
O ministro Luis Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou nesta quarta (8) que o Estado tome provid�ncias contra a pandemia de COVID-19 entre a popula��o ind�gena. A decis�o foi uma resposta a um pedido da principal entidade ind�gena do pa�s, a Articula��o dos Povos Ind�genas do Brasil (Apib), em conjunto com seis partidos.
Na a��o, a Apib afirma que preceitos fundamentais da Constitui��o est�o sendo desrespeitados com as "falhas e omiss�es" do poder p�blico no no combate � epidemia do novo coronav�rus entre os povos ind�genas brasileiros. Essas popula��es t�m, segundo a entidade, uma taxa de letalidade pelo v�rus de 9,6% — enquanto na popula��o em geral a taxa � de 4%, segundo o Minist�rio da Sa�de.
A Apib afirma que a atua��o do poder p�blico diante da epidemia entre os povos ind�genas constitui um "verdadeiro genoc�dio, podendo resultar no exterm�nio de etnias inteiras" e pediu medidas espec�ficas, como cria��o de uma barreira sanit�ria e retirada de invasores de terras ind�genas.
Em sua decis�o liminar (ou seja, em car�ter de urg�ncia), Barroso diz que "todos os pedidos s�o relevantes e pertinentes" mas que, "infelizmente nem todos podem ser integralmente acolhidos no �mbito prec�rio de uma decis�o cautelar".
O ministro determinou, entre outras medidas, que as comunidades ind�genas sejam inclu�das no planejamento das a��es pelo governo, que seja criada uma sala de situa��o para responder � pandemia, que sejam tomadas medidas para conter invas�es em terras ind�genas, criadas barreiras sanit�rias para proteger ind�genas isolados e que a Sesai (secretaria de sa�de ind�gena, ligada ao Minist�rio da Sa�de) atenda a todos os ind�genas, incluindo os que est�o em cidades e em terras n�o demarcadas.
Esta foi primeira vez que uma entidade ind�gena apresentou diretamente uma ADPF (Argui��o de Descumprimento de Direito Fundamental) ao STF, com advogados pr�prios, ind�genas. Esse tipo de a��o serve para que a Justi�a garanta direitos dos cidad�os quando preceito centrais da Constitui��o est�o sendo desrespeitados.
A Apib pedia que a decis�o fosse tomada em car�ter de urg�ncia, atrav�s de uma liminar, ao relator da a��o, o ministro Barroso. Segundo a entidade, n�o havia tempo para esperar um julgamento - que poderia levar anos - da a��o no plen�rio do STF.
Chamada por Barroso a se manifestar antes da decis�o, a Presid�ncia da Rep�blica, por meio da AGU (Advocacia-Geral da Uni�o), deu uma resposta no s�bado (4), dizendo que � preciso "autoconten��o" do Poder Judici�rio, que n�o teria, argumenta a AGU, "capacidade institucional para substituir a escolha t�cnico-pol�tica do chefe do Poder Executivo" quanto aos cargos e fun��es de entidades como a Funai (Funda��o Nacional do �ndio). A AGU diz tamb�m que n�o h� omiss�o do poder p�blico, listando medidas j� tomadas no combate � pandemia.
A seguir, entenda as demandas dos povos ind�genas e a decis�o do ministro Barroso.

Protagonismo e jurisprud�ncia
O fato de a Apib ter ido diretamente ao Supremo tem implica��es que v�o al�m apenas da a��o em quest�o, explica o professor de direito Daniel Sarmento, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que tamb�m assina o documento.
A decis�o de Barroso de reconhecer a legitimidade dos ind�genas para apresentar a a��o gera jurisprud�ncia para que outras entidades, como representantes de mulheres, defensores de direitos LGBT e etc tamb�m possam ir � Corte com a��es semelhantes.
Isso porque a Constitui��o de 1988 estabelece uma s�rie de institui��es que podem entrar com uma a��o do tipo no STF, entre as "entidades de classe". A jurisprud�ncia do Supremo costumava entender entidades de classe como entidades profissionais, como sindicatos, por exemplo.
Em sua decis�o, Barroso diz que a Articula��o dos Povos Ind�genas do Brasil (Apib) "possui legitimidade ativa para propor a��o direta perante o STF", ou seja, reconhece que a entidade tamb�m � uma entidades de classe, mesmo que n�o represente um grupo econ�mico, mas sim setores da popula��o brasileira.

