(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

'Estou h� 4 meses longe dos meus filhos': ind�gena n�o consegue retornar a aldeia por causa de coronav�rus

L�der de associa��o para mulheres ind�genas foi � cidade de S�o Gabriel da Cachoeira, no interior do Amazonas, mas n�o conseguiu retornar em decorr�ncia da pandemia.


postado em 25/06/2020 21:41 / atualizado em 25/06/2020 22:02

Margarida Maia, da etnia tukano, foi a cidade para resolver questões de associação e não conseguiu retornar para casa(foto: Arquivo Pessoal)
Margarida Maia, da etnia tukano, foi a cidade para resolver quest�es de associa��o e n�o conseguiu retornar para casa (foto: Arquivo Pessoal)

H� quatro meses, a ind�gena Margarida Maia, do povo tukano, conversa com os filhos apenas por meio do celular. M�e solo, ela se preocupa diariamente com os jovens e revela que sente saudades dos abra�os e do contato f�sico com eles. � o per�odo mais longo que j� passou longe dos filhos, uma garota de 13 anos e um garoto de 10.

No in�cio de fevereiro, Margarida, de 38 anos, deixou a sua aldeia e seguiu para a �rea urbana de S�o Gabriel da Cachoeira, no interior do Amazonas. Representante de uma associa��o de mulheres, ela planejava passar pouco mais de um m�s longe de casa. At� hoje, por�m, ainda n�o conseguiu retornar para a aldeia.

"Estou com muitas saudades dos meus filhos, porque somos muito apegados. Sou pai e m�e para eles. Eles sempre me perguntam quando volto para casa", diz Margarida � BBC News Brasil.

Desde meados de mar�o, S�o Gabriel da Cachoeira, considerado o munic�pio mais ind�gena do pa�s (76% de seus moradores s�o ind�genas, segundo o Censo de 2010), passou a adotar medidas de controle de circula��o de pessoas. A principal preocupa��o na cidade era evitar que a covid-19 se espalhasse nas aldeias.

O acesso �s terras ind�genas do munic�pio passou a ser limitado, ap�s pedido de lideran�as locais e especialistas na �rea da sa�de. A entrada de n�o ind�genas nas comunidades da regi�o do Alto Rio Negro, onde est� localizada a aldeia de Margarida, foi suspensa.

Mas as medidas para conter o avan�o do novo coronav�rus em S�o Gabriel da Cachoeira, cidade localizada na fronteira do Brasil com a Col�mbia e a Venezuela, n�o foram suficientes para evitar a propaga��o do v�rus na �rea urbana e nas aldeias da regi�o.

No munic�pio de 45 mil habitantes, mais da metade deles vivendo fora da cidade, h� mais de 2,5 mil casos de covid-19 e 43 mortes confirmadas at� quarta-feira (24).

Em todo o Amazonas, mais de mil ind�genas j� foram infectados pelo novo coronav�rus. Entre os povos ind�genas de todo o Brasil, h� mais de 4,4 mil casos do novo coronav�rus confirmados e 125 mortes, segundo a Secretaria Especial de Sa�de Ind�gena (Sesai).

Os n�meros nas aldeias, por�m, segundo especialistas, s�o ainda maiores. Isso porque a escassez de testes faz com que muitos ind�genas, mesmo com sintomas, n�o sejam diagnosticados com a covid-19.

A ida para a cidade

Margarida vive no distrito de Iarauet�, pertencente a S�o Gabriel da Cachoeira. Quando seguiu em dire��o � cidade, ela planejava voltar para a aldeia em meados de mar�o, ap�s resolver quest�es referentes a um projeto da Associa��o das Mulheres Ind�genas do Distrito de Iarauet� (Amidi), da qual � presidente.

A Amidi � uma associa��o que tem o objetivo de representar e gerar renda para mulheres de 13 povos da regi�o do Rio Negro. Uma das iniciativas da entidade � ajudar as ind�genas na produ��o e comercializa��o de pe�as artesanais.

