
Na unidade de terapia intensiva, os pisos, mesas e grades das camas s�o dourados, cor que revela a presen�a de cobre.
A sala, no Hospital Cl�nico da Universidade do Chile, em Santiago, � um dos locais onde cientistas daquele pa�s analisaram as propriedades antimicrobianas do cobre.
O metal j� era usado para fins medicinais h� mil�nios, mas nos �ltimos anos seu poder antimicrobiano foi objeto de novos estudos na Am�rica do Sul, na Europa e nos Estados Unidos.
Gerald Larrouy-Maumus, pesquisador de doen�as infecciosas do Imperial College, de Londres, acredita que as superf�cies de cobre podem ajudar a combater o que ele descreve como uma "bomba at�mica" iminente — a crise de bact�rias resistentes a antibi�ticos.
Todos os anos, 700 mil pessoas morrem no mundo v�timas de pat�genos que se tornaram resistentes ao tratamento, segundo a ONU. "Se n�o fizermos nada, em tr�s d�cadas o n�mero de mortes ser� de dez milh�es por ano", disse Larrouy-Maumus � BBC News Mundo, servi�o em espanhol da BBC.
Muitas dessas infec��es resistentes s�o intra-hospitalares, ou seja, s�o contra�das nos pr�prios hospitais. Por�m, o uso do cobre em superf�cies de contato frequente reduziria a transmiss�o de doen�as nesses locais, segundo o cientista.
Outros pesquisadores estudam a efic�cia do cobre n�o apenas para bact�rias, mas tamb�m para v�rus, incluindo o novo coronav�rus que causa a COVID-19.

A reportagem da BBC Mundo, servi�o em l�ngua espanhola da BBC, falou com cientistas do Reino Unido, dos Estados Unidos e dos Chile em busca de respostas sobre o papel do cobre nessa �rea..
Desde quando o cobre � usado na sa�de? Quais evid�ncias existem para as propriedades antimicrobianas deste metal? E que papel ele poderia desempenhar durante a pandemia de COVID-19?
Cobre medicinal nos tempos antigos
"O primeiro uso medicinal de cobre para o qual existem registros est� documentado no chamado Papyri Smith, um antigo texto m�dico eg�pcio escrito entre os anos de 2600 e 2200 a.C.", explica Michael Schmidt, professor de microbiologia e imunologia da Universidade M�dica da Carolina do Sul, nos Estados Unidos, que investigou o uso de cobre em ambientes hospitalares.
"Esses papiros falam sobre o uso de cobre para desinfetar feridas no peito e tornar a �gua pot�vel."

O pesquisador garante que as mulheres perceberam muito cedo que, se armazenassem a �gua em vasos de cobre por um tempo, "haveria menos epis�dios de diarreia em suas fam�lias".
Schmidt tamb�m cita v�rios outros exemplos do uso de cobre para fins de cura na hist�ria da medicina.
"Os fen�cios colocaram limalhas de cobre ou peda�os de espadas nas feridas durante os combates. E Hip�crates recomendou cobre para tratar �lceras nas pernas", explica o pesquisador.
Como o cobre funciona
Os antigos usos medicinais do cobre foram baseados em observa��es, mas a compreens�o de como o metal trabalha exigiu s�culos de avan�o cient�fico.
Metais pesados %u200B%u200Bcomo ouro e prata tamb�m s�o antibacterianos, mas a estrutura at�mica do cobre fornece energia extra.

O cobre possui um el�tron livre na �rbita externa de seus �tomos, configura��o que facilita rea��es.
Essa peculiaridade n�o apenas explica por que o cobre � um bom condutor, mas tamb�m como ataca pat�genos em v�rias frentes.
Os �ons ou part�culas eletricamente carregadas do metal primeiro geram uma esp�cie de "ataque" contra a membrana externa dos micr�bios, causando-lhe rupturas.
E, uma vez que essa membrana � quebrada, os �ons destroem o material gen�tico dentro do pat�geno, explica Larrouy-Maumus.
"Basicamente, o cobre gera radicais livres que danificam o DNA ou o RNA de bact�rias ou v�rus, impedindo sua replica��o", disse ele.