H� tamb�m um simbolismo no pedido, diz o advogado Luiz Eloy Terena, do povo Terena, de Mato Grosso do Sul, um dos advogados ind�genas que entraram com a a��o em nome da Apib.
"Durante toda a hist�ria do Brasil, os ind�genas foram considerados como tutelados e incapazes para as pr�ticas dos atos da vida civil. Somente com a Constitui��o de 1988 � que os povos ind�genas tiveram autonomia reconhecida para estar em ju�zo defendendo seus direitos. A Constitui��o vai completar 32 anos e � a primeira vez que os povos est�o indo direto ao Supremo, tendo em vista a situa��o com que est� sendo tratada a pandemia no Brasil", diz Eloy.
Entre as entidades que tinham o direito j� garantido de entrar com a��es do tipo est�o os partidos pol�ticos com representa��o no Congresso. Por garantia, seis partidos pol�ticos foram convidados a participar da processo pela Apib e aceitaram — PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PT, PDT assinam a a��o em conjunto com a entidade.
"� uma garantia mas serve tamb�m para mostrar que os ind�genas s�o apoiados pelas for�as pol�ticas, todos os partidos de oposi��o convidados aceitaram participar", afirma Sarmento.
Em sua resposta, a AGU n�o contestava a legitimidade da Apib, mas alegava que h� outras formas de garantir direitos sem ser uma a��o no STF. Barroso, no entanto, decidiu que o pedido � leg�timo e que h� necessidade de di�logo entre o Judici�rio e o Executivo "em mat�ria de pol�ticas p�blicas decorrentes da Constitui��o"
"Falhas e omiss�es"
Os ind�genas afirmam que "o Estado brasileiro vem falhando gravemente no seu dever de proteger a sa�de dos povos ind�genas diante da COVID-19, gerando o risco de exterm�nio de muitos grupos �tnicos", e que a situa��o diante da pandemia � t�o grave que est� em curso um "genoc�dio".
A entidade cita tamb�m diversas outras organiza��es que alertam para a necessidade de combater o avan�o da doen�a nessa popula��o — o Minist�rio P�blico Federal, a ONU e a Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos.
E n�o se trata apenas de um omiss�o, dizem os ind�genas, mas toda uma pol�tica de governo que, na vis�o deles, desrespeita direitos fundamentais desses povos.

"� uma omiss�o sistem�tica", diz Luiz Eloy. "A gente tem observado o ritmo acelerado com que os v�rus t�m entrado nas terras ind�genas, contaminado os ind�genas, e mesmo assim o governo n�o apresentou nenhum plano de enfrentamento. Pelo contr�rio, tem implementado medidas que fragilizam os territ�rios e as vidas dos povos ind�genas."
Na a��o, a Apib diz que "muitas vezes, � o Estado que causa ativamente a dissemina��o do v�rus entre povos ind�genas", citando como exemplo o primeiro caso confirmado de COVID-19 entre ind�genas brasileiros.
Em 25 de mar�o, uma jovem de 20 anos do povo Kokama, no Amazonas, foi diagnosticada com a doen�a. Segundo a Apib, "o cont�gio foi feito por um m�dico vindo de S�o Paulo a servi�o do Governo Federal pela Secretaria Especial de Sa�de Ind�gena (SESAI), que estava infectado com o v�rus.".

Seis pedidos com urg�ncia
Os ind�genas pediam que o STF determinasse o cumprimento de seis provid�ncias pelo poder p�blico para frear o avan�o da pandemia nas popula��es ind�genas - todas elas foram deferidas por Barroso, embora de forma parcial.
Uma das principais decis�es � determina��o a cria��o de barreiras sanit�rias "para prote��o das terras ind�genas em que est�o localizados povos ind�genas isolados e de recente contato."
O documento da Apib cita 21 terras de povos isolados em diversos Estados e 20 terras de povos de recente contato para os quais a entrada de pessoas de fora pode ser catastr�fica.
Barroso determinou um prazo de 10 dias para que a Uni�o apresente um plano para evitar a entrada de terceiros em territ�rios desses povos.