Margarida (no centro) é considerada liderança importante para as mulheres indígenas da região do Alto Rio Negro(foto: Arquivo Pessoal)
Margarida (no centro) � considerada lideran�a importante para as mulheres ind�genas da regi�o do Alto Rio Negro (foto: Arquivo Pessoal)

A associa��o havia ganhado recursos para um projeto para abordar quest�es sobre o territ�rio ind�gena. A iniciativa, que deve percorrer diversas comunidades da regi�o, tem o objetivo de conscientizar as mulheres sobre os processos de invas�o das terras ind�genas por garimpeiros. Por se tratar de um tema normalmente discutido por homens, a Amidi prop�s uma iniciativa para que sejam feitas assembleias sobre o assunto somente para as mulheres. "� importante que as mulheres tamb�m participem dessas discuss�es", diz Margarida.

O projeto obteve recursos por meio do Fundo Socioambiental CASA, uma ONG que financia iniciativas de grupos na Am�rica do Sul.

Para regularizar a primeira parcela de repasse para o projeto e resolver quest�es referentes a documentos da Amidi, Margarida seguiu em dire��o � cidade. O percurso entre Iarauet� e a �rea urbana de S�o Gabriel da Cachoeira dura cerca de 12 horas. No trajeto, � necess�rio transporte terrestre e uma embarca��o.

Na cidade, assinou o contrato para o projeto e recebeu metade do recurso para a iniciativa. Ela tamb�m participou de encontros com representantes locais para debater sobre as quest�es ind�genas locais.

Quando encerrou os compromissos, em meados de mar�o, ela iria voltar para casa. Na �poca, diversas regi�es brasileiras come�aram a orientar sobre medidas de isolamento social.

Com o aumento de casos de coronav�rus no pa�s, o projeto de conscientiza��o das ind�genas sobre territorialidade foi suspenso temporariamente desde o come�o desse per�odo, os garimpeiros aproveitaram para ampliar suas opera��es em terras ind�genas.

Um decreto municipal de S�o Gabriel da Cachoeira, em 18 de mar�o, orientou que os moradores adotassem medidas de isolamento para conter a propaga��o do v�rus.

Os n�meros de embarca��es em S�o Gabriel da Cachoeira diminu�ram drasticamente, para evitar a entrada ou sa�da de pessoas em terras ind�genas.

Na cidade, Margarida n�o conseguiu voltar para a aldeia. "O recurso do projeto ficou suspenso, porque s� a tesoureira pode mexer nesse dinheiro e ela ficou em Iarauet�, por causa da pandemia. Eu n�o tinha dinheiro para pagar uma embarca��o para voltar para casa", diz a ind�gena.

"Quando pedi carona, as pessoas disseram que tinha que ajudar com a gasolina. Como eu n�o tinha condi��es para isso, fiquei por aqui mesmo. N�o tinha dinheiro e n�o tenho at� agora", conta.

A ind�gena relata tamb�m que ficou com receio de voltar para a aldeia e levar o v�rus para seus familiares. "Muitas pessoas que estavam na cidade decidiram dar um jeito para voltar para suas aldeias, sem tomar nenhum cuidado. Acho que isso pode ter feito com que os casos de coronav�rus aumentassem", diz Margarida.

Somente no distrito Iauaret�, em que ela mora, h� 100 casos confirmados at� o momento. "Antes do primeiro diagn�stico na aldeia, j� havia pessoas com sintomas que hoje acreditamos que poderia ser o coronav�rus, mas n�o havia testes. Os n�meros na nossa comunidade, por exemplo, s�o maiores do que o que temos oficialmente at� o momento", diz Margarida.

Alguns h�bitos dos ind�genas, como compartilhamento de objetos e as proximidades entre as casas, s�o considerados facilitadores para a propaga��o do Sars-Cov-2, nome oficial do novo coronav�rus. As dificuldades de acesso a assist�ncia m�dica, mesmo antes da pandemia, colaboram para as dificuldades enfrentadas pelas comunidades de todo o Brasil.

Margarida representa associação que defende e orienta mulheres indígenas no interior do Amazonas(foto: Amidi)
Margarida representa associa��o que defende e orienta mulheres ind�genas no interior do Amazonas (foto: Amidi)

Profissionais de sa�de de S�o Gabriel da Cachoeira relataram � BBC News Brasil, em reportagem do m�s passado, que h� comunidades da regi�o nas quais todos os membros apresentam sintomas de covid-19. No entanto, n�o entram para as estat�sticas oficiais em raz�o da falta de testes.