Esse ataque em v�rias frentes explica por que, apesar do cobre ser usado h� milhares de anos, os microrganismos n�o conseguiram desenvolver estrat�gias para se defender dele, segundo o professor Roberto Vidal, diretor do programa de microbiologia da Faculdade de Medicina da Universidade do Chile.
"O cobre danifica as bact�rias antes que elas possam gerar resist�ncia e se reproduzir, transmitindo essa resist�ncia para a pr�xima gera��o", disse o cientista chileno.
"� muito dif�cil gerar resist�ncia contra um produto que tenha muitos efeitos sobre o organismo; o micro-organismo teria que modificar muitos locais suscet�veis de serem afetados pela a��o do cobre para se tornarem resistentes, e fazer isso � muito dif�cil."
O que dizem os estudos nos EUA e na Europa
A Ag�ncia de Prote��o Ambiental dos Estados Unidos (EPA) registrou in�meras ligas de cobre como antimicrobianas.
Em rela��o ao uso do material em hospitais, um dos estudos mais recentes foi publicado por Michael Schmidt em 2019.
Ele e colegas compararam a presen�a de bact�rias em dois tipos de leitos em unidades de terapia intensiva de tr�s hospitais: leitos com superf�cies de pl�stico, e outros com superf�cies de cobre.
"Em m�dia, as camas de cobre abrigavam 94% menos bact�rias do que as camas de pl�stico e permaneciam com esse baixo n�vel durante toda a interna��o dos pacientes", afirma Schmidt.
Como ele, o microbiologista Bill Keevil, da Universidade de Southampton, no Reino Unido, n�o tem d�vidas sobre a efic�cia do material.
Keevil estudou as propriedades antimicrobianas do metal por duas d�cadas e testou sua efic�cia com diferentes pat�genos, n�o apenas bact�rias, mas tamb�m v�rus.

Em 2015, o cientista brit�nico publicou um estudo sobre a sobreviv�ncia em diferentes superf�cies do coronav�rus humano 229E, que causa infec��es respirat�rias comuns.
O v�rus permaneceu ativo por v�rios dias em vidro ou a�o inoxid�vel, mas "deixou de ser ativo em superf�cies de cobre em uma m�dia de 5 a 10 minutos", afirmou Keevil � BBC News Mundo.
O ponto de interroga��o COVID-19
Uma grande quest�o sobre o uso do cobre � sua efic�cia contra o Sars-CoV-2, o coronav�rus que causa a COVID-19.
Ainda h� muito a se pesquisar sobre esse novo v�rus, mas um estudo publicado em mar�o pelo New England Journal of Medicine,e escrito por cientistas da Universidade de Princeton, do Instituto Nacional de Alergia e Doen�as Infecciosas dos EUA e de outros centros de pesquisa, comparou quanto tempo o coronav�rus dura em diferentes superf�cies — o cobre tamb�m foi mencionado.
O estudo observa que o novo coronav�rus permanece ativo por tr�s dias em superf�cies de pl�stico e a�o inoxid�vel.
No caso de superf�cies de cobre, por outro lado, n�o foram encontradas part�culas ativas %u200B%u200Bdo Sars-CoV-2 ap�s quatro horas.
Keevil disse que espera publicar seu pr�prio estudo sobre o efeito do cobre no coronav�rus em breve.
"Em nosso trabalho com o Sars-CoV-2, descobrimos que o cobre inativa o v�rus em menos de uma hora."
Primeiras experi�ncias no Chile
J� em 2008, o Hospital Dr. Salvador Allende, na cidade de Calama, no norte do Chile, participou de um estudo com superf�cies de cobre.
O metal foi usado, por exemplo, em trilhos da cama e outras superf�cies de alto contato.

A experi�ncia mostrou que "nas superf�cies de cobre, o crescimento bacteriano cai visivelmente e praticamente se torna nulo com o passar das horas", disse o pediatra Marco Crestto, vice-diretor m�dico do hospital e respons�vel pelo estudo.
"Isso resulta em um n�mero menor de infec��es associadas aos cuidados de sa�de, o que, por sua vez, est� relacionado a uma menor mortalidade hospitalar de pacientes e a menores custos associados para institui��es de sa�de."
Novo material testado no Chile
Em um estudo pioneiro, o professor Roberto Vidal analisou a efic�cia de um novo material com cobre chamado Copper Armour (armadura de cobre), desenvolvido pela startup chilena Atacama Lab.
Claudio Ram�rez, membro da empresa, explicou que o Copper Armour permite que o cobre seja aplicado em seu estado l�quido, como se fosse uma pintura, e em temperatura ambiente.

