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O Brasil ultrapassou pela primeira vez, na ter�a-feira (19) passada, a marca de mil mortes por COVID-19 em 24 horas. Na data, ap�s a divulga��o dos dados, o Minist�rio da Sa�de usou as redes sociais para compartilhar uma imagem que ressaltou que havia, naquele momento, 106,7 mil brasileiros recuperados no pa�s.
Na publica��o, as pessoas que se recuperaram do novo coronav�rus no pa�s s�o classificadas como "brasileiros salvos". Na tabela, chamada de "Placar da Vida", tamb�m � citado que h� 146.863 pacientes em recupera��o no pa�s. Na imagem, � usada a hashtag #Ningu�mFicaPraTr�s.
O post compartilhado pelo Minist�rio da Sa�de n�o cita o recorde de mortes no pa�s naquele dia e tamb�m oculta que o Brasil tinha, naquela data, registrado 18 mil �bitos pela COVID-19.
O "Placar da Vida", com os dados atualizados dos "brasileiros salvos", tem sido compartilhado diariamente nas redes sociais do Minist�rio da Sa�de desde 27 de abril. Ele foi criado pela Secretaria de Comunica��o Social (Secom) a pedido do ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, que em uma entrevista coletiva em abril tinha reclamado do que chamou de "cobertura maci�a de fatos negativos" da imprensa na crise do novo coronav�rus.
"No jornal da manh� � caix�o, corpo; na hora do almo�o, � caix�o novamente. No jornal da noite � caix�o, corpo e n�mero de mortos. Eu pergunto a todos: como � que voc� acha que uma senhora de idade, uma pessoa humilde ou que sofre de outra enfermidade se sente com essa maci�a divulga��o desses fatos negativos. N�o est� ajudando", disse.
Entretanto, para especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a exalta��o de dados sobre brasileiros recuperados neste momento � uma forma de refor�ar o negacionismo em rela��o ao Sars-Cov-2, nome oficial do novo coronav�rus. Isso porque afirmam que destacar somente aspectos positivos em meio ao crescimento exponencial de casos e mortes no Brasil � uma forma de transmitir a falsa ideia de que as coisas est�o melhorando.- Coronav�rus: pa�s tem novo recorde de mortos em 24h e total j� passa de 20 mil
- Os ind�cios de que o Sars-Cov-2 circulava no Brasil antes do primeiro diagn�stico oficial
Professor da faculdade de Medicina da Universidade de S�o Paulo, Marcos Boulos critica duramente a exalta��o dos n�meros de recuperados neste momento.
"� um v�rus que mata, normalmente, menos de 5% das pessoas que foram infectadas e tiveram sintomas. Ent�o � �bvio que mais de 95% v�o se recuperar. Enfatizar os n�meros de recuperados n�o muda nada neste momento. � preciso ser realista. N�o � correto tentar minimizar a gravidade da doen�a", diz � BBC News Brasil.
Nas redes sociais, as publica��es do "Placar da Vida" causaram repercuss�o. Enquanto algumas pessoas comemoraram o n�mero de recuperados, outras criticaram o fato de as tabelas n�o citarem o aumento das mortes por COVID-19 no pa�s.
Nas publica��es que mostram as imagens com os n�meros de recuperados nas redes do Minist�rio da Sa�de, h� discretos links para todos os dados sobre a COVID-19 no Brasil, inclusive sobre os n�meros de mortos. No entanto, estudiosos apontam que as tabelas podem ser compartilhadas massivamente por outros perfis e em aplicativos de mensagens sem a devida contextualiza��o de �bitos, que n�o s�o mencionados no "Placar da Vida".
Refor�o ao negacionismo
Os dados sobre recuperados costumam ser utilizados como argumentos por pessoas que negam os riscos do novo coronav�rus para justificar que medidas de preven��o, como o isolamento social, s�o desnecess�rias.
Professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador no ramo da divulga��o cient�fica, Leandro Tessler classifica o destaque aos dados de recuperados como uma estrat�gia de marketing desrespeitosa.
"Tentar dar um ar otimista e de que estamos nos saindo bem no enfrentamento ao coronav�rus � perigoso, porque os dados sobre infectados e mortos n�o param de aumentar. Pegam um �ngulo que favorece o governo, mas sem nenhum rigor", declara.
"� muito bom comemorar os recuperados. Mas � errado citar isso como se fosse um dado positivo e que mostra a realidade do pa�s. � falacioso passar a ideia de que estamos tendo controle da doen�a, enquanto as mortes aumentam cada vez mais", acrescenta Tessler.
