"Sub�rbio" e "periferia" n�o s�o palavras associadas ao Leblon, bairro nacionalmente conhecido como sendo um dos mais caros do Brasil. Mas � o que ele foi por boa parte da hist�ria de sua ocupa��o, desde a chegada dos europeus ao Rio de Janeiro no s�culo 16, dizem especialistas que estudam a hist�ria da cidade.
Enquanto o Rio nascia e se consolidava no entorno da regi�o central, o Leblon ficava no que ent�o era uma zona rural.
Foi terra de engenhos, depois de ch�caras, pescadores, trabalhadores de f�bricas e da constru��o civil. At� que obras urbanas e melhorias no transporte o tornaram mais acess�vel e mudan�as culturais fizeram com que morar perto da praia se tornasse algo desej�vel.
Lotes de terra foram sendo divididos e mais constru��es come�aram a surgir. Ao mesmo tempo, grande parte dos moradores mais pobres foi removida para bairros distantes.
- O tempo em que o Rio de Janeiro secou ap�s destruir floresta por caf�
- Coronav�rus: m�dico de Harvard explica como bares, anivers�rios e at� corais podem ser superpropagadores de covid-19
Com um impulso de novelas da Globo que retratam o bairro como buc�lico e agrad�vel, o Leblon se tornou uma esp�cie de s�mbolo nacional de parte da elite brasileira.
Recentemente, foi alvo de pol�mica nas redes sociais, quando seus bares rec�m-abertos lotaram de pessoas que bebiam e conversavam sem m�scara, contrariando o que recomendam as autoridades de sa�de.
Como um "remoto e ortograficamente incerto sub�rbio � beira-mar", como descreve o pesquisador Eduardo Silva, se tornou o bairro que hoje conhecemos como Leblon?
Veja aqui alguns momentos-chave dessa hist�ria:
Engenhos de a��car
As terras no entorno do que hoje � a Lagoa Rodrigo de Freitas - e onde ficam v�rios bairros, entre eles o Leblon - eram arenosas e pantanosas, mas os portugueses perceberam cedo que o terreno serviria para o plantio da cana-de-a��car. Constru�ram ali, dez anos ap�s a funda��o da cidade, em 1575, o Engenho Del' Rei, como explica Antonio Edmilson Martins Rodrigues, professor da PUC-Rio.
Quando os europeus chegaram, ind�genas tamoios viviam ali havia s�culos. Pesquisadores dizem que eles foram ou escravizados ou mortos pelos europeus, mas os combates entre eles foram prolongados.
"Conhecedores da regi�o, os Tamoios a fizeram de baluarte e a definiram como um lugar que permitia mobilidade em termos de fuga e de esconderijo. N�o � � toa que com a divis�o do Brasil em reparti��o Norte e Sul, Antonio Salema, governador da reparti��o Sul, tivesse criado o primeiro engenho da regi�o com o intuito de demarcar essas terras como ocupadas. O Engenho Del' Rei � a pedra inaugural da presen�a da autoridade da col�nia na �rea", escreve Rodrigues num artigo para a revista cient�fica Oecologia Australis.
Segundo Rodrigues, a partir do plantio da cana-de-a��car, pe�a importante da economia na �poca, as margens da lagoa foram sendo ocupadas. Trabalhadores das ro�as de cana passaram a construir suas casas ao longo da margem com permiss�o dos propriet�rios dos terrenos.
"No s�culo 17, toda a borda da lagoa do sop� do Maci�o da Tijuca, desde o Humait� ao Leblon e G�vea est� cheio de canaviais", diz o professor.
A era das ch�caras
� medida que o a��car foi perdendo import�ncia econ�mica, os engenhos do entorno da Lagoa foram dando lugar a outras atividades.
� dessa era que o bairro herda seu nome, pois ali ficavam, a partir de 1845, as instala��es da empresa de Emmanuel Hippolyte Charles Toussiant Le Blon de Meyrach, conhecido como Carlos Leblon, comerciante de �leo de baleia, que era o material usado para a ilumina��o p�blica na cidade � �poca. Seu terreno era conhecido como Campo do Leblon.