O material consiste em "uma mistura especial de nanopart�culas e micropart�culas de cobre e de outros materiais suspensos em um pol�mero modificado de alta resist�ncia".
A vantagem, de acordo com seus criadores, � que o produto n�o � apenas 10 vezes mais barato que as chapas de cobre comuns, como tamb�m n�o desenvolve a p�tina usual ou a colora��o verde que o cobre apresenta ao longo do tempo quando se oxida.
O estudo foi financiado em parte pela Corpora��o de Desenvolvimento (Corfo), uma ag�ncia do governo chileno. As conclus�es foram publicadas em 2019 na revista cient�fica Antimicrobial Resistance & Infection Control.
"Quando colocamos em contato com o cobre bact�rias como Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa e Listeria monocytogenes, pat�genos predominantes nos servi�os de sa�de, percebemos que, depois de duas horas, 99,9% delas haviam morrido. Isso ocorreu em testes de laborat�rio", explicou Vidal.
Em um segundo est�gio, experi�ncias piloto foram realizadas em hospitais. O produto de cobre foi aplicado em pisos, suportes de soro e outras superf�cies de alto contato na UTI do Hospital Cl�nico da Universidade do Chile.
"O estudo tamb�m foi realizado na UTI pedi�trica da Cl�nica Las Condes, em Santiago, e o resultado foi o mesmo", afirma Vidal.
"Fizemos os testes de parede e piso e o n�vel de contamina��o nas superf�cies de cobre caiu significativamente em compara��o com o piso comum."

Os trilhos do leito com o material de cobre apresentaram, por exemplo, uma redu��o m�dia de 88,9% na carga da bact�ria Staphylococcus spp, em compara��o com camas comuns.
"O que me interessa agora � ver a efic�cia desse pol�mero de cobre contra um pat�geno como o da COVID-19, algo que ainda precisa ser feito", disse Vidal.
"Para fazer um estudo com esse v�rus, precisamos de um laborat�rio de n�vel de biosseguran�a 3, feito para conter e n�o permitir que pat�genos escapassem no ar. A �nica alternativa seria enviar as amostras para um laborat�rio especializado no exterior, e que tenha essas medidas de seguran�a, para que ele nos envie a resposta", explica o pesquisador.
M�scaras de cobre
Outras empresas chilenas j� exportam produtos feitos com cobre durante a pandemia.
Uma delas � o CoureTex, de Valpara�so, que produz m�scaras feitas com tecidos que cont�m filamentos de cobre t�o finos quanto fios.
O tecido foi certificado por institutos no Chile e no Brasil como antibacteriano, e as m�scaras faciais eram destinadas a trabalhadores do setor de alimentos.
Mas a demanda por essas m�scaras aumentou muito devido � pandemia, apesar do fato de n�o haver estudos cient�ficos que comprovem sua efic�cia especificamente no caso da COVID-19.
"Estamos produzindo cerca de 500 mil unidade por m�s e exportamos para o Brasil, Argentina e Equador, entre outros pa�ses", afirmou �scar Silva Paredes, dono da empresa o propriet�rio da CoureTex. "N�s os vendemos por US$ 4 (R$ 21) para empresas clientes. N�o tiramos proveito da pandemia".
Cobre e o futuro
Se tantos estudos demonstram as propriedades antimicrobianas do cobre, por que seu uso n�o � mais generalizado?
Um dos problemas, segundo Larrouy-Maumus, � o custo.

"Para mim, o cobre n�o � a solu��o universal, porque ele tem um custo que muitos hospitais n�o podem pagar", diz o cientista.
"Mas � um produto eficaz que est� dispon�vel. Portanto, minha recomenda��o � us�-lo para combater infec��es hospitalares apenas em superf�cies de alto contato, como pisos, grades de cama e corrim�os."
Por�m, outros materiais podem competir com o cobre no futuro.
Larrouy-Maumus tem pesquisado em seu laborat�rio como as bact�rias interagem com diferentes superf�cies, e procura projetar novos materiais antimicrobianos com nanotecnologia.
O cientista tamb�m quer desenvolver superf�cies que n�o apenas capturem pat�genos, mas que tamb�m possam atra�-los como uma esp�cie de �m� quando suspensos no ar.
Por sua vez, outros pesquisadores do Imperial College est�o buscando materiais mais baratos que possam imitar a a��o antimicrobiana do cobre.
"Tamb�m existem outros produtos promissores, como o �xido de tit�nio, mas ele ainda est� em desenvolvimento", diz Larrouy-Maumus.
O professor Roberto Vidal acredita que novas tecnologias baseadas em cobre, como a Copper Armour, ser�o mais usadas no futuro.
"Na minha opini�o, com todos os estudos e o interesse que est� sendo gerado, o uso de cobre se tornar� massivo."
"Novas tecnologias permitem que o cobre seja usado de maneira econ�mica e esteticamente agrad�vel, pois os pisos n�o ficam esverdeados ao longo do tempo devido � oxida��o."
Para o cientista chileno, o cobre ter� um papel fundamental a longo prazo.
"Agora tudo est� focado na COVID-19, mas o problema das infec��es hospitalares vai continuar."
"Sem d�vida, o cobre e suas novas aplica��es favorecem a melhoria da qualidade da infraestrutura em hospitais. � uma quest�o de proje��o para o futuro."
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