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Estado de Minas

Com delivery, pequenos agricultores org�nicos driblam crise e veem at� aumento de vendas na pandemia

Contrariando a crise econ�mica, e diferentemente de produtores org�nicos de maior porte, alguns agricultores mudaram sua rotina e viram sua demanda crescer.


postado em 11/07/2020 17:58

Toda quarta, o dia de trabalho do agricultor H�lio Tavares come�a mais cedo do que habitual na ro�a, onde mora e trabalha, em Paty dos Alferes, regi�o serrana do Estado do Rio de Janeiro. �s 3h, H�lio j� est� na estrada com seu Fiorino carregado com cerca de 20 cestas de produtos org�nicos para entregar na capital onde chega �s 6h e trabalha at� �s 15h. As cestas, na verdade, s�o bolsas retorn�veis de nylon que re�nem de 3kg a 5kg de diferentes alimentos plantados no s�tio do H�lio e de outros agricultores da regi�o.

Contrariando a crise econ�mica que abala o mundo em pandemia, H�lio viu suas vendas aumentarem nos primeiros meses de quarentena. "A maior parte dos alimentos que distribuo � daqui de casa. O que eu n�o tenho, levo dos amigos e viabilizo tamb�m para os que n�o t�m condi��o de transporte. A gente se organizou nesse sentido", relata o agricultor de 36 anos. H�lio viu no delivery a alternativa para escoar a sua produ��o, ajudar outros agricultores locais e suprir uma car�ncia em outra cidade, devido ao fechamento de circuitos de feiras de org�nicos.

Lucas Moya, membro de um grupo de distribuidores de produtos org�nicos em Bras�lia, viu a venda de seus produtos diminuir na feira e aumentar com o delivery. "Nossas vendas cresceram bastante. A pandemia nos fez ampliar nossa �rea de entrega e, consequentemente, aumentar os dias de entrega. No in�cio foi uma loucura, mas estamos dando conta. Estamos mais organizados e conseguindo atender a demanda que continua alta. A pandemia afetou positivamente o nosso neg�cio", afirma Lucas.

Essa organiza��o dos agricultores familiares que j� trabalhavam com feiras � fundamental para se adaptar a essa nova log�stica do setor durante a pandemia do novo coronav�rus, garante Rog�rio Dias, presidente do Instituto Brasil Org�nico. Segundo Rog�rio, as entregas em domic�lio s�o uma solu��o melhor para aqueles produtores que j� tinham um processo organizativo, como os que trabalhavam em feiras, e para quem oferecia diferentes produtos de pronta entrega.

O fim das feiras

A princ�pio, o grande problema para os agricultores rurais foi o fechamento das suas principais vitrines, as feiras livres, por conta das medidas para conter a transmiss�o do v�rus. Para muitos, essa era a principal forma de relacionamento com o p�blico. Outro complicador foi a suspens�o das atividades escolares. Muitos produtores que abasteciam a alimenta��o da merenda foram prejudicados. A sa�da, para quem p�de, foi oferecer a entrega a domic�lio.

A produtora In�s Scarpa Carneiro, 69 anos, de Cosm�polis, em S�o Paulo, viu suas vendas ca�rem em 80%. A principal forma de escoar sua pequena produ��o sempre foi atrav�s de feiras, que, de um dia para o outro, foram fechadas. A forma que encontrou para superar, foi passar para o filho a responsabilidade de implementar uma nova forma de vendas, por entregas.

"Quem assumiu (as vendas) foi meu filho e ele est� fazendo entregas de cestas. Est� nos ajudando muito. Meus amigos que s�o grandes produtores foram muito prejudicados, com muitas sobras, e est�o doando - o que n�o � nosso caso", explica In�s.

Esse cen�rio de dificuldades na produ��o pela diminui��o da demanda fez com que a agricultora Sabrina Magaly Navas, de Bras�lia, interrompesse totalmente a produ��o de sua pequena empresa no meio da pandemia.

"De maneira geral, o movimento diminuiu. A perda de espa�os de comercializa��o como lojas, feiras e tamb�m a diminui��o de acesso a supermercados afetou a venda de produtos org�nicos e/ou agroecol�gicos. Algo que ocorre tamb�m com restaurantes e bares, que as vezes compram insumos de agricultores e cooperativas", conta Sabrina, que aguarda o setor melhorar para voltar a produzir.