O �nico hospital de S�o Gabriel da Cachoeira, gerido pelo Ex�rcito, lotou em decorr�ncia da explos�o de casos. Pacientes intubados na unidade de sa�de passaram a ser transferidos de avi�o para Manaus.

A Funda��o Nacional do �ndio (Funai) afirma que tem prestado assist�ncia aos ind�genas e dado orienta��es para evitar a propaga��o do novo coronav�rus nas aldeias.

O retorno para casa

Desde fevereiro, Margarida est� na casa de uma de suas irm�s. Ela tem aproveitado o per�odo na cidade para resolver outras quest�es da associa��o e para buscar formas de ajudar as comunidades de sua regi�o em meio � pandemia. "Tenho buscado regularizar algumas situa��es da associa��o e tenho escrito novos projetos. � uma forma de tentar aproveitar o meu tempo na cidade", diz.

Enquanto aguardava uma defini��o sobre o seu retorno � aldeia, Margarida teve de lidar com outra doen�a infecciosa que at� o in�cio deste ano era uma das mais comuns em S�o Gabriel da Cachoeira: a mal�ria. "Acredito que fui picada quando fui � casa de uma amiga na cidade. L� tem muitos mosquitos", afirma.

"Sempre houve muitos casos de mal�ria e dengue aqui na cidade. Essas eram as principais preocupa��es. Mas agora at� esqueceram um pouco, por causa do coronav�rus", diz Margarida.

Ela apresentou sintomas como febre e dores no corpo. "Pensei que era a covid-19, mas fiz os exames e descobri que era mal�ria", conta. A ind�gena afirma que tem se recuperado bem.

Mulheres indígenas recebem apoio para produzir e comercializar artesanatos em associação(foto: Amidi)
Mulheres ind�genas recebem apoio para produzir e comercializar artesanatos em associa��o (foto: Amidi)

Mesmo doente, ela n�o parou de buscar formas para ajudar as mulheres de sua comunidade. Em meio � pandemia, muitas delas que trabalham como artes�s perderam a �nica fonte de renda, em raz�o do isolamento social. "Tem muitas fam�lias passando dificuldades nas aldeias", lamenta.

Margarida conseguiu, no departamento de mulheres da Federa��o das Organiza��es Ind�genas do Rio Negro (Foirn), 50 cestas b�sicas para as mulheres de sua regi�o. "� uma ajuda muito importante neste momento", diz. Os donativos dever�o ser entregues no pr�ximo fim de semana. Na data, a ind�gena pretende acompanhar a embarca��o e retornar para casa.

Ela tem contado as horas para voltar para perto dos filhos. Esta � a primeira vez que a ind�gena passa mais de um m�s longe deles. "J� fiz outras viagens, mas nunca pensei em ficar tanto tempo longe, ainda mais durante uma pandemia. Fico preocupada se eles est�o bem", conta.

Os pais dela, que t�m 78 anos, est�o cuidando dos netos. "Eu sei que meus filhos est�o em boas m�os. Mas tamb�m fico preocupada com meus pais, porque s�o idosos e hipertensos. Todos os dias ligo para uma irm� que mora na aldeia para perguntar como est�o as coisas."

Ao retornar para a aldeia, ela pretende procurar a equipe m�dica do Distrito Sanit�rio Especial Ind�gena da regi�o. "Vou conversar com os profissionais de sa�de e vou ficar em isolamento. Se poss�vel, farei o teste para a covid-19", comenta.

Apesar das dificuldades dos �ltimos meses, Margarida afirma que os meses em que permaneceu na cidade se tornaram importantes. "Ao menos pude conquistar coisas para a associa��o e ajudar outras pessoas, como por meio das cestas b�sicas. Se estivesse na aldeia, n�o poderia ajudar tanto nesse per�odo", declara.

A associa��o para as mulheres ind�genas foi fundada h� mais de 25 anos. Margarida conta que uma das coisas que a motiva a seguir com a iniciativa � uma frase que escutou da fundadora da entidade, anos atr�s. "Ela me disse que todo o trabalho que tenho feito � para o bem das mulheres ind�genas, porque elas precisam ter voz. Isso me incentiva muito", comenta.


(foto: BBC)
(foto: BBC)
(foto: BBC)
(foto: BBC)

J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)