Le Blon vendeu suas terras para o portugu�s Jos� de Seixas Magalh�es, e � a� que acontece a hist�ria que aparece na m�sica "As cam�lias do Quilombo do Leblon", de Caetano Veloso e Gilberto Gil.
Era a �poca da campanha pela aboli��o da escravid�o, que tinha o apoio de parte da elite. Desse grupo participava Magalh�es, que era um comerciante bem-sucedido de malas e sacos de viagem.
Sua propriedade, onde hoje fica a parte do bairro conhecida como Alto Leblon, era um lugar de encontro de abolicionistas e sediava o que o pesquisador Eduardo Silva, da Funda��o Casa de Rui Barbosa, descreve como um quilombo abolicionista.
De acordo com Silva, Magalh�es escondia ali escravos fugidos, e todos os principais abolicionistas da capital do Imp�rio sabiam disso.
Na ch�cara, plantavam-se flores, especialmente cam�lias, que se tornaram s�mbolos do movimento abolicionista.
A ch�cara de flores, a floricultura do Seixas, era conhecida mais ou menos abertamente como o "quilombo Leblond", ou "quilombo Le Bloon", "ent�o um remoto e ortograficamente ainda incerto sub�rbio � beira-mar", escreve Silva em artigo para a Funda��o Casa de Rui Barbosa.
"Era, digamos, um quilombo simb�lico, feito para produzir objetos simb�licos."

Como esse quilombo funcionava de fato � motivo de discuss�o entre especialistas. Pesquisador da hist�ria urbana do Rio, Nireu Cavalcanti diz que n�o era exatamente um quilombo.
"N�o h� qualquer evid�ncia de que houvesse um quilombo ali. O que podia acontecer era que alforriados, durante um per�odo de adapta��o, vivessem nessa ch�cara. Era mais uma coisa simb�lica", diz ele.
O quilombo do Leblon n�o est� entre os cinco da cidade do Rio de Janeiro que receberam certifica��o quilombola da Funda��o Palmares.
Silva descreve em seu texto que os escravos fugidos viviam l� e que os abolicionistas n�o faziam quest�o de esconder o fato, ao contr�rio.
"Se pensarmos bem, a simples exist�ncia de um quilombo como o do Leblon, assim t�o atuante e t�o simb�lico, n�o podia deixar de ser um esc�ndalo p�blico permanente, perpetrado nas barbas da pol�cia. O quilombo do Leblon era um �cone do movimento abolicionista, uma de suas melhores bases simb�licas e um dos seus trunfos para a negocia��o pol�tica. Por isso, na verdade, ningu�m parecia muito interessado em dissimular ou esconder a exist�ncia do quilombo do Leblon, nem mesmo o Seixas ou qualquer de seus amigos abolicionistas", escreve ele.
A ch�cara era sede de animadas festas, diz o pesquisador.
"Como aquela que aconteceu, por exemplo, no dia 13 de mar�o de 1886, anivers�rio do Seixas. A turma abolicionista passou a noite toda na farra do Leblon e s� lembrou de voltar altas horas da madrugadas. E vinham eles em animada cantoria pelo caminho, os quilombolas na maior folga do mundo tocando suas violas, e os abolicionistas aos gritos sediciosos de 'vivam os escravos fugidos!' Isso durante todo o percurso a p�, do quilombo at� chegar no Largo das Tr�s Vendas, na G�vea, onde ficava o ponto final do bondinho puxado a burro que os traria de volta � civiliza��o."
Praia valorizada, remo��es, artistas e 'exclusividade'
"A beleza natural n�o era t�o valorizada culturalmente at� os s�culos 19 e 20. A ideia da faixa litor�nea como agrad�vel tem a ver com mudan�as culturais, com o movimento naturalista do s�culo 19. Esse processo explica por que essas �reas que hoje s�o de luxo eram freguesias", diz Washington Fajardo, urbanista que foi presidente do Instituto Rio Patrim�nio da Humanidade (IRPH) na gest�o do ent�o prefeito Eduardo Paes (DEM).
Fajardo e outros especialistas assinalam que essa valoriza��o da faixa litor�nea, acompanhada de diversas obras p�blicas que a tornaram acess�vel, come�ou por Copacabana, depois tomou Ipanema e, em seguida, o Leblon.
