
Ao reivindicarem melhores condi��es de trabalho nos servi�os de entrega por aplicativos nesta quarta-feira (1), os trabalhadores que atuam no setor de entregas representam as demandas de uma categoria que tem crescido em n�mero e perdido qualidade de vida nos �ltimos anos.
Em manifesta��es realizadas hoje, entregadores prometiam "parar" o servi�o de entregas em boa parte do pa�s, setor comandado principalmente por tr�s empresas: iFood, Rappi e Uber Eats.
Movimentos nas redes sociais pedem que, para contribuir com a paralisa��o, consumidores n�o fa�am pedidos via aplicativos de entrega de comida.
A BBC News Brasil reuniu levantamentos e an�lises das estat�sticas mais recentes sobre o universo desses trabalhadores, especialmente baseados nos n�meros divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE), e o retrato confirma algumas das demandas apresentadas na greve dos trabalhadores.
Os dados indicam remunera��o menor, jornadas longas e a migra��o de profissionais qualificados de outras �reas durante a pandemia, em meio ao alto risco de cont�gio pela covid-19 que os trabalhadores enfrentam durante as entregas.
Ensino superior e m�s condi��es
Levantamento da plataforma de estudos e vagas no ensino superior Quero Bolsa com base nos microdados da Pnad-Covid aponta que, em maio, 42 mil brasileiros com ensino superior (gradua��o e p�s-gradua��o) se declararam como "Entregador de mercadorias (de restaurante, de farm�cia, de loja, aplicativo, etc.)", o que representa 0,15% dos 27 milh�es de brasileiros com ensino superior.
"Diversos profissionais foram afastados de seus respectivos empregos e tiveram que procurar outras fontes de renda para se sustentar. Uma delas foi a de entregador, seja diretamente com o estabelecimento ou atrav�s de aplicativos de delivery", indica o levantamento.
De acordo com os dados da pesquisa, 3,7 mil (8,8% do total de entregadores com ensino superior) foram afastados do trabalho por conta da quarentena, isolamento,distanciamento social ou f�rias coletivas.
Outra pesquisa, desta vez realizada na Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp (Cesit - Unicamp) em parceria com outras institui��es aponta que, durante a pandemia de covid-19 tais trabalhadores continuaram a enfrentar longas jornadas de trabalho, mas em condi��es que se tornaram piores: passaram a enfrentar um alto risco de cont�gio durante a rotina de trabalho, e a adotar medidas de precau��o na maioria custeadas por eles mesmos, al�m de registrarem queda na remunera��o pelos servi�os. O estudo foi realizado em parceria com pesquisadores da Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp), Universidade de Juiz de Fora (UFJF), Minist�rio P�blico do Trabalho (MPT) e Universidade Federal do Paran�.
No per�odo da pandemia a remunera��o sofreu uma queda geral, indica o estudo. "Antes da pandemia a remunera��o era baixa, uma vez que 47,4% dos respondentes afirmaram que auferiam at� R$ 520,00 por semana. Ainda durante a pandemia, houve aumento de 100% dos que auferiam menos do que R$ 260 por semana; e, finalmente, quase 50% dos respondentes apontaram queda no b�nus concedido pelas empresas detentoras de plataformas de entrega", afirma a publica��o.
"A percep��o dos entregadores � que o aumento da jornada est� relacionado � contrata��o de grande n�mero de novos entregadores durante a pandemia, o que gerou uma oferta maior de entregadores dispon�veis, provocando, como consequ�ncia, a redu��o das chamadas para entregas. Para manter a remunera��o, os entregadores passaram a trabalhar mais horas. Associado a isso, houve redu��o de per�odos com tarifas din�micas e redu��o de oferta de pr�mios."
J� nos c�lculos da An�lise Econ�mica Consultoria, o percentual de pessoas que trabalharam para aplicativos de entrega ou transporte de passageiros representa 15% de todos os informais (aproximadamente 4,7 milh�es de pessoas) at� maio de 2020. Em 2019, os n�meros eram de 26,2 milh�es e 3,6 milh�es aproximadamente.

"� fundamental salientar que os aplicativos representam uma parcela significativa de contratantes de m�o de obra, mas o n�mero total de informais ainda inclui muitas atividades n�o-digitais ou tradicionais, como ambulantes", explica o diretor de estudos Franklin Lacerda, mestre em Economia Pol�tica pela PUC-SP.
J� quando se trata especificamente dos ciclistas e motoboys que fazem entregas, embora n�o haja dado preciso na Pnad, a estimativa da consultoria a partir de infer�ncia estat�stica � de que os trabalhadores de aplicativos de entregas de refei��es foram de aproximadamente 250 mil em 2019 e at� junho de 2020 j� s�o mais de 645 mil, portanto, uma taxa de crescimento de aproximadamente 158% s� at� o primeiro semestre de 2020.
Quem s�o os entregadores?
De acordo com o levantamento da Quero Bolsa, o perfil dos entregador de mercadoria com ensino superior � de um homem, branco, entre 40 e 45 anos, morador da regi�o Sudeste.
67% se identificam como brancos e 31,8% como negros (pretos ou pardos); 87% s�o homens; 22,7% com mais de 40 e menos de 45 anos; 68,5% se localiza em estados do Sudeste.
Entre os entregadores com curso superior que estrearam na atividade durante a pandemia, o trabalho como entregador n�o � a �nica fonte de renda. Quase 8 mil, ou 19% do total, utilizaram aux�lios emergenciais relacionados ao coronav�rus para complemento de renda. 13,1%, cerca de 5,5 mil, responderam que trabalham em mais de um emprego.
