
A presen�a de cerca de 20 mil garimpeiros na Terra Ind�gena Yanomami durante a pandemia do novo coronav�rus e a fr�gil assist�ncia de sa�de no territ�rio amea�am fazer com que at� 40% dos ind�genas que moram perto das minas ilegais se infectem com a doen�a.
Nesse cen�rio, o grupo poderia perder at� 6,5% dos seus integrantes, tornando-se uma das popula��es mais impactadas pela COVID-19 em todo o mundo.As an�lises est�o em um estudo produzido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pelo Instituto Socioambiental (ISA), que classifica os yanomami como "o povo mais vulner�vel � pandemia de toda a Amaz�nia brasileira".
Segundo a pesquisa, revisada pela Funda��o Oswaldo Cruz (Fiocruz), a etnia corre o risco de sofrer um "genoc�dio com a cumplicidade do Estado brasileiro" caso n�o se tomem medidas urgentes para expulsar os garimpeiros e melhorar a assist�ncia m�dica �s comunidades.
Com �rea equivalente � de Portugal, a Terra Ind�gena Yanomami abriga cerca de 27.398 membros dos povos yanomami e ye'kwana, espalhados por 331 aldeias.
- Moradores fogem de cidades na Amaz�nia para ter comida e seguran�a sanit�ria em comunidades ribeirinhas
- Como cidade na fronteira com Brasil se tornou a l�der de casos de coronav�rus na Col�mbia
O territ�rio ocupa por��es do Amazonas e de Roraima e se estende por boa parte da fronteira do Brasil com a Venezuela.
Rica em dep�sitos de ouro, a �rea � alvo de garimpeiros desde pelo menos a d�cada de 1980 — atividade que n�o foi suspensa nem mesmo ap�s a demarca��o da terra ind�gena, em 1992.
No in�cio de abril, quando a pandemia ainda n�o havia chegado � regi�o, a BBC News Brasil publicou uma reportagem sobre o avan�o de garimpeiros em uma �rea habitada por uma comunidade yanomami que vive em isolamento volunt�rio.
- Como cidade na fronteira com Brasil se tornou a l�der de casos de coronav�rus na Col�mbia
- Com coronav�rus, cai o n�mero de atendimentos m�dicos e cresce o de mortes por outras doen�as
'Bibliotecas vivas'
O estudo da UFMG e do ISA alerta para as consequ�ncias que a dissemina��o da covid-19 poder� ter entre idosos da etnia.
"O desaparecimento repentino dos mais velhos, conhecidos como 'bibliotecas vivas', pode impactar na reprodu��o social dos yanomami e implica em consequ�ncias irrevers�veis para a sobreviv�ncia do patrim�nio cultural do povo yanomami e ye'kwana", diz o estudo.
Para chegar �s conclus�es, os autores usaram modelos matem�ticos baseados em dados das popula��es ind�genas brasileiras, os �ndices de mortalidade por covid-19 em cada Estado e informa��es sobre o atendimento m�dico nas regi�es habitadas pelas etnias, como o n�mero de leitos de UTI e de respiradores.

