espancasse o governador, espancasse a mim, mas o coveiro. Quer dizer, algu�m n�o se condoer com isso, n�o se emocionar com isso… Me parece que pelo menos � algu�m diferente de mim.
Eu tenho uma m�xima: na minha vida, quando eu me emociono, eu choro. Na pol�tica, quem chora � quem me enfrenta.
BBC News Brasil - O senhor est� no segundo mandato como prefeito, foi deputado v�rias vezes, foi senador, foi ministro de Estado, representando tamb�m de alguma maneira a sua regi�o. Qual � sua autocr�tica neste momento de colapso?
Virg�lio Neto - Eu n�o sei como come�ou o primeiro caso. Teoricamente, tinha que ser detectado pela rede prim�ria. Mas pode ter sido algu�m que sentiu uma gripe, se automedicou, contagiou a fam�lia toda. Eu n�o sei te contar essa hist�ria.
Uma autocr�tica que fiz ontem com o secret�rio de Sa�de: n�s n�o fal�vamos em dengue aqui desde o final do primeiro ano do governo. Agora � �poca de dengue aqui e uma pessoa acusou dengue outro dia.
Eu acho que n�s demos uma certa relaxada, na obsess�o de enfrentar o corona, em rela��o a outras doen�as, endemias ou n�o. E a obsess�o nossa ficou durante esse tempo inteiro covid, covid, covid, e abrimos espa�o para termos um caso de dengue.

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