Em diversas centros urbanos do pa�s, as feiras livres tiveram regras de funcionamento mais restritas ou foram canceladas. Em relat�rio da Mintel, ag�ncia internacional que fornece pesquisas e an�lises de mercado, dados do �ltimo abril mostram que 79% da popula��o brasileira reduziu as idas aos supermercados. Junto a isso, parte da popula��o teve queda do poder aquisitivo com o impacto econ�mico da pandemia. Dados da pesquisa do Organis do ano passado mostram que o pre�o considerado elevado � o principal motivo pelos quais as pessoas n�o consomem produtos org�nicos (43%).

As adapta��es nas feiras se tornaram uma realidade em diversos munic�pios pelo Brasil. A livre circula��o, com clientes colocando a m�o nos produtos, n�o poderia acontecer neste momento. Em cidades com S�o Paulo e Rio de Janeiro, algumas feiras se tornaram algo similar a um drive-thru, em que as pessoas realizavam com anteced�ncia a encomenda, os produtores deixavam separado e as pessoas passavam para buscar. Essa foi uma alternativa para quem n�o quis receber os produtos em casa.

Dados de pesquisa feita em abril mostram que 79% da população brasileira reduziu as idas aos supermercados(foto: Getty Images)
Dados de pesquisa feita em abril mostram que 79% da popula��o brasileira reduziu as idas aos supermercados (foto: Getty Images)

O aumento da demanda

No munic�pio de Miguel Pereira, vizinho a Paty dos Alferes na serra do RJ, a pandemia do covid-19 pouco impactou nos neg�cios agr�colas da regi�o. Inalva Mendes Brito, professora aposentada, de 74 anos, n�o cultiva com as pr�prias m�os, mas � uma incentivadora da produ��o org�nica. Promoveu a divis�o de sua terra para a forma��o de uma agricultura familiar formada por quatro pessoas. H� uma rotatividade constante, sempre renovando esse ciclo. Mas, todos os dias h� algu�m produzindo.

"Quanto � pandemia, parece que n�o chegou aqui no campo. Pelo menos, aqui na �rea que n�s habitamos que � na montanha, e n�o � uma �rea muito isolada, � uma �rea at� meio cidade, meio rural. A gente escuta sobre os impactos da pandemia, mas por aqui a produ��o s� aumentou", diz dona Inalva, que tamb�m fornece produtos org�nicos para as cestas que o H�lio entrega no Rio de Janeiro.

Apesar da pandemia, a agricultora Ana Rita, de S�o Sebasti�o da Bela Vista, Minas Gerais, tamb�m continua em atividade. Ela realiza duas feiras por semana, �s quartas e s�bados, seguindo as recomenda��es sanit�rias. E faz entregas � domic�lio em Varginha, �s quintas-feiras.

"As vendas n�o diminu�ram. Na verdade, houve aumento na procura por nossos produtos. Estamos produzindo mais. Na feira todos tomam muito cuidado. Distanciamento, m�scaras. Preferimos pagamento por cart�o, para evitar dinheiro vivo, e muito �lcool 70% � disposi��o de todos", conta Ana.

O tamb�m mineiro Jos� Antonio de Souza, mais conhecido como Neguinho, da cidade de S�o Sebasti�o da Bela Vista, refor�a a ideia. A produ��o de Neguinho segue normal, e, pelo que ouviu de colegas agricultores, a procura aumentou entre eles tamb�m. Para ele, a pandemia de nada atrapalhou, muito pelo contr�rio. "As pessoas estarem em casa foi uma condi��o para que buscassem produtos mais saud�veis", confirma Neguinho.

Consumidor consciente: a engrenagem

Um dos clientes cariocas de H�lio, o consultor de gest�o empresarial Humberto Renato Silva Brantes, morador da Freguesia, come�ou a consumir regularmente org�nicos a partir de setembro de 2019. Ele encara como uma oportunidade de ter uma alimenta��o mais fresca e saud�vel.

"Durante a pandemia continuamos consumindo. Inclusive aumentamos o consumo. Passamos a dar prefer�ncia aos produtos org�nicos por ter mais tempo para cuidar da alimenta��o di�ria em casa", conta Humberto.

A professora de ioga Cristina de Mello Souza, moradora de Copacabana, tamb�m � cliente do H�lio. Ela passou a consumir e comprar produtos org�nicos h� mais de seis anos.

"Antes da pandemia, eu ia a algumas feiras no meu bairro, mas depois migrei para as entregas do H�lio. Acho que quando compro de pequenos produtores, estou ajudando a transformar a realidade desses profissionais que lutam para manter seus produtos no mercado e com a concorr�ncia de grandes produtores", explica Cristina. Quando terminar a pandemia, ela pretende continuar adepta do sistema de entregas em domic�lio.

