
Um dos principais desafios cient�ficos atuais no combate ao novo coronav�rus � descobrir o real tamanho da pandemia.
Hoje, com a dificuldade de fazer testes em massa, s� temos uma ideia de quantas pessoas foram infectadas. Saber a verdadeira dimens�o do problema � fundamental para compreender onde estamos e o que esperar do futuro pr�ximo.
Um dos esfor�os mais robustos para achar essas respostas est� sendo feito na Espanha, onde um estudo nacional acaba de divulgar seus primeiros resultados - e eles apontam, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, que pr�ximas ondas de cont�gio e novos per�odos de quarentena podem ser inevit�veis.
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A pesquisa feita pelo Instituto de Sa�de Carlos 3º, ligado ao governo espanhol, aplicou testes sorol�gicos r�pidos em 60.983 pessoas de todo o pa�s.
O objetivo era buscar anticorpos para o coronav�rus nas amostras de sangue e estimar a partir disso a propor��o da popula��o que foi contaminada.
Os cientistas conclu�ram assim que apenas 5% dos habitantes da Espanha, ou 2,35 milh�es de pessoas, pegaram o novo coronav�rus.
Ainda que seja bastante gente em termos absolutos, � uma propor��o pequena em rela��o ao tamanho do caos vivido pelo pa�s, que viu seu sistema de sa�de entrar em colapso e foi obrigado a entrar no meio de mar�o em um dos lockdowns mais r�gidos do mundo para conter a propaga��o do v�rus.
O �ndice tamb�m fica longe do necess�rio para haver a chamada "imunidade de grupo", ou "efeito rebanho", que seria capaz de impedir naturalmente novas ondas de cont�gio.

Isso ocorre quando de 60% a 70% de uma popula��o j� tem anticorpos contra um v�rus ou bact�ria.
Se isso acontece, mesmo quem n�o tem imunidade contra essa amea�a � beneficiado indiretamente, porque fica protegido ao estar cercado por pessoas que s�o imunes.
� mais dif�cil ser contaminado em uma situa��o assim, e essa barreira imunol�gica impede que um micro-organismo se espalhe e cause um surto.
'Muita gente suscet�vel'
Mas o exemplo da Espanha, onde o primeiro caso foi identificado em 31 de janeiro e, ap�s pouco mais de tr�s meses, apenas 5% da popula��o foi infectada, aponta que a imunidade de grupo dificilmente pode ser obtida de forma natural no curto ou m�dio prazo.
"Ainda tem muita gente suscet�vel a pegar o v�rus. A partir do momento em que a vida voltar ao normal, a chance de ter novas epidemias � grande", afirma a m�dica sanitarista Ana Freitas Ribeiro, do servi�o de epidemiologia do Instituto Em�lio Ribas, em S�o Paulo.
A propor��o de pessoas com anticorpos na popula��o identificada pelo estudo espanhol n�o foi uniforme em todo o pa�s.
A comunidade aut�noma de Ceuta, na costa do norte da �frica, teve o �ndice mais baixo, de 1,1%. O maior foi identificado na comunidade aut�noma de Madri, onde 11,3% dos participantes tinham anticorpos.
Mas nem a taxa registrada na regi�o da capital espanhola seria o bastante, diz Fernando Spilki, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia.
"Mesmo nas regi�es mais atingidas, ainda h� muito poucas pessoas com anticorpos. A imuniza��o natural n�o est� ocorrendo como deveria para conseguirmos debelar a pandemia", diz Spilki.
O epidemiologista Antonio Augusto Moura da Silva, professor do departamento de Sa�de P�blica da Universidade Federal do Maranh�o (UFMA), afirma que, diante destes �ndices, "todo mundo vai esperar uma segunda onda" de cont�gios.
"Estamos na primeira ainda e n�o sabemos quando vir� a segunda, mas, em alguns pa�ses que est�o saindo do isolamento, a epidemia j� come�a a se manifestar novamente", diz Silva.
Outra forma de conseguir o efeito rebanho seria com uma vacina. No entanto, a maioria dos especialistas afirma que uma s� deve estar pronta em meados do pr�ximo ano, ou seja, de 12 a 18 meses ap�s o Sars-Cov-2, como � chamado oficialmente o novo coronav�rus, ser identificado.
"Enquanto isso n�o acontecer, vamos ter que fazer per�odos de isolamento social sempre que nossos sistemas de sa�de detectarem um aumento do n�mero de casos", afirma Ribeiro.
O imunologista Renato Astray, pesquisador do Instituto Butantan, tamb�m avalia que, assim como a Espanha, o Brasil vai estar sujeito a novas epidemias - e quarentenas.
"Assim que a gente parar com o isolamento, porque os casos estar�o diminuindo, vamos ter um �ndice de infectados n�o muito diferente da taxa da Espanha e, mais dias ou menos dias, teremos outro surto. E n�s, assim como eles, vamos ter de tomar medidas isolamento mais vezes, n�o vai parar por aqui", diz Astray.
Letalidade
A pesquisa espanhola tamb�m revelou algumas informa��es importantes sobre a pandemia do novo coronav�rus.
Ao estimar o n�mero de pessoas infectadas na Espanha, o estudo permite identificar uma taxa de letalidade do v�rus que seja mais pr�xima do �ndice real.
Ribeiro aponta que esta taxa era calculada em 11,9% na Espanha, onde houve at� agora 27.459 mortes entre os 230.183 casos confirmados, segundo dados da Universidade Johns Hopkins.
Mas a m�dica diz que a letalidade passa a ser de 1,1% quando o n�mero de �bitos � comparado � estimativa de que houve at� agora 2,35 milh�es de infec��es no pa�s.