"O Estado est� expondo etnias inteiras e comunidades inteiras ao exterm�nio. A Funai tem o registro de 114 grupos que vivem em isolamento e no contexto de pandemia eles s�o mais vulner�veis ainda. Voc� exp�e eles ao genoc�dio na medida em que voc� tira prote��o territorial que existia sobre esses territ�rios", diz Luiz Eloy.
"O af� de contato, principalmente o af� mission�rio, � muito grande e isso precisa ser contido para evitar contamina��o at� de outras doen�as, embora a de COVID-19 seja a mais urgente", afirma Daniel Sarmento, que coassina o documento com os ind�genas.
O Supremo tamb�m determinou que o governo tome medida emergencial de "conten��o e isolamento" de invasores em terras ind�genas.
No pedido, a Apib acusava o Estado de promover invas�es a terras ind�genas, e pedia a retirada imediata de invasores em sete �reas - escolhidas pelo alto n�vel de risco e a certeza, diz Sarmento, de que os n�o-�ndios ali s�o invasores, como garimpeiros e madeireiros.
"Nessa linha de incentivo �s invas�es, al�m de manifesta��es frequentes e odiosas do Presidente, deve ser tamb�m citada a edi��o, em plena pandemia, da Instru��o Normativa nº 09 da Funai", diz a a��o. Essa portaria da Funai impede a atua��o do Estado na cria��o de restri��es para propriedades em terras ind�genas em processo de demarca��o.

Outros pedidos deferidos pelo Supremo foram o de que se crie uma sala de situa��o para coordenar a resposta � pandemia com a participa��o de representantes ind�genas e da sociedade, como a Defensoria P�blica; e o pedido de que a Sesai (Secretaria Especial de Sa�de Ind�gena) atenda tamb�m ind�genas que vivem em �reas n�o demarcadas e nas cidades.
Em resposta � afirma��o da entidade de que o plano atual do governo � vago e ineficaz, a Justi�a determinou que poder p�blico formule e coloque em pr�tica um "Plano de Enfrentamento da COVID-19 para os Povos Ind�genas Brasileiros", com participa��o de ind�genas e representantes da sociedade civil. O governo tem 30 dias para apresentar um plano, que deve seguir uma s�rie determina��es do STF, como ter o apoio t�cnico da Fiocruz.
O Supremo aprovou os pedidos com uma liminar, ou seja, em car�ter de urg�ncia, j� que julgamentos de a��es do tipo podem se alongar por anos no STF.
"Se demorar muito perde todo o sentido, porque as medidas s�o necess�rias agora", diz Sarmento.
O que diz o governo
A AGU (Advocacia-Geral da Uni�o) informou que enviou a manifesta��o do governo em rela��o � a��o no s�bado ao STF, antes da decis�o.
Na resposta, a institui��o argumentava que h� outros caminhos jur�dicos que poderiam ser seguidos em vez da ADPF e que n�o havia requisitos para que fosse feito um pedido de urg�ncia (de medida cautelar).

A AGU dizia ainda que, quanto � mudan�as em os cargos e fun��es de entidades como a Funai e a Sesai, � preciso "autoconten��o" do Poder Judici�rio, que n�o teria, argumentava, "capacidade institucional para substituir a escolha t�cnico-pol�tica do chefe do Poder Executivo".
A resposta tamb�m afirmava que "n�o se revela acertada a afirma��o de que o Governo Federal estaria sendo omisso no tocante �s medidas necess�rias para evitar a exposi��o de popula��es ind�genas � COVID-19". A AGU citava algumas medidas tomadas pela Funai, como a determina��o de contato entre agentes da Funai seja "restrito ao essencial" e "suspens�o de novas autoriza��es de entrada nas terras ind�genas", com exce��o de "servi�os essenciais" e a "disponibiliza��o de um canal de atendimento" para demandas espec�ficas relacionada ao coronav�rus.
A decis�o do Supremo, no entanto, obriga o poder p�blico a tomar a medidas pedidas pelos ind�genas em resposta � pandemia nos prazos estipulados, at� que o STF possa decidir sobre eventuais contesta��es do governo na volta do recesso.

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