Um dos indicadores usados no c�lculo mede a vulnerabilidade dos polos base (postos de sa�de) das comunidades, considerando informa��es como a capacidade de transporte de doentes, a oferta de �gua encanada e a expectativa de vida ao nascer.
Todos os 37 postos do territ�rio yanomami obtiveram a pior nota dentre os 172 estudados: 0,7. O �ndice vai de 0 a 1, sendo 1 a pior nota.
Tr�nsito de garimpeiros
No levantamento, foram considerados os 13,9 mil ind�genas (50,7% da popula��o do territ�rio yanomami) que vivem a at� cinco quil�metros de �reas de garimpo.
Essas comunidades s�o vistas como mais vulner�veis ao cont�gio por conta da circula��o dos garimpeiros entre cidades e o territ�rio. Muitos garimpeiros recorrem �s aldeias para trocar alimentos ou aliciar trabalhadores ind�genas.
Segundo a pesquisa, estudos anteriores j� mostraram que o garimpo est� associado � maior incid�ncia de doen�as infecciosas na Amaz�nia, como a mal�ria.
Os autores simularam v�rios cen�rios para estimar quantas pessoas seriam infectadas a partir de um �nico paciente com covid-19 que tivesse contato com as comunidades.
Em um cen�rio de transmiss�o menos intensa, em que a taxa de cont�gio (R0) fosse 2 (o que significa que cada infectado transmitiria a doen�a para outras duas pessoas), 2.131 pessoas seriam infectadas em 120 dias.
No pior cen�rio, adotando a taxa de cont�gio (R0) de valor 4, um �nico caso na regi�o resultaria em 5.603 infectados ap�s 120 dias — ou 40,3% da popula��o abarcada pelo levantamento.
Os autores dizem que os yanomami, assim como outros povos ind�genas, s�o altamente suscet�veis a doen�as contagiosas por conta de alguns h�bitos culturais. Membros do grupo costumam compartilhar utens�lios dom�sticos, como cuias, e viver em casas que agregam v�rias fam�lias.
Mesmo antes da covid-19, doen�as respirat�rias j� eram a principal causa de mortes para a etnia.
"Se uma doen�a altamente contagiosa como a covid-19 entrar na comunidade, � muito dif�cil impedir a sua transmiss�o", diz o estudo.
Caso a letalidade da doen�a entre os ind�genas seja duas vezes maior do que a que atinge a popula��o geral de Roraima e do Amazonas — o que os autores consideram prov�vel por conta da assist�ncia m�dica deficiente nas comunidades —, haveria at� 896 �bitos no grupo.
Nesse cen�rio, as comunidades que vivem perto das frentes de garimpo perderiam 6,5% de seus integrantes em apenas quatro meses.

Mesmo considerando-se as comunidades yanomami mais afastadas que n�o seriam afetadas pela doen�a, o �ndice de mortalidade para toda a etnia seria cerca de 50 vezes maior do que o da Espanha, pa�s com a mais alta taxa de mortes por covid-19 por habitante do mundo.
At� a �ltima segunda-feira (01/06), havia 55 casos confirmados de covid-19 entre os povos yanomami e ye'kwana e tr�s mortes, segundo a Rede Pr�-Yanomami e Ye'kwana, que abarca pesquisadores e apoiadores dos grupos.
A primeira morte ocorreu em 19 de abril e vitimou um jovem de 15 anos.
Prioridades para combater a doen�a
Para o engenheiro agr�nomo Antonio Oviedo, pesquisador do ISA que participou do estudo, o governo deveria priorizar duas a��es para impedir o avan�o da covid-19 no territ�rio.
Uma seria expulsar imediatamente os garimpeiros, o que limitaria a possibilidade de novos contatos e infec��es nas aldeias.
A outra seria "fazer a busca ativa de casos" no territ�rio para testar e isolar pacientes o quanto antes. Hoje, os servi�os de sa�de s� agem quando procurados pelas comunidades.
Segundo Oviedo, doentes t�m passado v�rios dias em contato com parentes at� serem diagnosticados — isso quando s�o atendidos.

O pesquisador afirma que, embora a covid-19 seja uma doen�a nova, j� h� informa��es suficientes sobre formas de limitar seu impacto. "A partir do momento em que o governo n�o embasa suas a��es nos conhecimentos j� existentes, ele est� sendo negligente com as mortes que possam vir a ocorrer", afirma.
Origem de epidemias
Vice-presidente da Hutukara Associa��o Yanomami, principal organiza��o ind�gena da etnia, Dario Kopenawa diz � BBC News Brasil que as comunidades est�o tentando se isolar e evitando idas � cidade, mas que o tr�nsito de garimpeiros compromete a efic�cia da estrat�gia.
Segundo ele, as infec��es entre os yanomami ocorridas at� agora t�m rela��o com os garimpeiros.
Kopenawa afirma que, na filosofia da etnia, a cobi�a humana por riquezas subterr�neas � associada ao surgimento de v�rias epidemias mort�feras como a covid-19. Na l�ngua yanomami, essas doen�as s�o conhecidas como xawara.
"Nosso criador, Omama, colocou as xawara embaixo da terra. Quando algu�m fura o solo atr�s de min�rios, petr�leo e g�s, elas podem sair de l� e se espalhar entre humanos", diz ele.
Kopenawa � filho do xam� Davi Kopenawa, presidente da Hutukara e um dos mais conhecidos l�deres ind�genas do Brasil.
Ele afirma que o pai est� isolado em sua comunidade e, a exemplo de outros xam�s da etnia, tem trabalhado intensamente para "enfraquecer os efeitos da doen�a e para que ela volte ao lugar de onde saiu".
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!