� um �ndice muito mais baixo que o anterior, mas Ribeiro destaca que ainda assim � dez vezes maior do que o do v�rus da gripe sazonal, de 0,1%.
Junto com o fato de o coronav�rus ser bastante transmiss�vel - estima-se que cada pessoa infectada contamine outras tr�s -, isso pode gerar uma cat�strofe.
"Levando em considera��o grandes popula��es, como os quase 50 milh�es de habitantes da Espanha ou os 210 milh�es do Brasil, sem nenhuma medida para conter o v�rus, o n�mero de infec��es aumenta muito, e ter 1% de �bitos significaria a morte de muita gente", diz Ribeiro.
Os especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que isso faz cair por terra qualquer pretens�o de usar o "efeito rebanho" como uma estrat�gia de combate � pandemia, como chegou a ser cogitado pelo governo do Reino Unido, por exemplo.
O custo social de uma infec��o em massa seria enorme, avalia Astray. "Quando as pessoas falam em todo mundo se infectar logo e se livra disso de uma vez, � preciso ver o que a Espanha j� sofreu com 5%. Imagina se chegasse a 10% ou 20%? Seria uma situa��o de guerra", diz o imunologista.
Antonio Augusto Moura da Silva calcula que, com uma taxa de letalidade no mesmo patamar da Espanha, atingir a imunidade de grupo custaria de 1,4 milh�o a 1,6 milh�o de vidas. "Seria o equivalente a morrer uma Curitiba ou Recife inteiras", diz o epidemiologista.
Assintom�ticos
Silva destaca outro dado bastante importante apontado pelo estudo: cerca de um ter�o dos participantes que tinham anticorpos contra o novo coronav�rus disseram n�o ter apresentado nenhum sintoma.
"Est�vamos atr�s desse n�mero de assintom�ticos", diz o epidemiologista.
Junto com as pessoas que testaram positivo e apresentaram apenas dois sintomas, o grupo passa a representar 50% do total de infectados.
Isso d� uma no��o melhor do tamanho do desafio que � identificar e isolar quem foi infectado para quebrar a cadeia de transmiss�o do v�rus e controlar a pandemia.