Ascens�o

Um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada), realizado antes da pandemia e publicado em fevereiro deste ano, confirma que o setor de org�nicos no pa�s est� em uma crescente. De 2010 a 2018, o setor evoluiu aproximadamente 17% quanto ao n�mero de produtores especializados no alimento org�nico.

Segundo dados da Organis (associa��o sem fins lucrativos baseada em Curitiba, que trabalha para divulgar os conceitos e as pr�ticas org�nicas), o setor de produtos org�nicos faturou R$ 4,6 bilh�es no Brasil em 2019, ou 15% acima do ano anterior.

O pesquisador Lucio Lambert, mestre em Agricultura Org�nica pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), entende que � dif�cil tra�ar um panorama no Brasil, porque existem diversos fatores e caracter�sticas que podem alterar as realidades regionais quanto aos org�nicos. Mas, de modo geral, ele analisa que a demanda dos org�nicos vem crescendo nos �ltimos anos e, com a pandemia, cresceu ainda mais. Segundo Lambert, isso ocorre por que as pessoas passaram a dar mais valor � sa�de e est�o mais tempo em casa, se arriscando na cozinha.

Sara Fazito conecta pequenos agricultores do Sul do pa�s com consumidores do Rio de Janeiro, onde mora. Ela tamb�m faz parte de um coletivo ligado �s quest�es aliment�cias, a Junta Local. Sara trabalha com os processados (arroz, feij�o, farinhas, sementes, gr�os, sucos) e viu seu neg�cio crescer antes de o v�rus chegar. E, apesar das mudan�as impostas pela pandemia, ela continua otimista com o setor.

"Entre as principais mudan�as, depois do in�cio da quarentena, observo que a minha demanda basicamente triplicou, mesmo sem as feiras que eram meu melhor canal de venda. Percebo que este movimento decorre de alguns fatores: com a pandemia as pessoas passaram a dar mais import�ncia para a sa�de, optando por alimentos limpos, livres de agrot�xicos e pesticidas (...). Al�m disso, com o confinamento, tem-se passado mais tempo fazendo a pr�pria comida, o que leva � procura de ingredientes de maior qualidade e boa proced�ncia", observa Sara.

Pol�ticas p�blicas

Quanto �s pol�ticas p�blicas, dona Inalva, produtora de Paty dos Alferes, enxerga que h� uma grande aus�ncia delas no Brasil. "Seguran�a alimentar sequer (existe), nunca se trabalhou nisso nos espa�os p�blicos, por exemplo, na escola", avalia.

Bela Gil, chef de cozinha e defensora da alimenta��o saud�vel e consciente, acredita que o fator que faz a diverg�ncia ser muito grande entre os produtores que aumentaram suas rendas para os que precisaram interromper ou descartar suas produ��es � a ausencia do Estado.

"A gente precisa de pol�ticas p�blicas para garantir a renda desses agricultores e comida na mesa de quem precisa. Desde 2003, os programas como PAA (Programa de Aquisi��o de Alimentos) vem perdendo muito dinheiro e valor. Em um momento como este, durante uma pandemia, a gente v� como faz falta um programa que ajude o agricultor", opina Bela.

Para Rog�rio Dias, do Instituto Brasil Org�nico, aconteceram avan�os nas pol�ticas p�blicas, como quando se estabeleceu 30% da agricultura familiar, preferencialmente org�nica, no Programa de Aquisi��o de Alimentos (PAA) e no Programa Nacional de Alimenta��o Escolar (PNAE). Mas defende mais apoio ao setor, especialmente neste momento em que os agricultores est�o sofrendo com os impactos da pandemia e sem poder fornecer a escolas e a parte dos restaurantes.

Em Bras�lia, ainda est� em tramita��o, quase quatro meses depois da primeira morte por covid-19 no pa�s, um projeto de lei na C�mara dos Deputados que busca criar medidas emergenciais em apoio � agricultura familiar enquanto perdurar a pandemia. Esse pacote de medidas urgentes incluiria, al�m do fomento �s atividades de agricultura familiar, condi��es especiais na oferta de cr�dito, a cria��o do Programa de Aquisi��o de Alimentos Emergencial (PAA-E) e solu��es para o endividamento desses agricultores familiares.

''� muito importante lembrar que 70% ou mais da comida que chega na nossa mesa vem da agricultura familiar. (...) Falta enxergar na agricultura familiar a fonte de produ��o de alimentos para a popula��o", opina Bela Gil.


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