O fil�sofo Pablo Ortellado, professor da USP, explica que o ato de mencionar apenas os dados de pacientes recuperados faz parte do discurso negacionista, pois tenta minimizar a gravidade do Sars-Cov-2. "Eles tentam mudar a leitura do cen�rio do coronav�rus no Brasil. � uma estrat�gia do governo Bolsonaro dizer que o coronav�rus � um problema superdimensionado", diz o estudioso.
"� uma estrat�gia que faz parte de uma campanha de desinforma��es. Essa campanha dos bolsonaristas tamb�m costuma argumentar que os governadores est�o aumentando n�meros de mortos, que os hospitais est�o vazios e que a cloroquina � eficaz (mesmo sem comprova��o cient�fica)", completa Ortellado.
Um dos objetivos da estrat�gia negacionista sobre o novo coronav�rus � a reabertura de estabelecimentos no Brasil, em meio � pandemia — medida que n�o � recomendada por cientistas e pela Organiza��o Mundial de Sa�de (OMS) em pa�ses que enfrentam explos�o de casos de COVID-19.
Para o infectologista Marcos Boulos, nenhum tipo de divulga��o sobre n�meros do novo coronav�rus deve citar somente os dados de curados. "Como a mortalidade do v�rus � consideravelmente baixa, � l�gico que a maioria estar� recuperada. O que pesa mesmo � o n�mero de mortes, porque est� aumentando cada vez mais no Brasil."
"Somente poderemos avaliar quest�es positivas quando o n�mero de morte e de infectados come�ar a cair no pa�s. Na fase de agravamento, como a que estamos atualmente, n�o tem cabimento ressaltar casos recuperados. Est�o tentando dizer que as coisas est�o melhores, quando n�o est�o", assevera Boulos.
Em breve resposta � BBC News Brasil, o Minist�rio da Sa�de afirma que todas as informa��es referentes ao novo coronav�rus est�o sendo divulgadas em seus diversos canais de comunica��o. A pasta n�o respondeu se considera que a exalta��o de pessoas recuperadas neste momento, como no caso do "Placar da Vida", pode passar a falsa impress�o de que a situa��o do v�rus est� controlada no pa�s.
Consequ�ncias do negacionismo
M�dicos e pesquisadores apontam que o negacionismo em rela��o ao novo coronav�rus � um dos grandes problemas do enfrentamento � COVID-19. A ideia de que o v�rus n�o � t�o perigoso e que o isolamento social � desnecess�rio costuma ser refor�ada por fake news, como a de que h� caix�es enterrados vazios para inflar os dados de mortos.
De acordo com os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, o "Placar da Vida" vai ao encontro de declara��es do presidente Jair Bolsonaro, que adota um discurso que tenta reduzir a gravidade do novo coronav�rus, enquanto o Brasil sobe na lista de pa�ses mais atingidos pelo Sars-Cov-2.
O pesquisador Leandro Tessler pontua que um dos maiores erros do presidente no combate ao Sars-Cov-2 � ignorar a ci�ncia.
"Hoje, a ci�ncia diz que ainda n�o temos nada para oferecer contra o novo coronav�rus, a n�o ser os cuidados paliativos. Por isso, a melhor alternativa � o isolamento social. O mais prudente � fazer como muitos governos no mundo e ouvir os cientistas. J� no Brasil, ap�s a sa�da de dois ministros da Sa�de, o recado � claro: quando a ci�ncia n�o diz o que eu quero, demito."
Um levantamento do Monitor do Debate Pol�tico no Meio Digital apontou que os eleitores de Bolsonaro s�o os que menos seguem o isolamento social. O distanciamento social passou a ser menor em �reas com mais seguidores de Bolsonaro desde 24 de mar�o, quando ele fez um discurso defendendo o relaxamento da medida, sem qualquer respaldo cient�fico.
O negacionismo pode trazer consequ�ncias graves no enfrentamento ao Sars-Cov-2. "Embora seja dif�cil quantificar, d� para dizer com seguran�a que essa campanha de nega��o da gravidade do v�rus tira vidas. � complicado quantificar, mas h� gente morrendo por essas campanhas negacionistas", declara o fil�sofo Pablo Ortellado.
Marcos Boulos afirma que um dos motivos que fizeram do Brasil um dos pa�ses com mais casos de Sars-Cov-2 no mundo � o fato de que muitas pessoas optaram por n�o seguir o isolamento social, por n�o acreditar nos riscos trazidos pelo v�rus.
"Essas pessoas arriscam suas pr�prias vidas e as dos outros. Quando algu�m leva uma vida normal nesse per�odo, pode ajudar a aumentar a transmiss�o e fazer com que ainda mais pessoas morram", declara Boulos.
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