Os tr�s bairros s�o vizinhos e est�o localizados em sequ�ncia ao longo do litoral da zona sul do Rio. Em Copacabana, o marco foi a constru��o do hotel Copacabana Palace, planejado para o centen�rio de 1922, mas inaugurado em 1923.
Ao mesmo tempo, a partir da d�cada de 30, come�ou a aumentar consideravelmente o n�mero de pessoas pobres na cidade, e a falta de pol�ticas p�blicas para elas fez favelas crescerem em diversas partes da cidade.
Segundo dados do historiador Carlos Eduardo Sarmento citados num site da Prefeitura, entre 1920 e 1930, favelas cresceram em m�dia 14% ao ano.
Na regi�o do Leblon surgiram duas das maiores, Catacumba e Praia do Pinto, na regi�o onde hoje fica o Shopping Leblon. Juntas, dizem pesquisadores, chegaram a ter dezenas de milhares de moradores. Eram habitadas, dizem os especialistas, por pessoas que trabalhavam nas f�bricas que foram constru�das no final do s�culo 19 no Jardim Bot�nico, bairro pr�ximo, e, mais tarde, compuseram a m�o de obra que ergue as v�rias constru��es imobili�rias onde foram morar as classes altas que deixavam os bairros do entorno da regi�o central.
Esses moradores foram removidos de suas casas e as favelas, destru�das, como parte de uma pol�tica urbana que transferiu pelo menos 50 mil fam�lias entre 1968 e 1975 para bairros distantes do centro e da zona sul.
Um resqu�cio dessa presen�a ainda sobrevive no conjunto habitacional Cruzada S�o Sebasti�o, que fica na divisa entre Leblon e Ipanema, e foi resultado de um embate da igreja cat�lica com o governo da �poca.
"Foi a� que a valoriza��o do Leblon ganhou for�a", diz Augusto Ivan de Freitas Pinheiro, coautor do livro Leblon (Andrea Jakobsson, 2019).
Mudan�as na legisla��o permitiram a constru��o de pr�dios pr�ximos uns aos outros e altos, diz Fajardo.
Assim, Copacabana se tornou um bairro denso, de apartamentos grandes e tamb�m pequenos.
"Em Copacabana, os pr�dios s�o grudadinhos, tem essa ideia de tecido coletivo, significa uma mescla social, de valores coletivos e valoriza��o da rua, portaria pequenas", descreve ele.
"Nos anos 1970, come�a a surgir no imagin�rio um discurso de que 'Copacabana � muito cheio, muito denso'. Na verdade, isso � uma coisa global, a partir dos anos 1950 come�a a surgir a ideia de que cidades densas s�o ruins, e tem o fen�meno dos sub�rbios americanos", diz Fajardo.
Ipanema e principalmente Leblon, diz ele, passam a ter pr�dios diferentes, com menos apartamentos, com portaria que avan�am sobre a cal�ada, com playground."
"O Leblon, por estar na ponta dessa linha, permanece por muito tempo como ponto final disso tudo, ainda como um lugar buc�lico", diz o urbanista.
O bairro acabou atraindo artistas e foi um dos mais bo�mios da cidade nos anos 1980. A mem�ria dessa �poca est� imortalizada em uma est�tua do m�sico Cazuza na pra�a que leva seu nome, numa parte do bairro que era conhecida � �poca como Baixo Leblon.
Outro passo importante, acredita Fajardo, foram as reformas feitas no �mbito do projeto Rio Cidade, que tornaram as vias principais do bairro menos ca�ticas, e a inclus�o de partes do bairro nas chamadas Apacs - �reas de Prote��o do Ambiente Cultural.
"Melhorou a qualidade do espa�o p�blico e houve uma sofistica��o para atividades econ�micas. A transi��o do buc�lico para o exclusivo foi veloz. Ganhou uma sofistica��o, mas manteve atributos de bairro, de um lugar onde voc� pode caminhar, onde conhece os comerciantes. E aos poucos foi surgindo esse fen�meno da exclusividade, do particular, com ruas fechadas com cancelas. E encaretou", diz ele.
- J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!