Mais pedidos e menos renda
A pesquisa do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp (Cesit - Unicamp) consultou, por meio de um question�rio online na plataforma Google, 298 trabalhadores nas grandes cidades, principalmente - S�o Paulo, Belo Horizonte, Recife e Curitiba , no per�odo de 13 a 27 de abril de 2020.
O objetivo era abordar as seguintes quest�es: se houve altera��o no tempo de trabalho, se ocorreu varia��o na remunera��o recebida; se as empresas forneceram os meios de prote��o necess�rios (como �lcool em gel, m�scaras e orienta��es gerais) e como se deu a rela��o dos trabalhadores com os riscos de contamina��o na pandemia.
A pesquisa destacou ainda que a pandemia aumentou a demanda por esse tipo de servi�o, cen�rio que contrasta com a manuten��o de longas jornadas acompanhadas de queda da remunera��o dos trabalhadores do setor, que � justamente uma das queixas dos entregadores em greve.
"A Rappi, por exemplo, declarou um aumento de cerca de 30% das entregas em toda Am�rica Latina. No Brasil, isso foi expresso no aumento de downloads de aplicativos de entregas no per�odo compreendido entre 20 de fevereiro e 16 de mar�o de 2020, em 24%", diz o estudo, de autoria de Ludmila Costhek Ab�lio e Paula Freitas Almeida, doutoras pela Unicamp e pesquisadoras do Cesit e mais cinco pesquisadores.
Tamb�m nesta pesquisa os homens se revelaram a maioria dos trabalhadores, 94,6%. O perfil preponderante dos entregadores entrevistados � de homens que se reconhecem como brancos ou pardos (83,9%), com idades entre 25 e 44 anos (78,2%).
70,5% dos respondentes disseram que trabalhavam para duas ou mais plataformas e, entre estes, 5,7% afirmaram estar inscritos nas quatro plataformas sugeridas (iFood, Rappi, Uber Eats e Loggi), e outras.
A pesquisa apontou que mais de 57% dos respondentes afirmaram j� trabalhar normalmente mais de nove horas di�rias, percentual que subiu para 62% durante a pandemia. Durante a pandemia, 51,9% dos entrevistados afirmaram trabalhar os sete dias da semana, enquanto 26,3% deles, seis dias.

A maioria dos entrevistados (58,9%) relatou queda na remunera��o durante a pandemia, quando comparado com o momento anterior.
No universo de 270 respondentes, 47,4% declararam rendimento semanal de at� R$ 520,00 (o que corresponderia a aproximadamente R$ 2.080,00 mensais). Destes, 17,8% declararam remunera��o de at� R$ 260,00 por semana (aproximadamente, R$ 1.040,00 mensais).
Durante a pandemia, a parcela de entregadores que tem remunera��o inferior a R$ 260,00 semanais praticamente dobrou, passando a compor 34,4% dos entrevistados
"� poss�vel, aventar a possibilidade de que as empresas estejam promovendo o rebaixamento do valor da for�a de trabalho daqueles que j� se encontravam nesta atividade antes da pandemia, pr�tica que seria amparada pelo aumento do contingente de trabalhadores de reserva e ado��o de forma nociva de uma pol�tica de aumento do n�mero de entregadores", afirma a pesquisa.
Tens�o e ansiedade contra a covid-19
57,7% dos entrevistados afirmaram n�o ter recebido nenhum apoio das empresas para diminuir os riscos de contamina��o existente durante a realiza��o do seu trabalho.
A utiliza��o de �lcool-gel durante o trabalho foi a forma preventiva mais apontada pelos entregadores para evitar a contamina��o, como indicado no gr�fico 6, sendo adotada por 88,9% dos entrevistados; 74,8% indicou fazer uso de m�scaras e 54,4% fazer entrega sem contato direto com os clientes.
"Durante a pesquisa, 83,2% dos entrevistados relataram que t�m medo de serem contaminados durante a presta��o dos servi�os em tais condi��es, o que, entre outras coisas, evidencia o forte grau de tens�o e de ansiedade que gira em torno do trabalho", diz a pesquisa.
O que dizem as empresas
De maneira geral, as empresas negam falta de transpar�ncia e queda de remunera��o. Afirmam que, por causa da pandemia, mais pessoas come�aram a trabalhar no setor, o que aumentou a concorr�ncia para conseguir corridas.
A Uber Eats, por exemplo, afirmou: "Todos os ganhos est�o disponibilizados de forma transparente para entregadores parceiros, no pr�prio aplicativo. N�o houve nenhuma diminui��o nos valores pagos por entrega, que seguem sendo determinados por uma s�rie de fatores, como a hora do pedido e dist�ncia a ser percorrida."
J� a iFood disse que "n�o houve qualquer altera��o nos valores das entregas" e que estabeleceu R$ 5 como valor m�nimo para qualquer corrida. Diz, ainda: "Em maio, 51% dos entregadores receberam R$ 19 ou mais por hora trabalhada. Esse valor � quatro vezes maior do que o pago por hora tendo como base o sal�rio m�nimo vigente no pa�s."
A Rappi afirmou que "o frete varia de acordo com o clima, dia da semana, hor�rio, zona da entrega, dist�ncia percorrida e complexidade do pedido. Dados da empresa mostram que cerca de 75% deles ganha mais de R$ 18 por hora e que quase metade dos entregadores parceiros passam menos de 1 hora por dia conectados no app".
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