"Metade das pessoas que t�m COVID-19 n�o sabem disso porque n�o t�m sintoma ou tem um sintoma muito leve, como dor de cabe�a e coriza, por exemplo, e isso n�o � necessariamente associado a essa doen�a. Essas pessoas continuam circulando e transmitindo o v�rus", afirma Silva.
O epidemiologista L�cio Botelho, professor do Departamento de Sa�de P�blica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), considera esse �ndice "assustador".
Especialmente porque apenas 2,55% dos participantes da pesquisa afirmaram ter sido testadas para COVID-19 com exames moleculares, que s�o os que permitem diagnosticar a doen�a.
"Sem conseguir fazer testes em massa, a gente n�o tem como saber quem est� transmitindo o v�rus ou n�o. Isso significa que o isolamento � fundamental, porque � a �nica forma que temos hoje de impedir que isso aconte�a", afirma Botelho.
Perguntas em aberto
Por fim, o estudo espanhol aponta que, entre as pessoas que haviam feito um teste molecular para COVID-19, 87% tinham anticorpos contra o Sars-cov-2.
Isso � um bom sinal, porque aponta que nosso corpo desenvolve alguma forma de prote��o contra esse novo v�rus.
Na pesquisa, foram analisados apenas os anticorpos conhecidos com Igg, que s�o aqueles criados para que o organismo seja capaz no futuro de combater uma mesma amea�a de forma mais eficiente.
O imunologista Renato Astray avalia que o �ndice de 13% que n�o desenvolveram anticorpos pode ter sido causado por um erro de diagn�stico, porque os testes r�pidos usados nesta fase do estudo d�o resultados com um �ndice de precis�o de apenas 79%.

Astray diz que s� ser� poss�vel confirmar ou refutar essa hip�tese nas pr�ximas etapas da pesquisa, quando ser� feito um tipo de teste de anticorpos laboratorial que tem uma precis�o maior, em torno de 95%
Tamb�m ser� necess�rio fazer mais pesquisas para compreender se essa resposta imunol�gica � realmente eficiente.
"Ter anticorpos n�o necessariamente significa estar protegido, porque esse anticorpo precisa ser do tipo neutralizante para impedir o v�rus de infectar a c�lula", afirma o imunologista.
O virologista Aguinaldo Pinto, professor do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da UFSC, explica que isso n�o ocorre, por exemplo, com o v�rus HIV.
"Uma pessoa que tem HIV tem uma quantidade enorme de anticorpos Igg, mas eles nunca s�o neutralizantes, e o paciente desenvolve a Aids se n�o fizer o tratamento", afirma Pinto.
Outro aspecto importante � verificar se essa imunidade � de curto ou longo prazo. O virologista afirma que, mesmo quando desenvolvemos um anticorpo, ele n�o se mant�m necessariamente para sempre no organismo.
"Isso acontece com a caxumba, por exemplo, que gera uma mem�ria imunol�gica de longo prazo, mas n�o com o rotav�rus, que causa diarreia em uma crian�a. O anticorpo contra ele dura por um tempo e depois desaparece. S� vamos descobrir em qual caso o coronav�rus se encaixa com o passar do tempo", afirma Pinto.
Tamb�m ser� preciso fazer mais pesquisas para compreender um aspecto intrigante dos dados apresentados at� agora pelo estudo espanhol.
A taxa de participantes com anticorpos s�o bem diferentes entre as faixas et�rias. Os �ndices em crian�as de 0 e 9 anos variam entre 1,1% e 3% e s�o sensivelmente menores do que entre os idosos, que apresentam taxas entre 5,1% e 6,9%.
"O esperado seria que a maioria dos grupos tivessem a mesma produ��o de anticorpos", diz Pinto.
Uma explica��o poss�vel � que o sistema imunol�gico de crian�as muito jovens ainda est� em forma��o, o que levaria a uma menor produ��o de anticorpos.
Mas isso tamb�m deveria ser visto em idosos, porque nosso sistema imunol�gico come�a a se deteriorar a partir dos 60 anos, o que prejudica seu funcionamento, diz Astray.
"Os n�veis diferentes s�o porque as crian�as tiveram uma exposi��o menor ao v�rus ou porque n�o desenvolveram anticorpos? Essa � uma interroga��o que fica."

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